ZERO HORA: “A polícia é só parte da solução do problema”, diz José Mariano Beltrame

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José Mariano Beltrame esteve em Santa Maria para visitar um filho e falou por uma hora com o Diário Foto: Germano Rorato / Agencia RBS
José Mariano Beltrame esteve em Santa Maria para visitar um filho e falou por uma hora com o Diário
Foto: Germano Rorato / Agencia RBS

Santa-mariense e ex-secretário de Segurança do Rio fala sobre seu futuro e sobre como o poder público e a sociedade podem ajudar a reduzir a criminalidade

Por: Deni Zolin e Naiôn Curcino ZERO HORA

José Mariano Beltrame, 59 anos, aquele que morava em frente ao Colégio Centenário quando era criança, em Santa Maria, visitou a cidade no final de outubro. Filho de bancário e de uma professora, ele agora tem um filho que mora aqui e trabalha na área agrícola – outra filha, advogada, vive em São Paulo. Aqui, vivem também uma tia e um primo de Beltrame – seu irmão mais velho é médico e mora perto de Santa Maria.

Agora que deixou a Secretaria de Segurança Pública do Rio, Beltrame quer vir com mais frequência a Santa Maria para rever o filho e visitar vários amigos que deixou por aqui. Mas o trabalho de quase 10 anos à frente da Segurança do Rio, um dos Estados mais importantes e violentos do país, permitiu a Beltrame acumular muitas experiências.

Após sair do cargo, em setembro, o santa-mariense recebeu convites para ser secretário em quatro Estados, inclusive no Rio Grande do Sul. Porém, ele pediu aposentadoria como delegado da Polícia Federal no final de outubro porque quer se dedicar mais aos filhos e trabalhar na iniciativa privada. Assim que sair da ativa, fará uma quarentena antes de assumir algum emprego na iniciativa privada, possivelmente em empresas do setor de segurança no Rio ou São Paulo, ou na área de consultoria e formação de policiais.

Agora, ele vai aos EUA, nos dias 17 e 18, para dar uma palestra sobre as UPPs na renomada Universidade de Harvard.

Da sua experiência no combate à criminalidade, ele destaca dois pontos. Um é a sociedade também ajudar a resolver os problemas das periferias, por meio de projetos sociais, já que o poder público não consegue fazer seu papel. O segundo ponto é a falta de políticas públicas destinadas às comunidades pobres. Para ele, a política de segurança primária sequer é falada, principalmente pelos prefeitos, que têm, sim, um papel importante na prevenção da criminalidade.

– Passei um dia com a ministra Cármen Lúcia, do STF, e desta vez saí muito esperançoso. Ela está preocupadíssima com a questão de segurança. Está indo para a rua, envolvida. Talvez em lugares menores a população não tenha essa percepção, mas, em metrópoles, o cenário é muito ruim. Vi nela essa preocupação, e passarei a contribuir com ela – disse Beltrame, em entrevista de uma hora, feita em Santa Maria, durante visita ao filho.

Beltrame falou das sugestões que fez ao secretário Schirmer e de outros temas, como a ação da gangue Bala na Cara aqui. Ele, que recebeu 51 ameaças de morte em 10 anos no Rio, disse que temeu mais pela própria segurança quando trabalhou perto do Paraguai.

Diário – Qual a avaliação sobre sua atuação na Secretaria de Segurança do Rio em quase 10 anos?
José Mariano Beltrame – Segurança pública é um jogo que a gente não vence, a gente mitiga o problema, mas nunca vence. Foram 10 anos de dedicação exclusiva à pasta, acima de qualquer outro interesse pessoal e familiar. Pedi que entendessem minha saída em busca de outros horizontes, são 36 anos de vida pública, então, espero caminhar por outras trilhas. No dia 28, almocei com o secretário de Segurança, Cezar Schirmer, em Porto Alegre. Se eu puder ajudar o Rio Grande do Sul, me propus a isso na minha administração e até com pessoas da minha equipe, porque é obrigação de todos. A segurança está assim porque todo mundo pensou um pouco em si e faltou o espírito coletivo, o que nos levou a esses problemas de muito difícil solução.

Schirmer foi ao Rio para pedir orientações. Que dicas o senhor deu?
Disse ao secretário que há a necessidade de formular um plano. Você tem de ter um plano, e é preciso se ter custo. Foi mais ou menos o que a gente fez no Rio. Assumi lá em 2007 com uma situação muito difícil, não se pagava salário, a criminalidade era muito alta. A gente disse: ¿Olha, o problema é difícil, mas nós temos este plano¿. E um plano tem coisas que não têm custo, coisas que têm custo pequeno e outras com grande custo. E você tem de ir aplicando esse plano de acordo com a possibilidade financeira. Mas é fundamental que a sociedade saiba e veja no administrador que há, nele, a perspectiva. Não adianta dizer só ¿quebrei, não deu certo¿. Você tem de falar ¿há esse problema, mas nós temos ideia de caminhar neste sentido¿. Isso é fundamental. O senhor deu alguma dica mais pontual a Schirmer, de onde agir primeiro ou do que é mais barato?Eu não me arvorei a isso, porque o Rio Grande do Sul tem uma realidade diferente da carioca. Mas para você fazer um plano, precisa de um diagnóstico, medir índices de produtividade e criminais, saber quais os índices de resolução de crimes, de homicídios, como isso é medido, como a polícia produz esse resultado, se é feito através de instituto, ou da polícia. É um diagnóstico para você ter informação suficiente para montar uma estratégia.

O senhor foi convidado por Sartori para ser secretário?
Antes de o Sartori assumir, ele foi no Rio me convidar. Agora (agosto) também me ligaram. O que me fez recusar o pedido do Rio Grande do Sul, assim como de outros três Estados, que vou reservar ao direito de não dizer quais são, é que eu cumpri uma etapa da minha vida. São 36 anos de serviço público, e eu preciso cuidar de mim. Vou fazer 60 anos, tenho filhos. O serviço público brasileiro precisa hoje ser todo reformulado, assim como o sistema de segurança pública precisa ser revisto, assim como o sistema tributário, o previdenciário. Chegamos num ponto que o Brasil deveria aproveitar os efeitos da própria Lava-Jato, e já que estamos com esses problemas, vamos, a partir daí, aprender e começar a fazer as coisas da forma certa. O serviço público tem uma máquina programada lá atrás. A gestão de processos no serviço público é uma verdadeira maluquice. Para você mexer isso, você precisa investir em tecnologia, e tecnologia, os Estados e os países não têm. Mas muitas coisas, os próprios Estados podem formular, as universidades podem ajudar. A gente avançou lá no Rio, mas o Brasil, eu diria que ainda somos subdesenvolvidos. A gente vê que são países (em desenvolvimento) que têm uma burocracia muito pesada, e isso precisa ser revisto. Cito o exemplo da lei de licitação. Nunca me esqueço que quando cheguei no Rio tive de licitar cavalos para a polícia. Você imagina fazer um termo de especificação para comprar 400 cavalos para cavalaria? Altura de lombo, os dentes, o pelo. As instituições precisam ser controladas, mas…

Qual sua avaliação sobre a Operação Lava-Jato?

A Lava-Jato para mim, hoje, é um exemplo para o Brasil. Acho que não podemos perder essa oportunidade de realmente passar esse país a limpo. Mais uma vez, tenho de parabenizar o juiz que fez isso. O Judiciário, ele querendo, pode apenas se deter aos fatos. Mas me parece, eu posso estar enganado, que este juiz, dentro do poder que ele tem, ele foi buscando outros horizontes, outra perspectiva, foi aprofundando aquilo, e a Polícia Federal e o Ministério Público Federal também. Eu acho que tem coisas que, de uma certa forma, devem estar bem sintonizadas. Ele foi levando e vai levar isso a situações que podem virar uma página nacional. Tenho certeza que não há retrocesso e nem vai haver, exatamente porque há o que a gente chama de transparência, que traz credibilidade, e agora todo brasileiro quer que isso chegue às últimas consequências.

Nunca grandes políticos e grandes empresas haviam sido tocados.

Exatamente. Tem um ditado que diz que o parafuso, a gente aperta pela cabeça, exatamente nesse ponto que se chegou. Demorou, demora muito. Eu mesmo, como policial, trabalhei em várias investigações envolvendo instituições e pessoas relativamente importantes, mas nós também, na época, não conseguimos chegar às últimas consequências, como a Lava-Jato pode agora conseguir.O que o senhor acha de quem critica a Lava-Jato dizendo que ela é seletiva ou que cometeria excessos?Onde há o olhar do Poder Judiciário, entenda-se ali Ministério Público e o Judiciário, são instituições esteios no processo democrático, e não há o que se falar. Pode haver algum comportamento um pouco mais exagerado, alguma dose de um ato externo mais exagerado. O que interessa efetivamente é o processo. Eu acho que isso vem sendo muito bem conduzido, de maneira exemplar, e todos nós estamos com uma esperança muito grande de que isso seja um novo horizonte para esse país.

A Lava-Jato reduzirá a corrupção?

Já reduziu, porque as pessoas viram que elas não estão impunes nem acima da lei. Mas também vejo que há necessidade de rever o processo político brasileiro, porque não podemos acusar outros partidos. Mas se isso aconteceu com o partido A, será que não aconteceu com o B, o C, o D? Enfim, será que esse mecanismo não era o mecanismo que imperava na política brasileira? Este é um questionamento que eu faço, mas se isso aconteceu com quem estava no poder e com um partido, será que, antes, isso não era assim, como os demais? Não é uma acusação, mas isso está mostrando que o processo eleitoral se movimenta ou se movimentava dessa forma.

Especialistas em segurança dizem que as UPPs estão fragilizadas. O senhor concorda?
Eu fico apreensivo quando dizem isso e procuro fazer com que as pessoas tenham memória e vejam o que era. Tinha ruas no Rio que os carros não passavam, o próprio prefeito não passava na Rua São Miguel para ir para casa. Hoje, ele passa. No Rio Comprido, sexta e sábado, era baile e tiro que ninguém conseguia dormir, e funcionários nossos tinham se mudado de lá. Então, o que está frágil no processo não é a polícia. É o Estado que fragilizou o processo, que não foi lá. A prefeitura, a sociedade não foram lá. Faço o alerta. Cuidado em colocar a culpa na UPP, porque, na verdade, a UPP intimou o Estado brasileiro a cumprir seu papel lá dentro, e o Estado não cumpriu. Então, agora volta o discurso da retórica antiga dizendo que a UPP não funcionou. Antes o discurso era esse: ¿Eu não vou lá porque eu não posso ir¿. Agora, volta o discurso que ¿eu não posso ir lá porque tá ruim¿.

A UPP está assim porque não aconteceu o que era para acontecer. As polícias cariocas desafiaram todos a fazer daquilo um lugar digno de se morar, de se viver, e a verdade é que isso não aconteceu. Há lugares que você vai encontrar gente armada, mas você vai ver a polícia lá.

Uso um exemplo bem pedagógico: a UPP foi uma anestesia que se deu num paciente que precisava de uma grande cirurgia. O que aconteceu é que essa cirurgia não foi feita ou malfeita, ou feita aos pedaços. O efeito desta anestesia está diminuindo? Tem de dar outra? Não tem problema. Nós mostramos ao Brasil e para o mundo que a gente entra em qualquer lugar lá, seja no Alemão, ou Rocinha. E daí, vamos dar outra anestesia, fazer todo esse esforço e até esse gasto público para que as coisas não aconteçam? Então, eu entendo, e o secretário que ficou lá de fazer essa missão de avaliar as UPPs e a consolidação desse processo. Mas é aquela história. A polícia não é solução do problema. Ela é parte da solução do problema. E esta é a visão sistêmica que tem de se ter do que é segurança. Segurança não é polícia. Dizer que segurança é polícia é uma miopia, porque se isso for assim vamos precisar de verdadeiros exércitos chineses nas ruas do Brasil.

A favela de Heliópolis, em São Paulo, uniu-se para fazer projetos sociais para crianças e jovens, e isso reduziu a criminalidade. Não falta envolvimento tanto do Estado quanto da sociedade em fazer a sua parte?

Claro que está faltando. Sem dúvida. Em relação ao morro do Rio ou em lugares da periferia, a sociedade está muito mais preocupada porque quer desses lugares a empregada doméstica, a faxineira, a babá, mas não quer que aquele lugar efetivamente melhore. Mas ela não se dá conta que, aos poucos, o fiel dessa balança vai se inverter. Nós vamos ficar todos abraçados por esses lugares porque passamos a tratar esses locais como guetos. Essa visão é estratégica (de envolvimento social), ela tem de acontecer. Há muito tempo, eu li um artigo da ONU que é uma lógica que todo mundo sabe, se fala, mas ninguém vai para a prática. Nós, no país, vivemos uma crise de fazer. Nós não temos fazedores nesse país. Nós temos muita gente que conversa, que dá a solução, mas não temos as pessoas que vão fazer. Quanto mais cidadania você der para uma população, menos polícia você precisa.

Uma vez fui a Berlim para visitar o projeto de segurança da Copa de 2006. Saímos caminhando à noite. E um secretário que foi junto disse que sentiu deficiência no policiamento, já que não via policiais nem viaturas. Eu cheguei no ouvido dele e disse: ¿E você acha que precisa?¿. Berlim é tranquila porque a polícia é boa ou porque a sociedade é boa? É óbvio que é porque a sociedade é boa, e isso vale para qualquer lugar. Há a necessidade de se desenvolver a sociedade como um todo.

Santa Maria já tem locais onde entregadores não entram. Como a sociedade pode agir para evitar que cidades médias e pequenas tenham agravamento da criminalidade, já que o poder público não vai dar conta?
Isso é outra coisa que as pessoas precisam se convencer. Na minha visão, o poder público brasileiro perdeu a capacidade de atender a população. Essa história de dizer que vai dar saúde de qualidade, vai fazer educação, transporte, assistência social, isso não vai acontecer. No geral, fazendo uma análise nacional, o poder público perdeu essa capacidade. Eu sei que tem essa visão ideológica, de que o Estado é responsável por tudo, mas hoje o Estado não tem mais condições de assumir.

Beltrame defende mais políticas sociais e de Estado nas áreas pobres, assim como a participação da sociedade nesses locaisFoto: Germano Rorato / Agencia RBS

Todo mundo me pergunta isso e dou exemplo. Conheci uma senhora da Guatemala, chamada Fiorela, que tocava violoncelo no Theatro Municipal. Um sábado, ela subiu o morro para dar aula às crianças, em 2008. Ela ficou uns cinco sábados sem nenhum aluno. Hoje, ela tem mais de 800 crianças que tocam violoncelo, cinco já estão em orquestras internacionais, outros estão fazendo aula de música, e ela atende a 10 comunidades do Rio, de facções diferentes, que antes não podiam se ver, e hoje tocam violino e violoncelo juntos. É um exemplo pequeno, que tem validade imensa. Eu vou nas comunidades até hoje. Tem um jogo de futebol, eu vou. Procuro movimentar e dar luz para isso. A solução é as pessoas fazerem assim: coloca um tênis e vai lá na periferia num final de semana ver que tipo de coisa pode ser feita.

Nas cidades médias, é melhor agir agora antes que a violência se agrave?

Se isso não for feito agora, a tendência é que a violência só se agrave. É mais fácil agir agora, não tenha dúvida. Onde eu vou no Brasil, as pessoas me perguntam o que eu fiz no Rio que poderia dar certo nessa cidade. Eu digo que é preciso não deixar que essa cidade vire o que virou o Rio, e não perguntar os projetos que fizemos lá. Precisamos muito de segurança primária, que é obrigação do município, e tem muito prefeito que não sabe o que é isso. É cuidar da juventude, da assistência social, das famílias que estão nesses locais. Segurança pública é algo que começa nas fronteiras, passa pelo município, pela polícia, pelo poder judiciário e termina no sistema penitenciário. E existe uma negligência nessa etapa, que vai ser muito difícil de se resolver. Há que se investir muito na questão da cidadania.

Com pais trabalhando quase o dia inteiro, falta referência às crianças? Isso contribuiu na alta da violência?

Sem dúvida. Isso é segurança primária. Eu não sabia, mas existe uma lei, que quando uma criança falta três dias de aula, o colégio deve procurar os pais. Eu não sei se isso efetivamente acontece. Entendo que educação, quem educa, é quem cria. A escola também entra em um segundo momento com uma contribuição muito importante. A minha preocupação como pai é passar para o filho senso de responsabilidade.

A polícia reclama do prende e solta. Falta uma reforma do Código Penal?

Se o juiz quiser, ele tem condições, dentro do seu poder jurisdicional, de tomar decisões, sendo elas justificadas, ele pode agir. Se há a questão legal, se quiserem se ater só à lei, então que se mude a lei. Tem propostas minhas no Congresso. Tem que se rever a questão do regime de progressão de pena. Uma pessoa que tem uma metralhadora .30, isso para mim é crime hediondo. O que uma pessoa com metralhadora .30 vai fazer na rua? Conseguimos aprovar uma lei para agravamento de pena para quem dá tiro em policial. As leis hoje perderam o seu caráter exemplar. As pessoas não têm medo do Judiciário. Não do Judiciário em si, da lei. Uma pessoa que comete um crime, tem que acontecer algo com ela para ela raciocinar e pensar que realmente não vale a pena.

Hoje, a lei é semelhante para o criminoso contumaz e para o réu primário. Não deveria haver diferenciação?

Claro, lógico. A lei é muito boa, se você analisá-la, mas ela é totalmente descolada da realidade. Hoje, o mundo dos fatos está desconectado do que diz a lei. Temos uma lei de primeiro mundo para uma sociedade que não é do primeiro mundo. Temos uma lei da Dinamarca para um povo que não é dinamarquês. Viveu-se, lá em 1988, uma ressaca democrática, se abriu, até porque todos os constituintes eram, à época, revolucionários, então o que eles não queriam era polícia e controle. Mas agora, depois de 30 anos, há necessidade de se rever isso, fechar um pouco, para avançarmos.

O senhor diz que a política de descriminalização das drogas não deu certo. Por quê?

Porque não há a continuidade dessas questões. Em Portugal, que fui ver, tem o processo de descriminalização das drogas. Lá, que é bem pequeno, tem 90 clínicas de recuperação, com juízes, psicólogos, assistentes sociais que vão atrás da família. Hoje, com 90 clínicas, acho que não atende Copacabana. A luta contra a droga é irracional. Mas vejo que liberar e descriminalizar, também não está organizado. O que o Brasil precisa é se decidir nisso. Porque se quer se combater, está se combatendo muito mal. As fronteiras brasileiras continuam um queijo suíço. E se quer outra medida, de descriminalizar, de liberar, também precisa se organizar. O meu medo é que as pessoas levantem uma plaquinha na frente do Congresso, dizendo sim ao aborto, sim à maconha, tudo bem, estamos em uma democracia. Mas a pergunta tem de ser ao contrário: se nós fôssemos descriminalizar, como seria? O que a sociedade ganha descriminalizando e o que ganha proibindo?

Você está cheio de leis que um deputado aprova, mas, depois, aquilo não é regulamentado, não acontece. Não é só o liberar. É como fazer. A Califórnia fez isso, mas tem toda uma estrutura. Mas como fazer isso no Brasil, que tem uma dimensão continental?

 A gangue dos Bala na Cara chegou a Santa Maria. O que pode ser feito para a situação não se agravar?

Fico triste de ouvir que aqui em Santa Maria já tem facção de uma certa forma semiorganizada. Lá no Rio, procurei fazer o seguinte. Temos de ter grupos de inteligência policial identificando esses responsáveis. Na medida em que prender essas pessoas, tem de mandar para presídio federal. Tem que tirar ele aqui de Santa Maria e mandá-lo lá para Mossoró, no Ceará, para que você recupere a questão exemplar. ¿Não, mas eu sou lá de Santa Maria¿. Você é de lá, mas é de uma facção que tem uma ideologia de banalização à vida, cujo nome é Bala na Cara. Então você vai sair de Santa Maria e vai parar em Mossoró, ou lá em Rondônia, em um presídio federal. Há efeitos colaterais e exemplares que isso traz.

Agora, não significa que não tenha logo um substituto. Mas a pessoa já vai estar sabendo que ela não será tratada aqui em Santa Maria, no presídio A ou B. Lá no Rio, mandei quase 100 pessoas, as lideranças todas que pegamos, para presídios federais. Sou o maior cliente do departamento penitenciário federal. A nossa inteligência nos diz que eles fogem como o diabo da cruz de sair do presídio onde eles estão, porque os nossos presídios, hoje, são um grande congresso de bandido. Eles têm verdadeiro pavor de sair do Central, do Bangu. Peguei aviões da FAB, lá no aeroporto de Galeão, mandava um para Catanduva, outro para Campo Grande, um para Mossoró e outro lá para Rondônia. Estão lá até hoje. ¿Ah, mas não podem ficar lá porque tem a lei¿. Eu sei que tem a lei, mas eu garanto que a sociedade, que faz as leis, não quer esses caras aqui.

Qual sua avaliação sobre a crise financeira atual de União, Estados e municípios?

Hoje, garanto para vocês, que o instituto concurso público, não vai ter mais. O Estado brasileiro não tem mais como contratar. Com a crise financeira, o poder público como um todo não vai conseguir dar saúde, educação, transporte. Não adianta se enganar. O Rio está querendo redução dos salários do funcionalismo em 20%. E o futuro é o seguinte: eu sei que vou me aposentar e daqui a pouco vão bater nas minhas costas e dizer: ¿Ah, você vai perder 20%, 30% da tua aposentadoria.¿ Ah, mas e o direito adquirido? A figura do direito adquirido vai acabar caindo aqui no Brasil como aconteceu na Grécia e em Portugal.

Eu não sei o rombo. Acho que tem de ter teto para gastar naquilo que não atende a população. Aquilo que atende a população não tem de ter teto. O rombo da Previdência do Rio é de R$ 42 bilhões. Então, como vai fazer concurso público? Devendo R$ 42 bilhões, se você fizer concurso público é inclusive uma improbidade. Mas há necessidade de ter médico. Então, se chegou nesse ponto, e daí, acho que tem de ter uma borracha. Se você faz com x pessoas, você vai ter de fazer com x menos 1, x menos 2.¿