BRIGADA MILITAR: DE EXÉRCITO À POLÍCIA MILITAR (1892-2016)

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Romeu Karnikowski
              Romeu Karnikowski

Concebida pelo gênio e determinação de Júlio de Castilhos (1860-1903), a Brigada Militar foi criada pelo Ato 357, assinado por Fernando Abbott, no dia 15 de outubro de 1892. Demétrio Ribeiro escreveu em 1891 que Júlio de Castilhos, então Presidente do Rio Grande, preparava a criação de um “exército policial” para ser a sua guarda pretoriana, mas quando ele foi deposto em novembro desse mesmo ano, o projeto foi interrompido. Castilhos voltou ao poder na revolução de 17 de junho de 1892, retomando os desígnios para a criação do seu exército estadual, o que acabou acontecendo em outubro. A Brigada Militar, batizada com esse nome por ordem de Júlio de Castilhos sob a influência do positivismo de Auguste Comte, tomou como modelo a organização do Exército Nacional. Por isso, Júlio de Castilhos até os anos trinta sempre foi tratado como o “Pai da Brigada Militar”, principalmente, nos pronunciamentos do coronel Afonso Emílio Massot (1865-1925). Desde a sua criação em 1892, ela já se tornou legendária, sendo protagonista determinante da Revolução Federalista de 1893, na encarniçada guerra contra os maragatos libertadores. Para comandá-la, Castilhos chamou oficiais do Exército Nacional, tais como o então major engenheiro Joaquim Pantaleão Telles de Queiroz, comissionado no posto de coronel para ser o seu primeiro comandante-geral e o capitão Fabrício Baptista de Oliveira Pillar, comissionado no posto de tenente-coronel para comandar o recém criado 1º Regimento de Cavalaria, entre outros oficiais. A Brigada tornou-se ao longo da sua existência na maior prestadora de serviços públicos do Estado do Rio Grande do Sul, além de ter participado efetivamente nas mais importantes guerras insurrecionais que abalaram o Brasil até os anos trinta. A partir do advento da República em 1889, vários estados, entre os quais o Rio Grande do Sul, organizaram suas próprias milícias como verdadeiras forças bélicas, com o objetivo de ser o braço armado das suas oligarquias dominantes. A Brigada Militar em razão da Guerra Civil de 1893 emergiu como um formidável exército estadual, constituindo-se, em berçaria de guerreiros e na força pública mais experimentada do país. Embora a missão de polícia ostensiva estive a cargo dos municípios por determinação da Lei 11, de 4 de janeiro de 1896, a Brigada Militar, por convênio realizou alguns serviços de policiamento e salvamento em Porto Alegre, onde está nos anais a heróica atuação dos seus 1º e 2º batalhões de infantaria e também do 1º regimento de cavalaria na terrível enchente que atingiu a Capital do Rio Grande do Sul em 1897, fato que se repetiu ainda mais intensamente em 1941, com abnegada participação da força gaúcha nos serviços de defesa civil. A chegada da Missão Instrutora do Exército em 1909 inaugurou a era do profissionalismo militar da milícia gaúcha. O estudioso Corálio Cabeda escreveu que essa Missão Militar provocou verdadeira revolução nos rumos da Brigada Militar onde pode-se destacar a criação da sua academia em 1916 e o aprofundamento do seu ethos bélico. A Missão Instrutora do Exército, tal como a Missão Militar Francesa que começou a treinar a Força Pública de São Paulo em 1906, pode ser considerada a grande responsável em estabelecer a consistência profissional do oficialato da milícia gaúcha. Alguns dos ícones mais importantes da força emergiram dessa Missão Militar tais como o general Emílio Lúcio Esteves, coronel João de Deus Canabarro Cunha e o coronel Ruy França entre outros. Assomado a grande experiência adquirida nas guerras insurrecionais ela tornou-se, assim, um respeitado e temido exército estadual. Getúlio Vargas (1883-1954), por influência dos generais das Forças Armadas, desbelicizou as milícias estaduais por meio da Lei nº 192/1936, retirando a sua característica de exército estadual. Flores da Cunha (1880-1959), general honorário que governou o Rio Grande do Sul entre 1930 e 1937, teve grande importância na história da Brigada Militar. Primeiro, foi ele que inventou o mito de que a corporação foi criada em 1837, porque ele queria que a força gaúcha, em razão das grandes comemorações dos Cem Anos da Revolução Farroupilha em 1935, tivesse um pé nesse grande fato histórico. O Corpo de Bombeiros de Porto Alegre, que havia sido criado sob o modelo militar por Norberto Garrido, em 1º de março de 1895, por sua determinação, foi incorporado pela Brigada Militar ainda em 1935. Dois anos depois, em 1937, ele comprou quatro blindados da Hungria com o objetivo de armar a Brigada Militar numa possível guerra contra Getúlio Vargas, mas ele foi deposto por articulação de Getúlio Vargas, pouco antes da instauração do Estado-Novo (1937-1945). Walter Jobim foi eleito governador do Estado do Rio Grande do Sul em 1947. Este nomeou o coronel Walter Peracchi de Barcellos como comandante-geral da Brigada Militar, cargo que exerceu entre 1947-1950. O coronel Peracchi que salvou a Brigada da possível extinção na Constituinte Estadual de 1947 era um oficial modernizador e percebeu que a época dos exércitos estaduais havia terminado, dando início ao longo processo de policialização da Brigada Militar. Na transformação em polícia militar da força gaúcha, o coronel Peracchi protagonizou a criação da Companhia de Polícia “Pedro e Paulo” em Porto Alegre, do Regimento de Polícia Rural Montada em Santa Maria e do Curso de Polícia para os oficiais, todos no ano de 1955. O regime militar de 1964 mudou radicalmente o papel das milícias estaduais tornando-as definitivamente polícias militares, por meio do Decreto-lei 317/1967, dentro do qual criou a Inspetoria-Geral das Polícias Militares (IGPM). Assim, em razão do DL 317/1967, que deu a exclusividade do policiamento ostensivo nos estados às polícias militares, o então Governador Peracchi de Barcellos, pelo Decreto 501, de 2 de maio de 1967, extinguiu a excelente Guarda Civil e também os Guardas Noturnos que era uma espécie de polícia particular. Embora a Constituição de 1934, já havia colocado como polícias militares foi o regime de 1964, que as definiu como polícias militares, primeiro no DL 317/1967 e depois no Decreto-lei 667/1969, sob a férrea fiscalização e supervisão da Inspetoria-Geral das Polícias Militares (IGPM). A essa altura, a Brigada Militar havia formado uma sólida doutrina de policiamento ostensivo que superava mesmo as linhas da própria IGPM. A rigor, a sua policialização aprofundou-se com a Constituição de 1988, no seu art. 144, que redefiniu o seu papel não mais como polícia de ordem, de caráter autoritário instituído pelo regime de 1964, agindo somente na defesa do Estado, mas como polícia de segurança, imbuída de valores democráticos atuando na preservação da vida das pessoas e da sociedade atuando como polícia ostensiva e na manutenção da ordem pública.

 

BRIGADA MILITAR

EXÉRCITO ESTADUAL POLÍCIA MILITAR
Defesa das Instituições Polícia de Ordem Polícia de Segurança
1892-1950 1967-1988 1988 em diante
1950-1967
Policialização ou transformação em polícia militar da BM, sob o paradigma de polícia de segurança, por liderança e doutrinação de oficiais modernizadores, tais como os coronéis Peracchi de Barcellos, Luis Iponema, Nilo Ferreira entre outros. Esse processo próprio da BM, infelizmente, foi interrompido pelo DL 317/1967, baixado pelo regime militar (1964-1985).

 Por fim, a Brigada Militar, dentro da sua policialização deve avançar na perspectiva do policiamento comunitário com respeito aos direitos humanos, respeito à cidadania e sem preconceito de qualquer natureza tal como uma verdadeira polícia democrática. O fato de constituir-se em uma polícia de segurança, com caráter comunitário e democrático, não significa que ele venha ser uma força mole, sem vigor na sua atuação, antes ao contrário, deve ter o máximo rigor profissional e sem hesitar em usar a força física quando e se necessário. Na sua ação profissional, ela tem que ser uma polícia dura e sem compactuar com a criminalidade, quando ela for invocada e acionada para exercer o policiamento ostensivo e garantia da ordem pública, mas sem nunca perder a sua fundamentação como policia de segurança, comunitária e democrática com absoluto respeito a cidadania e a dignidade humana, pois caso isso não seja observado, a polícia tornasse o mais terrível e horrendo dos instrumentos institucionais dos governos na sua relação com a sociedade. A Brigada Militar deve ser guardiã do Estado democrático de direito no seu exercício do policiamento ostensivo e garantidora da ordem pública.

 

Romeu Karnikowski

Doutor em Sociologia pela UFRGS