Duas maneiras de ver a atividade policial

ABAMF: Extraímos abaixo dois artigos falando sobre atividade Policial, um vindo da imprensa com seus “ESPECIALISTAS” em segurança pública e outra vindo de um cidadão comum. Qual será a mais próxima da realidade?

ZERO HORA:

Pelotão BOE, da Brigada Militar, com novos equipamentos Foto: Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Pelotão BOE, da Brigada Militar, com novos equipamentos
Foto: Ronaldo Bernardi / Agencia RBS

Aperfeiçoar as relações entre a polícia e os cidadãos é um desafio

Desde a nova ordem constitucional pós-ditadura, é possível citar dezenas de casos de violência e abusos praticados por policiais

Por: Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo*

* Sociólogo, coordenador do PPG em Ciências Sociais da PUCRS e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Os eventos que denotam a persistente incompatibilidade das nossas estruturas policiais para atuar em democracia parecem não ter fim. Desde que ingressamos em uma nova ordem constitucional pós-ditadura, é possível citar, de memória, dezenas de casos de violência e abusos praticados por policiais. A polêmica em torno da mensagem encaminhada por um Tenente-Coronel da Brigada Militar (que, diante de demanda de proteção policial contra assaltantes, encaminhada por jornalistas que cobriam um movimento de ocupação cidadã do espaço público no Parque da Redenção, sugeriu que chamassem o Batman, já que naquela hora “cidadãos de bem” não deveriam estar naquele local, e os que lá estavam “não gostavam da polícia”), traz novos contornos e possibilidades interpretativas para a compreensão de uma mentalidade policial que se constitui em uma barreira para a efetivação do direito à segurança pública.

Uma polícia capacitada e valorizada é elemento chave para a prevenção ao delito e a melhoria da sensação de segurança da população. Estabelecendo vínculos de confiança com a comunidade, coletando provas para o esclarecimento de crimes e a responsabilização de seus autores, administrando conflitos de proximidade e reprimindo facções armadas que dominam territórios, a polícia tem sido protagonista em países que tiveram sucesso na redução da violência. Na base dessas experiências, o reconhecimento da necessidade de reformas para aumentar o controle e a transparência da atividade policial.

No Brasil, experiências deste tipo têm sido vivenciadas desde meados dos anos 90, como os Grupamentos de Policiamento em Áreas Especiais, liderados pelo Tenente-Coronel Antônio Carlos Carballo Blanco, da PM carioca, e os diversos projetos de policiamento comunitário. Também no Rio Grande do Sul tivemos tentativas importantes de modernização das relações da polícia com a sociedade, como a aproximação com a Universidade promovida pelo secretário José Eichemberg, ou os cursos de formação integrada promovidos pelo secretário José Paulo Bisol. Buscava-se a sensibilização dos policiais para as demandas específicas por segurança e garantia de direitos de grupos sociais vulneráveis, como a comunidade LGBT, jovens negros e moradores de periferia, mulheres vítimas de violência e trabalhadores sexuais.

Apesar do esforço e do voluntarismo de alguns, as experiências inovadoras esbarram em uma cultura policial voltada ao combate e à supressão do “inimigo”. Fruto de um longo histórico institucional, que tem na sua origem a constituição de forças policiais em uma sociedade colonial e escravocrata, o caráter autoritário e violento das relações entre a polícia e determinados grupos sociais no Brasil foi reforçado, ao longo do período republicano, pela utilização da polícia como instrumento de governo para a repressão da dissidência política, durante o Estado Novo e a ditadura instaurada em 64.

Depois de quase três décadas de construção democrática, o resultado é que temos, de um lado, uma sociedade mais complexa e diversificada, em que diferentes grupos e movimentos buscam direitos e reconhecimento, pretendendo ingressar em um espaço de cidadania que historicamente é acessível apenas aos detentores de privilégios. De outro lado, instituições policiais que ainda mantém uma estrutura arcaica, derivada da combinação de um modelo burocrático-cartorário com o militarismo no combate ao inimigo.

Não surpreende, portanto, que diante da falta de planejamento e de políticas consistentes de prevenção ao delito e redução da violência, da carência de estrutura, de valorização profissional e de efetivo, e pressionada por uma opinião pública cada vez menos tolerante com a insegurança pública, alguns policiais reajam explicitando uma mentalidade que simplifica a complexa realidade e separa a clientela em “cidadãos de bem” e “vagabundos”. Os primeiros, mais idealizados do que reais, merecem a atenção e o respeito dos agentes do Estado, embora devam mais obediência do que sejam merecedores de um efetivo serviço público. Aos segundos, o tratamento é o que ao longo da história a polícia brasileira foi orientada a oferecer aos subcidadãos: permanente desconfiança, abuso de autoridade, práticas violentas de obtenção de “confissões” e sujeição pela criminalização ou a sua ameaça.

Ultrapassar este cenário um tanto desolador nas relações entre as polícias e a cidadania no Brasil tem sido o desafio colocado para governantes e gestores da segurança desde a redemocratização. Passar a limpo um passado de arbítrio e discriminação, e compreender que a melhor forma de lidar com a diferença e a complexidade social é a incorporação de todos aos direitos de cidadania, talvez seja a lição que ainda mereça ser repetida nas academias de polícia. Sob pena de continuarmos sendo reprovados no mais elementar quesito da vida coletiva em democracia: o respeito ao outro e à diferença. Não queremos o Batman, mas uma polícia cidadã.

ZERO HORA

______________________OUTRA VERSÃO _______________________________

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Cabo Zanuto e Cabo Albuquerque com o Benjamin, uma criança que confia na Polícia
Cabo Zanuto e Cabo Albuquerque com o Benjamin, uma criança que confia na Polícia

Será que realmente sabemos quem é a Polícia?

Por Karina Castilho

Certo dia, após ver e ler tantos textos culpando ou acusando um policial no exercício de sua tarefa, confesso que cansei! E não estou questionando se a mídia apenas fez o seu papel e relatou o fato ou se o policial, efetivamente, estava errado. Minha “indignação” era ler apenas textos sobre isso, como se o trabalho da Polícia ficasse restrito ao fato ruim. Percebi que estava faltando algo, faltava a “voz” do policial. Procurei textos que mostrassem algo positivo dessa profissão honrosa. Ao deparar-me com ações positivas, pensei: será que eu realmente conheço a Polícia? Pois bem, passados poucos dias meu filho começou a fazer perguntas sobre a Polícia. A princípio achei estranho porque ele não tem influência da mídia (filmes, novelas, etc), apenas acesso a poucos desenhos ou filme infantil.  Até que ele disse:

– Mamãe a polícia é legal?

– Sim, filho. Por que?

– Eu gosto da polícia!

– Mas por que você gosta? Onde aprendeu sobre isso?

– A polícia prendeu o McQueen (personagem do filme “Carros” da Disney) porque ele fez coisa errada.

– E você gostou da polícia por isso?

 – Sim, mamãe. A polícia é legal. Ela não gosta de coisa errada. 

Ainda pensativo, disparou:

– Ô mamãe, eu posso ver a polícia? Pode mamãe?

– Ah, pode! Só não sei se vai dar certo. Eles podem estar muito ocupados, mas vou tentar, ok?

– Obrigado, mamãe.

Ao fim desse breve bate papo, encerrado com muito carinho, fiquei pensando em como chegaria na delegacia e pediria para realizarem o “sonho” do meu garoto. Pareceu-me, naquele momento, a coisa mais tola a se fazer. Porém, não tinha escolhas; eu prometi que tentaria. E lá fomos nós (eu, meu marido e nosso filho).

Ao chegar no Batalhão, perguntei para dois policiais se eles podiam me ajudar. Expliquei que meu filho estava no carro e pediu para conhecer a Polícia. Imediatamente – eu disse: IMEDIATAMENTE – antes que terminasse de concluir, os dois disseram:

– Com certeza!

– Cadê o garoto?

– Vamos lá…

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E eles foram até o carro e receberam meu filho com tanto apreço! Se eu não tivesse ido teria perdido a chance de ver o sorriso no rostinho lindo do meu filho, Benjamin. Ao ver a total satisfação dele percebi que talvez eu não conhecesse a Polícia tão bem assim. Eu cresci aprendendo a admirar o trabalho do policial, a respeitar o profissional que por diversas vezes arrisca a própria vida para salvar o próximo. E em meio a tantas notícias e críticas, deixei com que essa admiração ficasse um pouco “esquecida”. Porém, com a experiência que tive com meu filho, em que ele era apenas o coadjuvante da cena, pude vê-lo tornar-se o principal – apenas porque aqueles policiais tiraram a luz de si próprios e focaram na criança. Que hombridade! Enquanto muitos pais amedrontam seus filhos, acusando indevidamente a Polícia, ou ameaçando-os dizendo “a Polícia vai te pegar”, eu tomei uma decisão diferente! Escolhi ensinar ao meu filho que ele pode confiar na Polícia. Que ele deve pedir ajuda sempre que necessário.

E para ter a certeza de que estava certa em minha decisão, e que tudo não passava de um “conto de fadas”, voltei para conversar com os dois homens que realizaram o desejo sincero de uma simples criança. Quem são eles? Permita-me apresentá-los: Cabo Zanuto e Cabo Albuquerque, de Marília-SP.

Há mais de 15 anos eles optaram por cuidar do próximo, proteger, orientar e acolher. E é claro que prender o indivíduo e entregá-lo à justiça também faz parte do trabalho. Mas durante a entrevista, entre tantos relatos importantes que ouvi, quero destacar este: ao relembrar as lutas e bênçãos na carreira, eles compartilharam a ocorrência que marcou suas vidas. Curiosamente, nenhuma delas está relacionada à agressão, apreensão, corrupção, tiroteio, ou qualquer outro assunto que parecem definir o policial para muitas pessoas. Entre os momentos especiais de suas carreiras, está a oportunidade singular de salvar vidas!

Para o Cabo Zanuto, quando ainda estava em São Paulo, Capital, atender uma mulher em trabalho de parto, dentro da residência e conduzi-la até o hospital foi memorável. “Quando recebemos o chamado, fomos informados que o Samu estava com dificuldades de chegar até o local de difícil acesso. A gente correu todos os riscos entrando na comunidade, mas transportamos aquela mulher(em cima de uma cadeira), carregamos ela nos braços até chegar na viatura do Samu. Depois seguimos para o hospital. A Polícia cuida das pessoas”, disse Zanuto.

Já o Cabo Albuquerque relembrou de uma mulher que estava prestes a cometer suicídio! A família dela, muito aflita, chamou a Polícia. Enquanto várias pessoas tentavam acalmar aquela mulher, que estava com uma corda no pescoço e prestes a saltar da cadeira, Albuquerque pensou na seguinte estratégia: “Fiz sinal aos policiais e dei a volta na casa para tentar entrar pelos fundos, assim a senhora não iria me ver. Era algo arriscado, mas eu acreditava que podia salvar aquela vida. Este é o meu trabalho. Aos poucos, sem que ela percebesse, enquanto os policiais conversavam com ela, eu chegava mais perto. E de repente, ela saltou, pulou da cadeira. Mas eu estava bem ali, atrás dela e pude salvá-la”. Este fato rendeu a ele a Láurea do Mérito Pessoal. Trata-se do reconhecimento da Instituição em função da qualidade da prestação do serviço do Policial Militar.

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Quando realizamos o desejo sincero de uma criança, toda a sua felicidade se volta para nós, como demonstrou Benjamin ao abraçar o Cabo Zanuto

Depois de ouvi-los, voltei para casa e indaguei: de quantas críticas se faz uma Polícia? Quanto tempo perderemos tentando “tirar o cisco do olho deles” enquanto não vemos a “trave” que está no nosso? Será que realmente sabemos quem são eles ou o que precisam suportar para servir 24 horas? Não sei para vocês, queridos leitores, mas para a nossa família eles são como anjos que usam uniforme, e ainda conseguem realizar os mais simples sonhos ou colaborar para o principal anseio de todos nós: viver melhor e em segurança!