Oscar Bessi: Fogo amigo

857

Quando os homens vão para a guerra, eles levam raras certezas. E, definitivamente, não está entre elas a de que retornarão vivos. Que voltarão aos seus filhos, aos seus amores, aos seus sonhos arejados pela essência dos dias normais. Quando os homens rumam ao front, não é por fazer questão de ir até lá. No fundo, somos todos meros depósitos infinitos de amor, somos busca de prazeres diversos, inocentes ou impuros, somos caçadores de qualquer conforto, não de ódios ou sofrimentos. Mas os homens vão ao combate. Precisam ir. E eles têm passos decididos, eles se vestem da rara coragem dos que optam pela luta, pelo confronto, eis que é deles, e só deles, a missão árdua de manter viva a esperança de crer numa utópica paz futura. Deles depende a sobrevivência de um coletivo de sonhos bons.

O medo? Este fica ali, guardado nalgum canto da alma. Receoso, ele não quer surgir de repente e atrapalhar os gestos, os fatos, os destinos. Mas está ali. Como a saudade e um querer. Os combatentes dominam seu medo, apenas isto, é o seu treino. Porque seguem sendo humanos. E nós, humanos, somos feitos de medos e coragens, de erros e acertos, de passos firmes ou não na estrada da dúvida. Passos que precisam prosseguir. Ainda mais quando são os passos na trilha da guerra. No Brasil, infelizmente, vivemos uma guerra de combates diários, onde policiais, civis e militares, onde cidadãos trabalhadores e estudantes tombam vítimas de um exército implacável de criminosos. Que, bem armados, bem articulados e bem relacionados, não têm qualquer escrúpulo em transformar qualquer lugar pacato num infernal campo de batalha.

O ataque a dois bancos ocorrido esta semana, em Putinga, teve o pior desfecho possível. Uma noite de mil tragédias. Dois policiais, um civil e um militar, num inesperado confronto. Vítimas de ter contra si a incógnita localização de bandidos bem armados e inescrupulosos, o breu, a umidade, a geografia desfavorável, a tensão, o cansaço e o elenco escandaloso de desvantagens que a legislação brasileira oferece, como se adepta fosse de sacrifícios humanos, aos policiais e cidadãos comuns, vítimas desses criminosos. Fogo amigo. Aflição. Desespero. Tragédia. O confronto mais temido pelos policiais, por tudo que significa, por tudo que significará para sempre na vida de quem viveu este drama. Não há dor pior a um combatente, no front, do que perder seu companheiro de batalha. Ainda mais assim. Só quem viveu uma perda em confronto consegue conceber a imensa agonia, a dor insuperável que se sente num momento assim. Os bandidos que causaram tudo isto? Mesmo presos, em breve estarão por aí outra vez, promovendo mais mortes inocentes. Assim funciona nosso país. O fogo amigo, que nos atinge, a gente sabe muito bem qual é.

CORREIO DO POVO