Fazenda Lolita

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Recentemente fomos fulminados com a triste notícia de que o Governo do Estado do RS incluiu a Fazenda Lolita como objeto de imóvel a ser vendido mediante procedimento licitatório de concorrência ou leilão. Ou seja, a Lolita está “à venda”.

Lembro que a Fazenda Lolita foi adquirida com a luta e participação financeira de praças e oficiais da Brigada Militar, forte na visão estratégica de antigos comandantes do 2º RPMON.

Essa aquisição teve na origem na criação e a manutenção dos cavalos, força motriz da vanguardista Brigada Militar, e também para produzir a carne para alimentar a tropa.

Os anos passaram e chegamos à década de 1990, época em que os Coronéis PM João Manoel Alves Fuentes e Airton Balcemão Rodrigues, este em saudosa memória, e mais uma plêiade de jovens oficiais de escol da Brigada Militar, criaram na Fazenda Lolita o Centro de Treinamento de Patrulhamento Rural (CTPR). Nesse período já não havia mais Revoluções.

Três vetores foram linhas mestras na criação do CTPR:

O primeiro: “Difundir a tática e técnica do patrulhamento rural”; o segundo: “Aliar as operações do patrulhamento rural com a técnica e a prática” e o terceiro: “Dominar as lides campeiras”.

Estes três vetores serviram de base na formação de Patrulheiros Rurais da Brigada Militar, que possuíam, entre outras missões, dar segurança na zona rural gaúcha, atuando de forma qualificada no combate às quadrilhas de traficantes, crime organizado, abigeatários, contrabandistas e roubo e furto de propriedades rurais, que proliferavam na área rural.

À época os gestores cometeram o erro estratégico de terminarem com os subdestacamentos e destacamentos Policiais Militares – que eram os herdeiros dos Lendários “Abas Largas” da década de 1950. A principal razão de terminarem foi a pequena população a que atendiam. Contudo, esqueceram os estrategistas visionários que o Rio Grande do Sul é agropastoril, riqueza do nosso campo e faz divisa com duas nações, facilitando o contrabando e o crime organizado.

Esses subdestacamentos e destacamentos, que estavam localizados estrategicamente em pequenas vilas, entroncamentos ou até mesmo em algum distrito distante, tinham o controle e gestão das informações de Segurança Pública com o fim de controlar a criminalidade na zona rural, apoiados, inclusive, com a interação dos seus servidores com o homem do campo.

 Ou seja, os subdestacamentos e os destacamentos sabiam separar o joio do trigo, mas acabaram sucumbindo por ordem da Brigada Militar.

Assim surge, na Fazenda Lolita, o centro de Treinamento de Patrulhamento Rural (CTPR), que, por intermédio do ensino multidisciplinar, formou Patrulheiros Rurais em nível Estadual e Internacional – Uruguai, Argentina e Paraguai tiveram alunos policiais na Lolita. Portanto, não só brigadianos se formaram nos cursos do CTPR. Somam-se, também, servidores de outros órgãos: Polícia Civil, Polícia Rodoviária Federal, entre outras instituições.

Na Lolita, o conhecimento sempre foi democratizado, o soldado com maior conhecimento de marca, sinal, raça de gado, equinos e ovinos, ensinava os oficias. Os oficiais ou sargentos especialistas em armamento dividiam suas experiências técnicas com os subordinados.

O lema era aliar a técnica com a prática.

Quantas noites de luar ensinei gaúchos, argentinos, uruguaios e paraguaios a avançar sem serem observados, usando a sombra das cercas de pedras e das coronilhas (árvore), técnicas muito usadas pelos amigos do alheio para iludir o peão campeiro e a polícia a fim de praticar o abigeato ou outros delitos (já na época o furto de máquinas agrícolas e defensivos agrícolas).

Por longos dez anos o conhecimento foi espraiado para centenas de policiais que ao retornarem às suas unidades de origens criaram as Patrulhas Rurais e estas, por sua vez, cortavam os municípios gaúchos, assim como de países limítrofes, que, como já referido, enviavam seus policiais para a Fazenda Lolita com o objetivo de os capacitarem, dada a excelência do ensino do CTPR. Tudo isso culminava na confiança na da Segurança Pública, na área rural, e a credibilidade pública e notória da Brigada Militar.

Voltava a Brigada Militar, com a vivência do dia a dia, a dialogar com o capataz, estancieiros, peões e com a população rural, fonte interminável de informações ao combate da criminalidade.

A Lolita a todos recebeu com a sua natureza exuberante, já que localizada em área de preservação ambiental, protegida pelo CTPR. Nos seus campos, aulas eram ministradas a céu aberto. Havia desde a clareira, a picada, o rio, o açude, o gado vacum, os equinos, os ovinos, o mato, restingas, pista de pouso, etc., elementos que conjugados facilitavam o aprendizado, que não poderia ser conquistado em bancos acadêmicos tradicionais. Vislumbravam-se ao longe, uma ovelha, um touro, uma vaca, um equino, um caprino. O aluno ampliava e assimilava o conhecimento. Não há como deixar de renovar que tal conhecimento e aprendizado, como já exposto, não seria obtido junto ao ensino tradicional, costumeiramente lecionado em prédios urbanos à margem das peculiaridades do campo.

E agora, Lolita, tu vales sete milhões de reais. Quanto vale o conhecimento daqueles que lá evoluíram na sua formação, como oficiais e praças – patrulheiros Rurais, Centenas foram formados, tornando-se profissionais extremamente qualificados que disseminavam o conhecimento por onde laboraram. Por dez anos, ininterruptamente, ministrei aulas. Muito aprendi, ensinei – valeu a pena. Mas agora, Lolita, que tu evoluiu, se equipou, com mangueiras novas, com conhecimento muito mais avançado, salas de aulas, equipamentos audiovisuais, alojamentos modernos, serás vendida, como um simples imóvel.

Nesta onda de privatizações e extinções, quem perde é o povo gaúcho e quem sangra é a Brigada Militar de “Massot”, Comandante-Geral e Patrono desta centenária instituição, que trouxe a educação para dentro dos quartéis da jovem Brigada Militar na década de 1920. O gestor público deve sempre ser norteado pelo valor da prudência.

Lolita, jamais pensei que teu valor fosse tão tímido. A tua magnitude, teu valor educacional na distribuição do conhecimento democrático será consumido pelo furor do lucro e desaparecerás por sete milhões de reais, valor este que evaporará instantaneamente.

Ainda a tempo de salvar a nossa Lolita e manter o CTPR formando patrulheiros rurais ao povo gaúcho e ao Mercosul.

Erros estratégicos costumam produzir fulgurantes derrotas. Este será um deles, mas aí será muito tarde para resgatar a paradigmática Fazenda Lolita da Brigada Militar, Região dos Cerros Verdes, no Município de Sant’Ana do Livramento.

Sergio Antonio Berni de Brum,

Cel PM – Ex-Comandante do 2° RPMON

Atual Juiz-Militar do Tribunal de Justiça Militar Gaúcho