Artigo: Os Policiais sem sonhos

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sonharpmOS POLICIAIS E OS SEUS SONHOS

O festejado psicólogo e autor de vários livros, Augusto Cury, em uma de suas obras, intitulada “O vendedor de Sonhos – O Chamado”, narra um acontecimento em que um dos personagens, um chefe de polícia, é confrontado por um homem que se intitula de “Vendedor de Sonhos”, que lhe faz o seguinte questionamento:

“— Qual é seu grande sonho?” O policial, gaguejando, “pagando vexame”, como dizemos na linguagem da caserna, não soube responder… Outro personagem da trama descrita por Cury, vendo a situação, faz a seguinte observação sobre o agente de segurança pública: “Ele portava um revólver, mas ficou sem ação (…). O chefe da polícia cuidava da segurança dos ”normais”, mas era inseguro; procurava proteger a sociedade, mas não tinha proteção emocional. (…)”. E após breve reflexão, o observador reitera:

“Como poderia uma pessoa sem sonhos proteger a sociedade, a não ser que fosse um robô ou uma máquina de prender?” As observações e o diálogo com o enigmático “Vendedor de Sonhos” prossegue, nos levando a reflexões sobre a nossa atividade e a influência em vários campos de nossa vida, notadamente nos nossos relacionamentos familiares, nas concepções de vida que adotamos.

Lendo as passagens do “Vendedor de Sonhos”, lembrei-me de uma dinâmica de grupo que realizei com praças de uma Unidade em que trabalhava. A atividade consistia em desenhar uma montanha e, no topo desta, em poucas palavras, descrever o seu “grande sonho.” Depois, cada um iria marcar com um “X” o local em que se encontrava na subida da montanha, rumo à realização de seu sonho. Após algum tempo, recolhi as folhas e passamos a processar o que foi desenvolvido. Ao olhar os resultados, fique comovido e ao mesmo tempo preocupado, pois que, os mais velhos, com 20 anos ou mais de serviço, escreveram, em sua quase totalidade, que o seu grande sonho era “ir para a reserva”. Os mais novos, entre 10 e 15 anos, marcaram um “X” no meio da montanha e também escreveram que o grande sonho era “ir para a reserva” . Por fim, ao analisar a atividade dos mais novos, percebi que eles marcavam o “X” no início da montanha e escreviam como sonho: “Sair da Polícia”. Passei a refletir com eles, como agora faço com os leitores deste texto. Ir para a reserva é uma consequência do tempo, é o desenvolvimento normal de nossa vida miliciana, quando não há acidentes de percurso, ou quando saímos para o exercício de uma nova atividade. Não é sonho! Por outro lado, esse desejo de ir embora, de sair da Corporação, também não pode ser considerado sonho…

Quantos policiais conheci que sucumbiram às doenças, aos vícios do álcool e de outras drogas e sequer chegaram a ir para a reserva? Quantos vivem uma vida de angústias, de tristeza profunda, alimentando como sonho, apenas o desejo de sair da polícia…

Creio que, além das técnicas e táticas operacionais, todo o arcabouço de conhecimentos jurídicos inerentes à nossa profissão, precisamos alimentar nossas mentes e corações com sonhos, ainda que este sonhos, sejam, conforme a memorável interpretação de Maria Betânia “SONHOS IMPOSSÍVEIS”.

Costumo dizer aos policiais que estão ao meu redor, que, independente das agruras, mazelas, baixos salários, situações indignas a que somos submetidos, não podemos nunca deixar de sonhar, de desejarmos sermos pais e mães melhores, maridos e esposas amáveis, construtores de sonhos em conjunto, profissionais dedicados, amantes da vida. Não podemos perder a capacidade de nos emocionar diante dos primeiros passos de nossos filhos, das pequenas vitórias que alcançamos a cada dia. Sei que não é fácil gestar sonhos em corações angustiados, maltratados, com baixa estima, mas, se continuarmos sonhando apenas em sair da Corporação ou ir para a reserva, fatalmente, o tempo, esse implacável tempo, irá passar e será muito triste olharmos para trás e vermos, na poeira do caminho, uma

história de vida sem sonhos. Por isso, desejando a construção de sonhos, abraço a todos e finalizo com a proposta da melodia:

“Sonhar mais um sonho impossível
Lutar quando é fácil ceder Vencer o inimigo invencível
Negar quando a regra é vender…”

José Carlos Vaz Souza Miranda é poeta, pai, Oficial da Polícia Militar da Turma 2002, atualmente no posto de Capitão, exercendo o Subcomando da 27ª CIPM / Cruz das Almas. O Capitão da PM participou de coletâneas de poesias e literatura de cordel e, em 2014, lançou o livro de poesias intitulado “Nas Teclas do Coração”.

Enfim, é um sujeito humano tateando no escuro as nuvens da esperança.