SUL21: Indenização mensal que Sartori propõe a servidores pode ser inferior a uma passagem de ônibus

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Fernanda Canofre

Um dia após anunciar que passará a pagar primeiro quem recebe menos, por “uma questão de justiça”, o governo de José Ivo Sartori (PMDB) enviou à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul um projeto de lei propondo que o governo pague indenização aos servidores que tiveram seus salários atrasados durante sua gestão. Sindicatos e servidores, no entanto, questionam o que estaria por trás da medida do Piratini.

Em anúncio na terça-feira, o secretário da Fazenda, Giovani Feltes, afirmou que “a indenização será paga na folha do mês subsequente àquele em que ocorrer o atraso do salário e será calculada exclusivamente sobre a parcela não paga no prazo legal e por dia de atraso. A indenização relativa aos atrasos de salário retroativos, a contar de 1º de julho de 2015, será paga no mês subsequente ao da publicação da lei complementar”.

Ou seja, assim que a lei for aprovada na Assembleia, os servidores receberão o montante acumulado equivalente aos 21 meses de parcelamentos. Futuros parcelamentos terão a correção paga junto às parcelas na folha do mês seguinte.

O governo pediu que o PLC 193 fosse votado em regime de urgência. Isso significa que ele terá 30 dias para receber emendas e ser analisado em comissões da Assembleia. No próximo dia 27 de outubro, ele já poderá trancar a pauta, nenhum outro projeto pode passar à sua frente. No dia 31, ele deve ir à votação em plenário.

Sul21 solicitou entrevista com Giovani Feltes nesta quarta, para esclarecer pontos que ainda não estão claros no projeto apresentado. Mas, o secretário não encontrou uma brecha na agenda até o fechamento desta reportagem.

O projeto fala, por exemplo, que “as despesas decorrentes da aplicação do disposto nesta Lei Complementar” – o dinheiro que seria usado para o pagamento das ações – “correrão à conta de dotações orçamentárias próprias”. Ele não se refere que dotações seriam estas, se, de fato, viriam do programa Fomentar RS, que antecipa receitas com pagamento de ICMS de empresas do setor automotivo, como foi sugerido na coletiva, ou de outras fontes.

Medida seria apenas para evitar ações na Justiça

Entre as indenizações relativas aos salários parcelados e ao 13º pago com atraso pelo governo, a estimativa é de que os gastos do governo fiquem em torno de R$ 68 milhões. Isso pode parecer muito dinheiro para um trabalhador assalariado, mas dividido por uma conta de 344 mil servidores, talvez não seja tanto assim.

O governo não apresenta uma média do quanto cada indenização irá render para cada servidor. Em um cálculo genérico, tomando como referência o mês de agosto e um trabalhador hipotético com renda de R$ 2.500, a correção da poupança ao longo dos dias necessários até a integralização do salário seria inferior ao preço de uma passagem de ônibus em Porto Alegre (atualmente, R$ 4,05).

Um estudo do Dieese, veiculado pelo Centro de Professores do Estado (Cpers), também nesta quarta, faz uma simulação simplificada da situação. A instituição trabalha com um índice de correção mensal da poupança de 0,5% e a taxa de cheque especial do Banrisul, que é de 12,12%.

“Um trabalhador que precisou utilizar R$ 1.000 do seu negativo por 10 dias (média de dias de atraso) por 21 meses (n° de parcelamentos) deverá, ao final do período, em juros ao banco um total de R$ 3.222,95, enquanto a o governo propõe pagar a esse trabalhador R$ 36,75”, aponta.

O governo estaria, então, apresentando a proposta para fazer frente às milhares de ações de servidores que pedem indenização pelos parcelamentos na Justiça. O Estado do Rio Grande do Sul ainda tem precatórios gerados por processos de servidores que tiveram salários parcelados pelos governos de Germano Rigotto (PMDB – 2003 a 2007) e Yeda Crusis (PSDB 2007-2011).

Para Marcelo Fagundes, advogado que está trabalhando com mais de duas mil ações de professores do Estado, o governo está apenas cumprindo o que já havia sido determinado pela Justiça, quando o Cpers ganhou a ação coletiva que pedia o pagamento dos salários com a correção.

“Esse projeto acaba por institucionalizar o calote no salário. O governo fez o projeto por causa de ações na Justiça, algumas que o Cpers já ganhou, outras que as pessoas ainda estão entrando”, afirma.

A diferença entre as duas propostas é que, enquanto o governo do Estado propõe pagar o valor das parcelas atrasadas ajustado com a correção da poupança pelos dias de atraso, o sindicato pedia além disso juros de 1% ao mês.

Na avaliação de Fagundes, a medida do governo pode interferir em ações que tramitam e podem ser consideradas improcedentes, caso o PLC seja aprovado. “Diante de todas as pressões, o governo começou a retroceder diante daquilo que vinha fazendo. Mas não que essa medida seja uma coisa boa. Ele foi forçado a conceder alguma coisa para tentar desmobilizar a categoria. Ele não está dando nada, só está devolvendo o que deixou de pagar e que em um processo ele teria de pagar a mais”.

Há mais de um ano, uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul proibiu o governo do Estado de parcelar os pagamentos de servidores. Além disso, durante a votação do chamado “pacotaço”, em dezembro, na Assembleia, a proposta do governo que pretendia retirar a data base dos pagamentos acabou sendo rejeitada. Assim, Fagundes vê a medida atual como mais uma investida, na mesma política. “Isso acaba institucionalizando, legalizando o pagamento de salários [parcelados]. É muito perigoso. Tudo porque o governo não conseguiu aprovar o projeto de lei que alterava a data base dos pagamentos”.