BLOG DO GRADUADO: Prisão disciplinar de militares: aberração jurídica sobrevivendo no século XXI
Constituição Federal
Art. 5º, LVI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.
Como podemos perceber, nossa Constituição preserva o direito de ir e vir do cidadão, garantindo a liberdade como regra e o aprisionamento exceção. Além de restringir a possibilidade de prisão somente para os casos de flagrante delito ou cumprimento de ordem judicial. Mas para o militar, a Constituição prevê uma exceção da exceção, autorizando a prisão em outros dois casos, sendo um deles o cometimento de transgressão disciplinar, que nada tem a ver com crime para ter uma punição tão gravosa, como é o encarceramento.
Pelos depoimentos de alguns militares no artigo “Pesquisa sobre a prisão disciplinar de policiais e bombeiros militares” é possível perceber a desproporção entre as transgressões disciplinares e as punições impostas. A grande maioria fez o comentário de forma anônima, justificando que se identificassem, seriam novamente punidos por seus comandantes.
1 – Militar “A” ficou 30 dias preso por faltar um dia de serviço;
2 – Militar “B” ficou 10 dias preso por estar sentado após doze horas de serviço;
3 – Militar “C” ficou 2 dias preso por fazer “bico” em hora de folga;
4 – Militar “D” ficou 3 dias preso por estar no alojamento em que alguém chamou um oficial por apelido…
O principal argumento daqueles que defendem a viabilidade da prisão disciplinar é a manutenção da hierarquia e disciplina, pilares das corporações militares. Durante muito tempo, esta tese foi sustentada, porém o Estado de Minas Gerais provou que é possível dar dignidade aos militares sem que a hierarquia e disciplina sejam enfraquecidas. No ano de 2002, a Assembleia Legislativa mineira revogou o antigo Regulamento Disciplinar da Polícia Militar e extinguiu a prisão disciplinar. No lugar do RDPM, tem vigência atualmente o Código de Ética e Disciplina dos Militares de Minas Gerais.
Dentro deste contexto, no artigo “Extinção da prisão administrativa disciplinar“, o juiz de direito Paulo Tadeu Rodrigues Rosa ressalta que “a punição é essencial para se evitar a impunidade, mas deve ser aplicada em conformidade com os princípios constitucionais. A manutenção da hierarquia e disciplina não pressupõe o desrespeito à lei ou prática de atos abusivos ou ilegais“. Em outro trecho, afirma que “a falta de critérios objetivos na avaliação das punições pode conduzir a excessos, onde o respeito é imposto pelo terror”. Concordo plenamente com o autor quanto a necessidade de punição para o infrator, mas que seja aplicada respeitando os princípios constitucionais, sob risco de se tentar fazer justiça praticando uma injustiça ainda maior com o militar.
Antes de iniciar este artigo, tentei contato com todas as Polícias e Corpos de Bombeiros Militares do Brasil pelos canais de contato disponíveis nos sites das corporações, por e-mail e até telefone. Expliquei que estava escrevendo um artigo sobre prisão disciplinar de militares e gostaria de saber a qual Regulamento Disciplinar eles estavam subordinados. Não obtive o retorno esperado, pois, para minha surpresa, bastantes corporações não me prestaram esta informação tão simples.
Diante disto, fiz contato com a equipe do gabinete do deputado federal SubTen Gonzaga. Sua assessoria me informou que “Minas Gerais é o único Estado da federação (incluindo o Distrito Federal) que aboliu a pena restritiva de liberdade no cometimento de infração administrativa (faltas disciplinares). Em vários Estados ainda vige o Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), sequer é RDPM. Muitos Estados atualizaram seus RDPM’s, como por exemplo São Paulo e Ceará, alterando-os para Código de Ética, porém NENHUM destes aboliu a pena de prisão disciplinar”.
Como aceitar tamanha injustiça legislativa? Há 26 anos, ouvimos dizer que nossa Constituição Federal garante o pleno e irrestrito gozo dos direitos a todos os cidadãos, mas, ainda hoje, os regulamentos disciplinares preveem prisão para os militares que se apresentam com a farda amarrotada ou a barba por fazer. É justo isto com o cidadão militar? Ou o militar não é um cidadão? Quem sabe seja um cidadão de segunda classe, como já ouvi certa vez. Os policiais e bombeiros militares são agentes responsáveis pela segurança pública e defesa civil, lidando diariamente com direitos e deveres da sociedade. Como exigir que respeitem a dignidade do cidadão se não têm a própria dignidade respeitada?