SUL21: Servidores detalham drama de não receber 13º e ter empréstimo debitado pelo Banrisul

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Luís Eduardo Gomes

Na manhã desta terça-feira (20), uma professora aposentada tentou atear fogo ao próprio corpo dentro de uma agência bancária no centro de Pelotas. Segundo testemunhas, a ação foi motivada pelo fato de ela ter descoberto que não recebera o 13º salário, que por lei deveria ser pago na data pelo governo do Estado. A história foi contada pelo jornal Diário Popular e retrata um caso extremo da realidade compartilhada por dezenas de milhares de servidores estaduais, inclusive a de muitos que estão participando das mobilizações dos últimos dias na Praça da Matriz.

O grande problema para muitos trabalhadores estaduais é que já contraíram empréstimos, especialmente junto ao Banrisul, para adiantar até 60% do 13º, com previsão de quitação do débito neste dia 20. No ano passado, o governo também sem verbas para pagar em dia, autorizou a criação de uma linha de crédito especial em que os valores dos juros ficaram a cargo do Executivo. Isso foi possível, porém, porque havia uma previsão de venda da folha de pagamento dos servidores do Estado ao próprio Banrisul, posteriormente confirmada, por cerca de R$ 1,2 bilhão. Neste ano, não há nenhuma linha especial e qualquer empréstimo que os servidores tirem no valor do 13º e de responsabilidade deles próprios.

De acordo com a Secretaria da Fazenda, a previsão é que o governo consiga depositar até o dia 30 deste mês apenas metade do 13º salário dos servidores. A outra metade seria paga em algum momento do ano que vem até o dia 30 de novembro. Esse prognóstico, porém, depende da aprovação de dois projetos do pacote de ajuste fiscal do governo Sartori que permitem mudar o calendário de pagamentos do 13º e também do salário mensal dos servidores. Caso não passem, o governo admite que não há previsão para o tema. Pela lei atual, o Estado é obrigado a pagar a integralidade do 13º salário no dia 20 de dezembro – o que já não aconteceu.

Professora Margarida Meirelles deve mais que o dobro do que recebe para o Banrisul | Foto: Luís Eduardo Gomes/Sul21
Professora Margarida Meirelles deve mais que o dobro do que recebe para o Banrisul | Foto: Luís Eduardo Gomes/Sul21

Dívidas para pagar dívidas

Professora do Colégio Almirante Barroso, na Ilha da Pintada, em Porto Alegre, Margarida Meirelles conta que precisou, ainda em dezembro de 2015, adiantar 60% de seu 13º de 2016. Ela não recebeu do Estado nesta terça, mas isso não impediu o Banrisul de debitar toda sua dívida, que por causa dos juros equivale a quase um salário inteiro, no mesmo dia. Somando outras dívidas, ela atualmente está com mais de R$ 5 mil no negativo. Com o nome no SPC e no Serasa, conta de luz atrasada e tendo tirado outro empréstimo junto a uma terceira instituição para não ficar devendo o aluguel, ao procurar o banco, foi orientada a contrair mais uma linha de crédito para pagar as dívidas existentes, desta vez em 96 vezes.

Como chegou nessa situação? “Nós, professores, estamos com o salário defasado. Não tivemos aumento na data-base, nem sequer a inflação. A gente não tem a inflação há dois anos, aí nos obrigamos, pela necessidade, a pegar empréstimo para manter as contas em dia”, afirma Margarida, que mora com a mãe, de 99 anos, e também aposentada, com a filha, desempregada e que precisou trancar a faculdade de Educação Física por falta de condições financeiras, e duas netas.

De empréstimo em empréstimo também tem vivido o sargento Pedro Lino, da Patrulha Escolar da Brigada Militar de Triunfo. “A gente vive de empréstimo. Não tem mais dinheiro limpo. Paga um empréstimo e tira outro. Às vezes, nem paga e tira outro”, relata.

O mais recente empréstimo ele fez na terça-feira, justamente em razão de o Banrisul ter debitado em sua conta o valor referente ao adiantamento do 13º. “Para solucionar o meu problema, eu tive que pegar um empréstimo de R$ 7 mil. Paguei R$ 5,3 mil que devia do 13º antecipado e agora vou ficar aguardando o homem [Sartori] pagar a metade até o dia 30”, conta Pedro Lino.

Sargento Pedro Lino diz que vive de empréstimo em empréstimo | Foto: Luís Eduardo Gomes/Sul21
Sargento Pedro Lino diz que vive de empréstimo em empréstimo | Foto: Luís Eduardo Gomes/Sul21

O sargento, que entrou para a reserva em 2008, mas voltou ao trabalho já no ano seguinte, diz que está nessa situação também porque tem dois filhos desempregados. “Os meus empréstimos são todos para ajudar meus filhos e minha neta. Dou R$ 1 mil para um, R$ 1 mil para outro, para não passar fome”, diz. “Se não são os empréstimos, eu estava devendo para todo o comércio. Graças a Deus, no comércio eu não estou devendo. Só no Banrisul, que já me levou mais de R$ 100 mil de tanto empréstimo que eu estou tirando. Não aguento mais”.

Para pagar o mais recente empréstimo, o Banrisul ofereceu uma condição especial: 24 parcelas, com 1,45% de juro ao mês, o que significa que cerca de 10% do seu salário vai direto para o banco pelos próximos dois anos, pelo menos enquanto o 13º real não vem e lhe ajuda a abater a nova dívida.

O adiantamento do 13º é uma linha de crédito comum oferecida pelos bancos aos trabalhadores, não só do sistema público. No Banrisul, a linha Crédito Pessoal Banrisul – CPB Antecipação do 13º Salário é oferecida há mais de 10 anos. Questionado pela reportagem, o banco afirma que o débito foi realizado nesta terça-feira por força contratual e que não há nenhuma relação entre o pagamento do 13º salário por parte do governo e o desconto da dívida dos servidores, uma vez que são contratos de natureza privada entre cliente e instituição, ainda que esta pertença 51% ao Estado do Rio Grande do Sul. A Fazenda também afirma que esta questão não tem relação com o governo, pois é estabelecida entre banco e cliente.

Sem presente de Natal

Além de mais uma dívida, o não pagamento do 13º e o desconto do Banrisul também significam, para alguns servidores, a impossibilidade de comprar presentes de Natal. É o caso de uma agente penitenciária de Charqueadas, que não quis se identificar. “A minha filha quer um presente de Natal que eu tinha prometido e não tenho como comprar porque o meu cartão foi bloqueado. Essa é a situação real”, relata. “A minha conta está cortada e eu não consigo nem comprar comida, porque o meu Banricompras está trancado. Eu tenho dois filhos, só não vou passar fome porque tenho familiares que não são servidores públicos e que vão me ajudar”, continua.

Agente da Susepe não quis se identificar, mas relatou as dificuldades que enfrenta | Foto: Luís Eduardo Gomes/Sul21
Agente da Susepe não quis se identificar, mas relatou as dificuldades que enfrenta | Foto: Luís Eduardo Gomes/Sul21

A agente afirma que precisou recorrer ao adiantamento no meio do ano porque não conseguia mais ficar em dia com suas contas em razão dos seguidos parcelamento de salários. “Eu acabei atrasando os meus cartões. Aí foi acumulando dívidas e juros e eu não conseguia pagar. Eu pago o financiamento da minha casa também, que vence no dia 28, mas eu recebia a integralidade do meu salário só no dia 15, 16 do mês seguinte, então não conseguia pagar. No outro mês vinha o juro da prestação da casa e o juro do cartão. Eu tive que antecipar o meu décimo para poder pagar. Agora debitou e estou com a conta cortada”, conta.

Ela ainda relata que uma colega, que também fez o adiantamento, fazia compras natalinas em Charqueadas, cidade onde trabalham, mas, na hora de pagar, não conseguiu porque seu limite tinha sido zerado quando o Banrisul debitou o empréstimo. “Ela começou a chorar. Ela não sabia, porque a gente nunca sabe quando vai receber o salário da gente. É muito triste”.

A situação da categoria sequer passa despercebida pelos detentos da penitenciária de Charqueadas. “Eu não tenho condição psicológica nenhuma de enfrentar uma galeria de presos tirando sarro da minha cara. Eles ficam se arriando na gente, porque estamos passando fome. Eles ficam dizendo: ‘E aí, não tem o que comer? Quer um apoio?’ É um absurdo o ponto que a gente chegou”.

Apoio jurídico

Presidente da Federação Sindical dos Servidores Públicos do Estado do RS (Fessergs), Sérgio Arnoud, diz que situações com as relatadas são muito comuns e que histórias de pessoas e famílias desesperadas têm chegado aos montes aos sindicatos de servidores.

“São relatos desesperadores de pessoas que vão no banco chorando porque fizeram o adiantamento do 13º salário de R$ 2 mil, 3 R$ mil e estão devendo R$ 5 mil, R$ 10 mil, porque o banco simplesmente lançou o débito e agora é juro sobre juro”, diz. “É uma situação extremamente grave. É uma irresponsabilidade do governo, que está mexendo com mais de 50 mil servidores, sem falar nos seus familiares”, complementa.

Citando números fornecidos pelo próprio Banrisul, ele diz que cerca de 48 mil, de aproximadamente 350 mil servidores – entre ativos, inativos e pensionistas -, estão em situação semelhante após terem recorrido a adiantamentos. Ele critica, porém, o fato de que o Banrisul estaria se aproveitando da situação para oferecer novos empréstimos aos servidores, como o adiantamento do 13º de 2017.

“Os bancos assediam muito. Oferecem esse crédito fácil, que seria teoricamente com um juro mais barato, para que as pessoas quitem com o 13º. Só que aqui não está sendo pago o 13º e as pessoas já estão com suas economias combalidas porque o parcelamento determina uma perda de poder aquisitivo. Quem tem que pagar o aluguel e outras contas até o dia 5, e vai receber só no dia 15, vai ter que pagar tudo isso com multas e juros. Então, o salário fica reduzido e as pessoas entram em desespero e recorrem a empréstimos”, avalia.

Para tentar apoiar os servidores que estão nessa situação, ele diz que a Fessergs está colocando sua assessoria jurídica à disposição de quem deseja entrar com ações contra o governo para exigir o pagamento do 13º salário em dia e também indenização por danos morais em função do constrangimento pelo têm passado.