CAXIAS DO SUL: “A ordem agora é matar policial” diz ex-integrante de quadrilha caxiense

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7ba78dc4614d5b882e3c6e450ce083eb_gUma ação organizada de uma quadrilha criminosa com alto poder de fogo e persuasão no mundo do crime. Esta pode ser a explicação para o aumento preocupante da criminalidade em Caxias do Sul, que tem deixado um rastro de mortes e engrossado as estatísticas da polícia.
Os números apontam o mês de outubro como um dos mais violentos do ano em Caxias do Sul. E é o número de homicídios que mais se destaca nas planilhas policiais: somente nos últimos 26 dias, 23 pessoas foram mortas na cidade.
O aumento na criminalidade se deve a uma série de fatores, mas uma das principais está relacionada a uma sangrenta disputa pelo comando do tráfico de drogas na cidade.
Uma facção organizada como uma franquia de uma quadrilha que se autodenomina “Manos”, que atua nos presídios de Porto Alegre, teria se organizado e estaria agindo para dominar os pontos de venda de drogas nas periferias de Caxias do Sul.
Formada por sequestradores, assaltantes de bancos, ladrões de carros e assassinos perigosos, que cumprem pena no Presídio do Apanhador, os “Manos da Serra” não poupam quem atravessa o seu caminho. E a resistência dos inimigos da facção, chamados de “Contras”, vem sendo rechaçada em confronto pelo armamento pesado dos bandidos, que tentam dominar os principais pontos do tráfico de drogas e eliminar quem se opõe ao novo comando.
Em junho, uma reportagem do Leouve já adiantava a chegada dos “Manos” no bairro Planalto. Em uma gravação obtida pela reportagem, um bandido que se identifica como Alan afirmava que a facção estava pronta para guerrear com quem tentasse vender drogas na Chapa, um dos pontos de venda de drogas mais tradicionais de Caxias.
Além do bairro Planalto, a disputa pelo tráfico também é intensa na zona oeste e em bairros como o Vila Ipê, na Zona Norte. Os moradores desses locais vivem diariamente sob o medo e a tensão de uma guerra que já custou 16 vidas, oito em cada bairro.
Praticamente todos os homicídios nessas regiões têm uma característica em comum: são execuções sumárias. O motivo das mortes seria a disputa por locais de vendas de entorpecentes ou dívida com traficantes.
Esse movimento tem assustado a população, intrigado a polícia e amedrontado até mesmo bandidos rivais. Nesta semana, a reportagem do Leouve encontrou um homem de 28 anos, que não quis se identificar, que garantiu que atuou na facção por pelo menos três meses, enquanto cumpria pena no presídio do Apanhador e depois na rua, quando obteve a progressão do regime para liberdade provisória.
Ele contou detalhes de como os “Manos” se organizaram na cidade e como os “soldados” atuam sem compaixão contra os criminosos que não aceitam vender as drogas da facção. “Eles estão passando dos limites. Matam familiares, mulheres e até crianças. Não existe mais regras para matar quem for contra”, denuncia.
O ex-integrante dos “Manos” também revela que os policiais militares que participaram da ação que matou em confronto quatro criminosos que executaram um casal no bairro Planalto são alvo preferencial da facção e correm risco de vida. Segundo ele, já existe uma ordem para eliminar os policiais. “Teve uma ordem que foi recebida agora que é para matar os policiais que executaram os quatro rapazes que faziam parte da facção, naquela noite na Vila Ipiranga. O homem garantiu que eles conhecem a rotina e o endereço do policial, sabem onde encontrar seus familiares e reiterou que a ordem é para matar os policiais. “Para que a polícia tenha respeito ou tenha medo deles”, conta.

Reação

A Brigada Militar intensificou o combate à suposta organização criminosa esta semana, e realizou uma ação na tarde da última terça-feira, dia 25, no bairro Planalto. As barreiras foram montadas em pontos estratégicos e também abrangeram parte dos bairros São Victor Cohab e Bela Vista.
Na ação os policiais também recapturaram um foragido da Justiça, e apreenderam quatro veículos. Na contagem final, a Brigada Militar abordou 166 pessoas, 107 carros e 34 motos.


ENTREVISTA

“Eles matam todo mundo”

Com a garantia do sigilo de sua identidade, o ex-integrante da quadrilha contou à reportagem como a facção criminosa está organizada, de que modo agem e por qual motivo ele deixou a organização criminosa.

P: Existe mesmo a ordem de matar policiais?
R: Sim. Eles escolheram um que deve ser o primeiro que eles vão pegar. Eles sabem onde a mulher dele mora lá no Planalto e sabem que ele tem um filho com ela. Também sabem a hora que ele sai e chega em casa, sabem onde ele trabalha, e daqui 30 dias vão mandar pegar ele e todos os policiais que participaram dessa ação na Vila Ipiranga que matou os quatro da quadrilha.

P: Essa ordem partiu de onde?
R: De dentro do presídio. Eles decretaram que vão pegar porque eles executaram quatro rapazes, e daí eles vão querer cobrar o que aconteceu. Eles querem que a polícia tenha medo da facção.

P: Você conhecia os quatro que morreram no tiroteio?
R: Sim. Eles faziam parte da facção e recebiam muitas ordens. Aqui fora, eles praticaram uma série de homicídios aqui em Caxias. Ali no bairro São Victor, balearam uma mulher. Depois mataram o rapaz, o Filipinho, de 14 anos, e botaram dentro do carro. Bastante gente eles mataram.

P: Você fazia parte da quadrilha e acabou saindo. Por quê?
R: Eu acabei me desligando por causa da família, medo da polícia. O medo de morrer é muito grande, e daí a gente recebe muita ordem deles. Era uma coisa bem complicada.

P: Como tudo começou? Existe mesmo essa ligação entre os grupos da Serra e da capital?
R: Começou com o Daniel, com Nilsinho, com Michelzinho, com Luisinho e mais uns outros membros que vieram de Porto Alegre e que estavam presos lá no Apanhador. Eles criaram essa facção e, de dentro do presídio, comandam e querem dominar Caxias.

P: Você acredita que eles vão conseguir?
R: Isso daí só a polícia pode saber né? Não tem como a gente saber. Eu me desliguei deles, não sei mais de nada.

P: Como funciona os “Manos da Serra”?
R: Na verdade como uma facção mesmo que eles tenham montado dentro do apanhador. E as ordens partem todas do Daniel, do Nilsinho, do Michelzinho, que é o Miúki, do Alan, que é cunhado do Daniel, e de diversos outros membros. Eles mandaram matar o Jonas Mello e a namorada dele por causa de drogas. A história é que ele não queria pegar droga com eles e eles mandaram executar. Basicamente, é o que está acontecendo. Está tudo ligado. Em todos os bairros, eles formaram essa facção, aí então tem bastante gente envolvida. Na verdade, tudo gira em torno do tráfico. Se ninguém pegar a droga com eles, eles mandam matar ou tu não vende mais.

P: Qual o seu medo em relação a essa organização?
R: Meu medo é por causa da família, né? Eu fiz parte desse grupo deles aí, só que eu me desviei, eu saí fora. E daí também com medo da polícia, de morrer, eu acabei saindo fora porque a gente recebia muitas ordens. Aí teve uma ordem agora que é ir atrás e matar os policiais que participaram da morte dos cinco rapazes que faziam parte da facção.

P: Como você está vivendo hoje?
R: Eu tenho que estar sempre trocando de lugar, sempre em algum outro bairro. Agora, minha vida é só trabalhar, mas eu ainda conheço todos eles. Eles matam todo mundo, eu conheço eles. Até um rap eles mandaram um cara fazer. Nesse rap, eles falam o nome de quase todos eles. Também tem um vídeo em que aparece as armas que eles usam. É o Daniel que fez, com uma sub-metralhadora. Essa arma foi apreendida pelos policiais naquele tiroteio que morreram os quatro na Vila Ipiranga. Essa arma foi a que matou o Jonas e a namorada dele no Planalto.

P: Qual é o poderio deles hoje?
R: O poderio deles é grande. Eu não saberia precisar em termos de armamento, mas eles têm bastante gente na rua. Eles roubam, fazem assaltam, traficam, eles querem dominar tudo.

Portal Leouve