A tolerância também dá audiência

TGF

Por  Oscar Bessi

Fato verídico. Eu saía de um futebol entre colegas de trabalho e decidi comprar uma água mineral no caminho de casa. O rapaz do balcão me cumprimenta, atende um grupo de cinco rapazes com skates e mochilas. Reconheço um deles. Num passado não muito distante – talvez coisa de seis ou sete anos -, eu precisei retirá-lo das ruas mais de uma vez. Como não trabalho mais na mesma cidade, não tive mais notícias suas, ou da sua vida. Ele me vê, me reconhe, sorri e estende a mão. É um cumprimento rápido e sincero. O que não deixa de me surpreender, já que, no nosso último encontro, o clima era exatamente inverso.

Eles saíram e foi a vez do rapaz da loja sorrir:

– Conhece, né, capitão?

– Sim. – respondo, cito o nome e o apelido do rapaz, peço a água mineral e completo olhando meu conhecido atravessar a rua com os amigos – Ele me parece bem.

– Aham. – responde o atendente, enquanto pega a água mineral – Não é mais o mesmo. Antes era só droga, briga e assaltinhos, o senhor lembra?

– Lembro.

– Ele entrava aqui e a gente já ficava com medo. Aí ele esteve internado, lembra?

– É? – eu não lembrava. Tanta gente…

– Sim. – ele diz o preço da água, pago, ele providencia o troco – Agora está estudando. Anda sempre assim, com os amigos, sem incomodar ninguém. Acho até que ajuda o pai. E faz teatro.

– Teatro?

– No Mais Educação, acho que é. O cara mudou. É outro, sempre de boa por aí. – ele respira fundo – Às vezes a gente não acredita que as pessoas podem mudar, né capitão? Olha aí que coisa boa.

Uma mulher, que eu não tinha visto sentada a tomar seu refrigerante, levanta. Fala com entusiasmo sobre a atenção que pode ser dada aos jovens. É professora, ela me conhece, cita colunas do jornal. E eu morro de vergonha por não saber seu nome. Mas me empolgo e discurso também. Batemos um longo papo que logo se espalha entre novos clientes.

Nenhum discurso de intolerância teve audiência, ali. Só a educação e a cultura que criam possibilidades aos jovens, que transformam os seres humanos, que dão outro rumo que não o das drogas e da violência.

Contei este pequeno episódio, comum em nosso cotidiano, apenas para lembrar: agir e investir certo também dá voto, certo, caros gestores públicos?

Correio do Povo