CORREIO DO POVO: A FORÇA DA NEGOCIAÇÃO

Major da Brigada Militar explica como a negociação é importante para salvar vidas em casos de sequestro

Com 24 anos de Brigada Militar, dos quais 14 como negociador em situações de crise, o major Rogério Araújo de Souza (à direita na foto) é um dos mais experientes da corporação e participou de vários casos envolvendo reféns. Souza esteve presente em negociações como a do caso ocorrido no bairro Guajuviras, em Canoas, no Carnaval de 2010, quando um homem não aceitava a separação e manteve sua ex-companheira por 72 horas
como refém. Depois de todo este tempo, o acusado acabou se rendendo.A mulher foi libertada.
Foi a primeira vez que a Brigada Militar utilizou dois negociadores falando com o acusado. Na época, Souza, que era capitão na corporação, atuou em conjunto com o então major Francisco Vieira (à esquerda na foto).

Há algum curso na Brigada Militar para exercer a função de negociador?
Sim, a Brigada Militar, desde 2007, possui o Curso de Especialização em Negociação Policial realizado pelo 1º Batalhão de Operações Especiais. Realizei o Curso de Negociação de Crise com Reféns ainda em 2003, na Polícia Militar do Estado de São Paulo e, no ano de 2004, o Curso Internacional de Formación de Negociadores Policiales en Situaciones de Crisis na Polícia da Província de Córdova na Argentina.

No seu caso, porque escolheu esta função?
Porque entendo que não existe missão mais nobre do que salvar vidas.

Não é fácil e mexe muito com o nosso estado emocional, mas é primordial e extremamente necessária para um desfecho positivo para a pessoa que é tomada como refém. Na época, existiam poucos policiais militares que possuíam a especialização e notava que a demanda aumentava cada vez mais. Busquei essa especialização fora do Estado para estar preparado para esse tipo de ocorrência.

O que um negociador precisar ter, do ponto de vista emocional, para encaminhar uma negociação?
O negociador precisa ter, antes de tudo, paciência, tranquilidade e perspicácia do ponto de vista emocional. Não é uma missão fácil. É um jogo de xadrez. A forma como é feita a abordagem no sequestrador é fundamental para a preservação da vida das vítimas. No dia a dia, não me considero a pessoa mais paciente e tranquila, mas quando nos deparamos com uma situação dessas temos que trocar o “chip” e nos adequarmos à realidade do
fato concreto. Acredito que o conhecimento doutrinário, o treinamento e as experiências adquiridas são fundamentais para o sucesso nesse tipo de ocorrência.

O que deve ser observado primeiro quando se chega a um cativeiro?
Gosto de dar o exemplo do criminoso que planejou assaltar uma padaria, conseguiu realizar o assalto e ao sair do estabelecimento se deparou com uma viatura da Brigada Militar. Então, o criminoso retorna para o interior da padaria e toma os funcionários como reféns. O criminoso planejou aquilo? Não, mas a ocorrência mudou totalmente o seu foco e a forma de atendimento. Existem vidas em jogo agora. Normalmente, quando o negociador chega à cena do crime ainda existe aquela tensão inicial entre sequestrador ou sequestradores e os policiais que estão atendendo a ocorrência. Às vezes, ambos apontando armas entre si. É necessário recuar, diminuir o estresse, dar certo tempo para reunir informações, alinhar
a estratégia. É necessário entender o que aconteceu. Reunir todas as informações possíveis antes de se fazer o primeiro contato.

O contato com o sequestrador é feito diretamente ou existe um tempo para que o contato seja feito?
Normalmente, o primeiro contato com o sequestrador não é feito diretamente. O tempo diminui o estresse ficando mais fácil ajustar os procedimentos para resolução da crise.

Qual o caso mais emblemático que o senhor participou?
O caso mais emblemático foi o cárcere privado no bairro Guajuviras, em Canoas, que totalizou 72 horas de ocorrência. O caso era passional, final de um relacionamento, o sequestrador com antecedentes criminais ameaçava matar a companheira e cometer suicídio. O filho do casal, no início da ocorrência, estava no interior da casa. O sequestrador efetuou um disparo de arma de fogo contra os policiais militares que tentaram fazer o primeiro
contato em frente à casa. Esse fato ocorreu durante o feriado de carnaval de 2010. O desfecho foi positivo, os reféns foram salvos e o sequestrador preso. Foi um alívio de 200 quilos retirados dos nossos ombros.

Qual foi o pior momento no caso do sequestro do Guajuviras?
O momento em que pensei que algo de ruim poderia ocorrer foi no domingo. O sequestro começou no sábado, mas na noite de domingo, o  sequestrador se desesperou, ficou fora de si. Ele ameaçou matar a refém. Afirmava que não iria conseguir aguentar a pressão e que não iria preso
em hipótese alguma. Afirmou que iria desistir de tudo e que iria matar a refém e se matar. Neste momento, resolvemos passar a abordar questões positivas, no caso, o filho dele, que já havia sido libertado.
Lembramos a ele que o filho iria precisar de um pai, que precisaria de orientações.
Deu certo, pois ele foi se acalmando e concordou em não matar a mulher.

Durante as negociações como manter a calma? E dado tempo entre uma conversa e outra com o sequestrador?
É importante manter a calma, mas o foco é salvar vidas. A dedicação é total e exclusiva. Geralmente os negociadores ficam em local específico, mas não existe “receita”, depende de cada situação.

Quanto à questão do resgate? Como é negociado o valor, se este for o caso, e a sua entrega?
Não negociamos valores. Negociamos alimentação, presença dos órgãos de imprensa, a forma como o criminoso soltará os reféns e como ele se entregará para a polícia. Certificamos que não haverá invasão da Polícia e que tudo ficará bem enquanto for mantida a calma e a conversa necessária para resolvermos a situação. Tudo deve ser detalhadamente conversado, acertado e entendido. Não há surpresas para o
sequestrador em uma negociação. Isso faz com que se crie um elo de confiança entre sequestrador e negociador.

O negociador se identifica como tal? Ou ganha a confiança do criminoso aos poucos?
Hoje em dia, não há necessidade de apresentar-se como negociador, pois em razão do vasto número de filmes, e até novelas, os criminosos já sabem que o policial que inicia o primeiro contato é o negociador. O que existe é a verdadeira preocupação em preservar todas as vidas, inclusive do sequestrador, pois esse é um dos objetivos da negociação.
Não é fácil obter a confiança de alguém numa situação dessas, mas é necessário. Com o passar das horas, o sequestrador tem o negociador como o
único contato externo e a pessoa que está ali realmente para ajudá-lo.

A ação é feita em dupla ou há apenas um negociador?
A equipe de negociação é formada pelo negociador principal e o negociador secundário. Esse é o ideal e é o procedimento adotado pela Brigada Militar. O principal fala com o sequestrador. O secundário anota tudo, sugere estratégias e está sempre pronto para substituir o principal, se necessário. Na ocorrência de 72 horas do Guajuviras inovamos utilizando a abordagem com os dois negociadores falando com o sequestrador
em razão do longo tempo.

Quando recebem a informação de um sequestro, vocês saem já com toda estrutura pronta?
Alguns negociadores dizem que sempre têm em mãos uma garrafinha de água mineral, que ajuda nas negociações, pois o tempo em que estão bebendo água também estão esfriando a cabeça. A BM providencia uma estrutura no local onde vamos atuar. Eu tenho uma mochila, onde carrego água, barra de cereal entre outras coisas.
Geralmente, aproveitamos as pausas nas negociações para tomar água e esfriar um pouco a cabeça. Mas não é praxe o negociador carregar sempre
uma garrafa de água mineral quando vai para uma negociação.