SUL21: ‘Reacionários que defendem execução sumária nos presídios estão no poder’

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“Existem responsabilidades do Estado, dos programas sensacionalistas de TV, da lógica de encarceramento sem limite”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Eduardo Maretti

Da RBA

Diante da crise do sistema carcerário brasileiro, a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) propõe algumas ações para, pelo menos, amenizar as responsabilidades do Estado diante do que chama de “falência no cumprimento da lei pelo próprio Estado”.

“Estrangular” a renda do crime organizado, para impedir que o dinheiro oriundo da ilegalidade “compre parte dos agentes públicos”, é uma dessas ações. Outra é proteger o direito dos presos provisórios de terem julgamento, além de impedir que acusados de delitos leves compartilhem o mesmo ambiente de membros de facções. “Cerca de 40% dos presos no Brasil, inclusive a maioria dos assassinados nesses episódios de barbárie, eram presos esperando julgamento, foram acusados mas não puderam se defender.”

Essas e outras medidas se tornaram muito difíceis no atual ambiente político em que um secretário Nacional da Juventude (Bruno Júlio) declarou, sobre as chacinas nos presídios: “Tinha era que matar mais. Tinha que fazer uma chacina por semana”. No início do mês ele perdeu o cargo pela declaração.

“A novidade negativa é que neste momento a posição reacionária que defende a execução sumária das pessoas que estão ali dentro, mesmo sem terem sido julgadas e condenadas, estão hoje investidos do poder de serem governo do Brasil por esse golpe”, diz à RBA a então ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos do primeiro mandato de Dilma Rousseff.

RBA – Hoje (24) houve novos episódios no Rio Grande do Norte e em Bauru (SP). Como vê a atual situação de crise nos presídios?

Maria do Rosário – O sistema prisional brasileiro está falido. Retrata a falência de uma série de políticas públicas. Retrata a falência no cumprimento da lei pelo próprio Estado. O Estado não cumpre a Lei de Execuções Penais.

RBA – O que deveria fazer para cumprir?

Maria do Rosário – Tratando a pena estabelecida para cada indivíduo como um processo de ressocialização. O que existe ao longo dos anos e chegou a um nível insuportável nos dias atuais, sob o comando das facções criminosas e a leniência do poder público, é fruto de uma completa desatenção ao cumprimento de princípios básicos previstos na Constituição Federal e na Lei de Execuções Penais, além das regras internacionais de direitos humanos das quais o Brasil é signatário. Existem responsabilidades do Estado, dos programas sensacionalistas de TV, da lógica de encarceramento sem limite, da mistura de presos primários com membros de facções. Toda vez que tivemos episódios graves nos colocamos a missão de buscar resultados, mas esses resultados no Parlamento e na sociedade sempre são de encarcerar mais pessoas. Há um populismo penal em curso no Brasil.

RBA – O que acha da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP), criada pelo governo ontem (24)?

Maria do Rosário – A primeira coisa é que a medida mais efetiva é a proposta pelo Colégio Nacional de Defensores Públicos-Gerais (Condege), que propõe o enfrentamento da questão dos presos que estão em situação provisória. Cerca de 40% dos presos no Brasil, inclusive a maioria dos assassinados nesses episódios de barbárie, eram presos esperando julgamento, foram acusados mas não puderam se defender.

RBA – O que deveria ser feito no caso dessas pessoas?

Maria do Rosário – Esses presos já têm direito de estar diante de um juiz, serem julgados, condenados e ficarem na cadeia, ou inocentados, e serem liberados. Esse direito está sendo violado. Toda pessoa tem direito de ser julgada e ter um advogado de defesa. Eles não têm tido, ficam esquecidos ali dentro.

Eu proporia algumas medidas: cumprir a Lei de Execuções Penais. Impedir os traficantes de agirem e terem muito dinheiro, estrangulando a força econômica e armada do tráfico, seguir o dinheiro do tráfico, a lavagem de dinheiro, porque com esse dinheiro eles compram uma parte dos agentes públicos que aderem ao crime, não só policiais mas também juízes e promotores. Impedir que presos primários entrem em presídios superlotados e fiquem reféns dos setores mais violentos. E em vez revogar o Estatuto do Desarmamento, como querem aqui, ampliar o processo de desarmamento.

RBA – O Chico Alencar observou que é muito grave o fato de talvez a maioria da sociedade apoiar que haja morte de presos, “quanto mais mortos melhor”…

Maria do Rosário – Tem setores sociais que pensam assim, apresentadores de programas sensacionalistas que comemoram as mortes nos presídios e há integrantes do governo, que postam isso nas redes sociais, como aquele que foi demitido, o secretário da Juventude (Bruno Júlio).

RBA – Ironicamente, secretário nacional da Juventude...

Maria do Rosário – Exatamente. A novidade negativa é que neste momento a posição reacionária que defende a execução sumária das pessoas que estão ali dentro, mesmo sem terem sido julgadas e condenadas, esses reacionários hoje estão investidos do poder de serem governo do Brasil por esse golpe.

O Estado no Brasil – o Judiciário, o Ministério Público, o Poder Executivo – está contribuindo para a formação desse exército de criminosos perversos, quando coloca dentro do presídio uma pessoa que cometeu algo de pouco potencial ofensivo no mesmo lugar. Essa pessoa tem que aderir, para sobreviver, ao PCC, a Família do Norte, ao Comando Vermelho, a este exército do crime, um Estado paralelo no Brasil.  Quando saem dessas cadeias, estão comprometidos, porque assumiram esse compromisso para sobreviver lá dentro.

A Polícia Federal, ao longo dos últimos anos – e o próprio MPF – faz um trabalho excepcional em várias áreas, mas ficou focada na tarefa de uma polícia no ambiente político, e não fez mais as fronteiras, o tráfico de armas, de drogas. Precisa intensificar isso. Esses chefes do tráfico precisam não apenas ser presos, mas ser colocados em uma condição em que não tenham condições de chefiar de dentro das cadeias.