ZERO HORA: “É só questão de o Estado criar condições para a Brigada Militar sair das cadeias”, diz comandante-geral

Comandante-geral, coronel Andreis Dal’Lago, concedeu entrevista no QG da Brigada Militar, na Capital, nesta terça-feira
Foto: André Feltes / Especial

Coronel Andreis Dal’Lago diz que após alerta de órgãos de controle as transferências de papel foram suspensas em 2015, reduzindo o número de PMs disponíveis, e que, sem diária ou gratificação, faltaria efetivo

Por: Carlos Ismael Moreira

O coronel Andreis Silvio Dal’Lago, 54 anos, comandante-geral da Brigada Militar, recebeu o Grupo de Investigação da RBS (GDI) no Quartel-General da corporação ontem. O oficial afirmou que a atuação de PMs em cadeias gaúchas _ que se arrasta por 22 anos _ está no “limite”. E reforçou o discurso de quando tomou posse em 25 de janeiro deste ano afirmando, diante do governador José Ivo Sartori, que a “defasagem histórica do potencial humano não é motivo para nos abatermos e, sim, momento de desafio para todos, seja dos agentes políticos e sobretudo daqueles detentores do cargo e função pública”. 

A conversa ocorreu um dia após reportagem mostrar que o gasto do governo em diárias para os PMs que trabalham nos presídios consumiu R$ 82,2 milhões entre 2011 e 2016, além de comprovar como o benefício, que deveria ser eventual, se tornou permanente. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

A Brigada reconhece que o pagamento das diárias para os PMs nos presídios virou incremento salarial?
O efetivo precisava vir de algum lugar do Estado. Por exemplo, não posso tirar aqui de Porto Alegre 300 homens. Imagine como iria ficar a questão da criminalidade? Vindo gente do Interior, obviamente é preciso haver ressarcimento. Havia e há necessidade de um treinamento. Portanto, para essas pessoas se deslocarem do Interior, a legislação prevê o pagamento de valor para atender suas despesas, no caso, a diária. Isso, desde aquele período de 1995 até hoje, assim é feito. O ordenador de despesas dessas diárias é a Susepe (Superintendência dos Serviços Penitenciários). Nós apenas alocamos as pessoas, que passam à disposição da força-tarefa em tempo integral e ali desenvolvem a sua atividade, desde 1995 até hoje, no mesmo ritmo.

O Ministério Público de Contas entende que esse pagamento ininterrupto desvirtua o instituto da diária. Se o senhor tivesse de definir essa situação em uma palavra, seria ilegal, irregular ou correta?

O policial que sai do interior do Estado e vem para a Capital ou vai para Charqueadas exercer a atividade tem direito a uma compensação remuneratória pelas despesas que ele efetua. Primeiro. Segundo, a motivação da força-tarefa, de 1995 até hoje, continua a mesma. Imagine hoje a Brigada Militar sair do Central, o que eu gostaria muito, tanto que temos uma PEC (proposta de emenda à Constituição) na Assembleia que o governador Sartori encaminhou. Também tem um concurso em andamento para a Susepe, porque para nós sairmos tem de empoderar o órgão responsável. E nós queremos sair de dentro e da guarda externa, o que daria 1,5 mil homens para colocar no policiamento ostensivo, só que a guarda-externa é missão exclusiva da BM, o que nós queremos tirar da Constituição para que a própria Susepe ou outro órgão treine alguém para ficar nos muros.

Mas do ponto de vista legal, o senhor reconhece que a prática é irregular?
Isso é o Tribunal de Contas do Estado que tem de responder. O policial tem direito a receber a diária, a legislação é clara. O que o comandante da BM faz ao trazer um policial do Interior e colocar aqui em Porto Alegre ou Charquedas? Cumpre a lei, ele tem direito à diária. A Susepe, que é ordenadora, faz o pagamento. Nesse aspecto de ser continuado ou não, quem deve responder é quem ordena a despesa. Se a Susepe não pagar a diária, o policial militar vai dizer “só um pouquinho, quero voltar”, porque tem direito a receber. Se é legal ou não, é com o Tribunal de Contas e com quem ordena a despesa.

O levantamento da reportagem também identificou transferências de servidores que trabalham na Capital para cidades do Interior, realizadas apenas no papel, de forma a justificar o pagamento das diárias. Nesse caso, não há uma irregularidade clara?
O que tem é a necessidade do completamento do efetivo. Hoje, temos um problema sério, poucos policiais são voluntários para ir para o presídio. Por orientação do Tribunal de Contas, esse tipo de transferência desde 2015 não foi mais feito. E no momento que isso não foi mais feito pela corporação, para atender ao interesse público de ter alguém na força-tarefa, ficamos na situação de não ter mais ninguém para mandar para lá. Aí sugerimos a criação dessa gratificação prisional, que não depende de nenhuma movimentação, deslocamentos. Nós fomos chamados a resolver um problema do Estado. Se o PM ganha diária, ela é legítima e legal. “Ah, mas não devia ser todo esse tempo”. Mas não é problema da corporação. Por mim, tiro hoje o efetivo que tenho lá. No início de 2015 dissemos: olha, secretário, precisamos criar uma vantagem que atenda à demanda dos policiais que vêm para cá e não necessite de movimento. Por isso, surgiu a gratificação. E até implementarmos essa vantagem, é um dos motivos pelo qual a Brigada Militar nos presídios está no limite.

E o que falta para implementar?
É uma questão que está entre a Cage (Contadoria e Auditoria-Geral do Estado) da secretaria, PGE (Procuradoria-Geral do Estado), Secretaria (SSP) e Susepe. De fato, não saberia dizer os detalhes.

Não sabe dizer quando começa a ser paga?
Gostaria que fosse o mais rápido possível. Inclusive estou com transferências congeladas aguardando essa nova forma de pagamento.

A gratificação não irá se converter em mecanismo para estender a permanência da BM nos presídios ao regularizar o pagamento da vantagem?
Espero que não. Pensamos nisso. Vai se criar algo, legalizar uma vantagem de uma força-tarefa que não é da rotina, da regra do Estado. Mas, como disse, primeiro: temos de atender as orientações dos órgãos. Segundo: o próprio governador e o secretário Schirmer atenderam ao nosso pedido de se iniciar um movimento no Estado empoderando a Susepe para, aos poucos, ir passando para ela (a direção dos presídios). Essa semana mesmo conversei com a superintendente Marli Ane Stock, e ela tem o maior interesse em assumir. Então, penso que esse pagamento não vai ter nenhuma interferência. Todo mundo quer (a saída da BM dos presídios). A Brigada quer, a Susepe quer e o governo do Estado querem. O PM é muito caro à sociedade para estar nessa função, que é de interesse público, mas não é função nossa. É apenas questão de o Estado criar condições de fazer a passagem da Brigada para a Susepe de forma adequada, sem risco. Lembre o que aconteceu agora no início do ano no norte e nordeste (chacinas com centenas de mortes e decaptações em presídios). O momento não é de fazer mudanças nas duas maiores casas prisionais de forma irresponsável.