Oscar Bessi: Por que existem policiais

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Por Oscar Bessi

Qualquer lembrança que vier desses profissionais traz a tendência teimosa de escorregar por uma curva negativa. Vamos nos lembrar da polícia e não pensaremos em nada alegre, talvez surja até algum grito de indignação. A presença incomoda. Corta embalo, adverte, baixa o som, suspende o trânsito, multa, prende. E o mundo cai. E a ausência gera uma hecatombe de medo, insegurança, reclamações, pedidos para que estivessem ali, ou fossem bem mais e ficassem pelo menos por perto. Que, sem eles, o mundo também cai. Se agirem, é crítica certa. Se se omitirem, é crime. Então é de se pensar no que leva parte de nossos jovens, ainda, a escolher esta profissão. Em dias turbulentos, onde a humanidade pulsa inquietudes despida de qualquer lógica, como um enxame de motos histéricas do globo da morte. Onde a cruz e a espada se confundem, difusas, no que deveria ser apenas o sonho de servir à justiça dos homens, à paz, à cidadania. A resposta é simples. Altruísmo. Há uma boa parcela da humanidade assim. E ela segue entre nós, todos os dias, invisível, sem gritar por bandeiras partidárias, sem se oferecer a fanáticos e outros. Apenas faz a sua parte. E a parte dos que se omitem.

E naquele show do seu cantor predileto, onde milhares de pessoas se amontoavam, você vai se lembrar do beijo inesquecível, apaixonado, que trocou com seu amor. Mas havia alguém, logo ali, disposto a tudo, a oferecer o corpo e a alma para que você pudesse viver aquele momento. Era um policial. E quando seu time do coração venceu o campeonato, talvez até de um jeito improvável, e você vibrou com as defesas espetaculares e os gols de placa, havia alguém ali perto pronto para que sua alegria não fosse afetada pela raiva da torcida adversária. E se nada aconteceu, em nenhum desses lugares ou em tantos outros, e você agradeceu a Deus por chegar em casa são e salvo e não passado por nada de ruim, você certamente nem se lembrou desses homens e mulheres que estavam ali, longe de suas famílias, sem se divertir nem um pouco, mas prontos para intervir se qualquer descontrole ameaçasse a sua festa.

E às vezes ele surge ao teu lado apenas para te dar a mão. Para te lembrar que qualquer diferença é natural, qualquer discordância é normal entre seres humanos, então partir para a violência, contra pessoas ou prédios ou coisas não tem qualquer sentido, não é civilizado. Ele surge ao teu lado para te lembrar de que a tua mulher merece respeito. Que o idoso, as crianças, as diferentes cores de pele, todos merecem respeito. Que tua alta velocidade nas ruas ou estradas pode parecer uma aventura, mas coloca em risco a vida de muitos outros. Quando você esquece que o mundo não é só seu, ele, o policial, surge para te lembrar de que somos muitos, que merecemos os mesmos espaços, as mesmas chances. Ele só vem te dizer que a paz depende de educação, consciência e respeito ao próximo. E que todos, sem exceção, merecemos tudo isto.

  • Foto: Sombra de um policial que guarda a entrada do Tribunal da Província de Shandong é refletida no asfalto em Jinan, província de Shandong, na China Aly Song/Reuters.
  • CORREIO DO POVO