SUL 21: 2015, um ano de parcelamentos, greve geral e unidade inédita dos servidores estaduais

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Por Guilherme Santos/Sul21Débora Fogliatto

Uma das maiores marcas de 2015 no Rio Grande do Sul foram as mobilizações unificadas dos servidores estaduais, que já em março começaram a se preocupar em ter seus salários parcelados, começando a protestar contra o governo. O ano foi turbulento para o governo recém-eleito de José Ivo Sartori (PMDB), que causou revolta no funcionalismo público em diversos momentos. Durante todo o ano, manifestações, negociações, parcelamentos e indignação fizeram parte da rotina dos mais de 300 mil trabalhadores estaduais.

Dois meses após a posse do governador, entidades protocolaram na Justiça um Mandado de Segurança Preventivo para que seus salários não pudessem ser parcelados, o que foi acatado pelo Tribunal de Justiça. Mesmo com a decisão judicial, ainda não havia certeza se o parcelamento ocorreria, e o Judiciário chegou afixar multa caso a liminar não fosse cumprida. Naquele mês, os salários foram pagos em dia.

Dois meses depois, porém, os servidores receberam a notícia do primeiro parcelamento, que afetou 7,7% dos servidores, cerca de 26,9 mil de um total de 348.955. Cerca de 15 dias depois, no dia 29 de maio, o governo anunciou ter pagado integralmente os salários. Paralelamente às incertezas relacionadas aos salários, os servidores ainda criticaram e se posicionaram contrários a diversos projetos do Executivo. Em junho, diferentes categorias decidiram apresentar emendas ao Projeto de Lei nº 177/2015, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que contrariam a proposta de Orçamento do governo do Estado encaminhada para a Assembleia Legislativa. O Piratini havia apresentado um pacote de medidas que incluiu cortes dos direitos adquiridos pelos servidores.

Servidores lotaram o Teatro Dante Barone para acompanhar a audiência pública da Comissão de Segurança Pública e Serviços Públicos | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Na segurança, a situação também não ia bem. Em junho, um policial militar causou polêmica ao sugerir, por mensagem de WhatsApp, que participantes de um evento no Parque da Redenção chamassem o Batman em vez da Brigada Militar. A fala causou indignação na população e na categoria, que, em audiência poucos dias depois, fez piada com a colocação, sugerindo que o Batman fosse chamado no lugar do secretário Wantuir Jacini, que faltou com o compromisso de ir ao evento na Assembleia Legislativa.

Poucos dias depois, os servidores do Sindicato dos Empregados em Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas e de Fundações Estaduais do Rio Grande do Sul (Semapi) realizaram um ato contra o atraso no pagamento dos salários e das horas extras. Em seguida, no dia 2 de julho, outro ato foi organizado, dessa vez pelos Servidores da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), que também denunciaram atraso nos pagamentos.

Marcha em defesa da segurança e congelamento dos salários

Criticando as soluções apresentadas pelo governo para solucionar o crise, os servidores realizaram um seminário em que apresentaram a sua versão das possibilidades de aliviar os problemas financeiros. A insatisfação apenas crescia e começou a se falar em greve geral, o que culminou na maior marcha realizada até então, no dia sete de julho. A marcha em defesa da segurança pública reuniu servidores da Polícia Civil, Brigada Militar, Instituto Geral de Perícias (IGP) e Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe), que se manifestaram contra o desmonte da segurança pública que, na avaliação destas entidades, estaria sendo patrocinado pelo atual governo do Estado.

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Com cerca de oito mil pessoas, a passeata não se limitou aos servidores da segurança, reunindo diversas categorias. A marcha partiu de diferentes pontos da cidade, reuniu-se no Largo Glênio Peres e rumou para o Palácio Piratini para se encontrar com servidores de outras categorias que aguardavam seus colegas da área da segurança. Uma comissão de representantes das entidades foi recebida no Palácio Piratini pelo chefe da Casa Civil, Marcio Biolchi, e pediu a retirada do projeto da LDO e o PL 2-6/15, a Lei da Responsabilidade Fiscal, que na prática congelam os salários dos servidores, não promovendo reajustes durante todo o governo.

No entanto, uma semana depois, a base do governo aprovou na Assembleia Legislativa a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2016, que estabelece que os gastos do próximo ano não serão maiores do que 3% em relação a 2015. Isso significa, na prática, o congelamento dos salários dos servidores, pois esse percentual cobre apenas o aumento vegetativo da folha. No mesmo dia, servidores que sairiam de férias não receberam o salário correspondente ao um terço adicional, medidas que intensificaram ainda mais os pedidos pela realização de uma greve geral no estado.

Parcelamento dos salários

Em julho, a expectativa de que os salários fossem ser realmente parcelados aumentava. No dia 29, os servidores realizaram um protesto em frente ao Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAAF) ameaçando realizar paralisações caso houvesse o parcelamento. No dia 31, data em que tradicionalmente recebem os salários, o temor dos trabalhadores foi confirmado quando o governo anunciou o pagamento em três vezes. Na segunda-feira seguinte, dia 3 de agosto, os servidores cumpriram com o que haviam prometido ebloquearam desde o início da manhã as entradas do CAFF, prédio que abriga quase todas as secretárias do governo do Estado, além de outros órgãos, para impedir a entrada de colegas em protesto contra o parcelamento. No meio da manhã, eles marcharam até o Palácio Piratini, onde foram recebidos por Márcio Biolchi, mas saíram insatisfeitos.

Foto: Caroline Ferraz/Sul21

O parcelamento foi mantido até o dia 11 e os servidores relataram dificuldades para se manter durante o mês. No dia em que estava previsto o pagamento da segunda parcela, o governo voltou atrás e optou por pagar integralmente, decisão que foi tomada após a entrada da receita do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e de Serviços (ICMS) e de o governo federal não ter bloqueado os recursos destinados ao Rio Grande do Sul, apesar de o Estado ter deixado de pagar a parcela de R$ 280 milhões da dívida com a União.

Extinção das fundações

Parte da terceira fase do ajuste fiscal enviado pelo governo Sartori foi a previsão de extinção de três fundações estaduais: Fundação Zoobotânica (FZB), Fundação de Esportes do Rio Grande do Sul (Fundergs) e a Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (Fepps). Os servidores começaram a se mobilizar, especialmente a partir de agosto, para tentar barrar os projetos, com protestos e diálogo com os deputados e vereadores. Após intensa pressão dos servidores e da sociedade, os deputados retiraram o regime de urgência do projeto que extinguiria as três fundações, em setembro. Agora, a medida ainda tramita na Assembleia Legislativa, mas sem data para ser votado.

No dia 12 de agosto, os servidores fizeram uma manifestação em frente ao Piratini e à Assembleia contra a extinção da FZB |Caroline Ferraz/Sul21

Greve geral

Em meio aos protestos relacionados às fundações e às críticas a diversas medidas, crescia entre os servidores aideia de realizar uma greve geral. No dia 18 de agosto, em assembleia unificada no Largo Glênio Peres, o funcionarismo anunciou o início da greve de três dias, em unidade inédita que reuniu 43 entidades. A assembleia transformou-se em ato, que seguiu até o Palácio Piratini. O governo respondeu afirmando que cortaria o ponto dos grevistas.

Quando se passaram os três dias, começou-se a temer um novo parcelamento de salários para o mês de agosto, e os servidores planejaram nova paralisação de quatro dias a partir do dia 31 caso os valores não fossem pagos integralmente. Na data, o governador anunciou o parcelamento em quatro partes, sendo a primeira de apenas R$ 600. Diante do quadro, representantes de diversas categorias afirmaram que, embora o plano fosse fazer paralisações por quatro dias, até o dia 3 de setembro, esse período ainda poderia ser estendido. Nesse primeiro dia de greve, novamente um grande número de servidores se reuniu em frente ao Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF) para impedir o acesso ao prédio.

Os três dias foram marcados pelo mais diversos atos, incluindo o “barulhaço” e o protesto musical dos trabalhadores da cultura. No dia 3, o Sindicato dos Professores (Cpers) decidiu manter a greve até o dia 11, quando seria depositada a segunda parcela dos salários. Para finalizar o dia, uma audiência pública sobre  Projeto de Lei Complementar 206 (PLC 206), que trata sobre a criação de uma Lei de Responsabilidade Fiscal estadual, lotou o teatro Dante Barone. A proposta restringirá muito a possibilidade de concessão de reajuste salarial para o funcionalismo e pode ameaçar, inclusive, o calendário de ganhos já concedidos na gestão passada.

Foto: Caroline Ferraz/Sul21

No dia 4, a maior parte das paralisações terminaram, mas os servidores decidiram entrar em operação padrão, em que as atividades são realizadas de forma limitada. Os policiais, por exemplo, deixaram de fazer hora extra, já que não recebiam a mais quando faziam. Na segunda-feira seguinte, dia 7 de julho, os servidores da segurança decidiram retomar a greve até o dia 11, se unindo aos professores, que seguiram paralisados. A terça-feira, 8, já amanheceu com barracas na Praça da Matriz, em que o funcionarismo permaneceu para pressionar os deputados estaduais a rejeitarem projetos de ajuste fiscal encaminhados à Casa pelo governo.

Votações e confusão na Assembleia

No dia 11, conforme previsto, foi realizado o pagamento da segunda parcela dos salários e encerrada a greve dos servidores que haviam permanecido. Eles, no entanto, continuaram em “estado de greve”, com o objetivo de pressionar a Assembleia Legislativa a não aprovar os projetos que consideram retirar direitos. No dia 15, data em que estava prevista a votação de diversos projetos do ajuste fiscal, servidores bloquearam a entrada da Assembleia, exigindo se reunir com os deputados. A sessão acabou cancelada por falta de segurança e remarcada para o dia seguinte.

Na quarta-feira, 16, a sessão aconteceu de portas fechadas, para evitar protestos dos servidores, e sem a presença do PT e do PSOL, que se retiraram devido à proibição. No entanto, devido à possibilidade de derrota no projeto que extinguiria as votações, o governo optou por retirar o quórum antes de votá-lo. Sem a presença da oposição, a base aliada rapidamente aprovou oito projetos, inclusive o mais importante de todos, as alterações na previdência, tema que há décadas era debatido na AL.

22/09/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Servidores forçam entrada na ALRS e são barrados pela BM | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Na semana seguinte, aconteceu um dos atos de maior destaque no ano, em que a Brigada Militar avançou sobre os servidores que protestavam do lado de fora do Legislativo. O prédio amanheceu cercado pela polícia, apesar de liminar conseguida na Justiça que permitia o acesso ao Plenário e, durante reunião de lideranças sindicais com os deputados, ocorreu a primeira confusão, quando manifestantes que estavam na Praça da Matriz derrubaram os gradis e avançaram em direção ao prédio. No momento em que os servidores deixavam  o encontro, a Brigada  avançou sobre os manifestantes com cassetetes e spray de pimenta, empurrando-os para a Praça da Matriz, o que ocasionou confusão e tensão. Nesta situação, professores foram agredidos por policiais e depois detidos.

Após a manhã conturbada, a sessão foi iniciada na tarde de terça-feira, 22, e se estendeu pela madrugada, com muita discussão por parte dos deputados. Por fim, com votação apertada, foram aprovados os projetos de aumento de ICMS por um período determinado de três anos, ou seja, que só valerão durante o atual governo. Também foram aprovados o projeto que reduz 50% dos juros dos saques dos depósitos judiciais e o que estabelece o aumento do limite de saques nos depósitos judiciais de 85% para 95%. Após a aprovação, o governo anunciou, já no dia seguinte, que os salários de setembro seriam pagos em uma parcela única.

Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Parcelamento do 13º

Com a derrota na aprovação dos projetos, mas os salários em dia, as mobilizações de outubro e novembro não foram tão intensas. No início de dezembro, porém, com a aproximação da data em que seria pago o 13º salário, o governo enviou à Assembleia Legislativa projeto de lei complementar que prevê o pagamento em seis parcelas no ano de 2016, nos meses de a partir de junho, com indenização pelo atraso. Quem quisesse receber o 13º salário integralmente em dezembro poderia recorrer a empréstimo no Banrisul.

A medida foi aprovada pela Assembleia Legislativa, com uma uma emenda de Luiz Fernando Mainardi (PT), que foi acatada pelo líder do governo com o fim de assegurar que as regras aprovadas sejam “excepcionais”, valendo somente para 2015.

Assembleia unificada no Largo Glênio Peres reuniu mais de 35 mil servidores de todas as categorias do serviço público do RS. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

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