Contratar egressos do serviço militar para a PM é ‘absolutamente descabido’, critica especialista em segurança

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Por-Ramiro-Furquim-Sul21-0168Luís Eduardo Gomes

Durante o feriado de Carnaval, ganhou força na imprensa gaúcha a ideia de que o governo do Estado pode vir a contratar de forma emergencial jovens egressos do serviço militar obrigatório para ajudar a conter a violência no Rio Grande do Sul e enfrentar o problema da falta de efetivo policial. Apesar de não haver nenhuma proposta oficial por parte do Executivo, a possibilidade é defendida por aliados do governador José Ivo Sartori e vista com “bons olhos” pelo líder da bancada do PMDB na Assembleia. Por outro lado, ela é duramente criticada por especialistas em segurança pública e por entidades representativas de policiais militares.

O deputado federal Pompeo de Mattos (PDT-RS) explica que a ideia de contratar policiais militares em caráter emergencial foi debatida na sexta-feira passada (5) em uma audiência com o governador Sartori da qual participou ao lado do senador Lasier Martins (PDT-RS). O deputado afirma que os egressos do serviço militar têm três predicados que os credenciariam a ajudar na segurança pública: a familiaridade com a disciplina militar, com a farda e com o manuseio de armas.

Segundo Mattos, os PMs temporários não necessariamente precisariam ser egressos do serviço militar, também poderiam ser esses ex-PMs temporários contratados e também policiais militares da reserva. “A questão é que do jeito que está não dá para continuar”, diz Pompeo de Mattos.

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Pompeo de Mattos diz que ideia foi discutida em reunião com o governador | Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Em 2003, o então governador Germano Rigotto (PMDB) criou o programa PM Temporário, em que já tinham sido aproveitados egressos do serviço militar. Na ocasião, os candidatos passaram por um curso de dois meses e foram habilitados a prestar serviços internos, de apoio a unidades da BM, a exercer atividades de guarda externa de estabelecimentos penais e para atuar em eventos de baixo potencial de risco, como estádios de futebol, shows musicais e atividades culturais.

Para Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, coordenador do PPG em Ciências Sociais da PUCRS e especialista em segurança, esta é uma ideia “absolutamente descabida”. “A preparação para o serviço militar não tem nenhuma relação com a segurança pública. Inclusive, a preparação no Exército é muito precária para ingressantes do serviço militar obrigatório, incluindo em termos de aulas de tiro”, diz. “É bastante preocupante que tenha se chegado nesse ponto. É quase uma medida desesperada do governo que tenta encontrar uma resposta para uma sociedade acuada, mas não me parece a melhor solução para resolver o problema”, diz.

Para Azevedo, uma solução mais plausível seria a convocação de agentes da Força Nacional. “São pessoas que têm uma formação em segurança. A Força Nacional prepara os indivíduos com uma formação bastante ampla”, diz.

Azevedo afirma que, além da falta de efetivo da BM, outra situação que precisa ser enfrentada pelo governo é a questão do sistema prisional, que se encontra superlotado e dominado por facções, segundo o professor. Além dos 2 mil policiais militares e de 650 policiais civis, 500 aprovados em concurso para a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) aguardam convocação.

Rodrigo Azevedo
Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo diz que solução é descabida  | Foto: Divulgação

“Eu acho que o que fica é que a situação da segurança pública no RS é bastante grave neste momento. Os dados confirmam que não temos apenas uma sensação de insegurança, essa sensação é de alguma forma produzida pelo aumento da criminalidade e há vários pontos que precisam ser enfrentados”, diz o professor.

A ideia também é criticada por representantes sindicais da Polícia Militar. “Nós da Abamf tomamos a posição de que isso é absurdamente absurdo. Para ser PM e trabalhar na atividade-fim de segurança pública do cidadão precisa ter qualificação, ser formado para isso. Precisa ter uma carreira. Utilizar egressos do serviço militar é tentar tapar uma cratera com cuspe”, diz Ricardo Agra, secretário-geral da Associação Beneficente Antônio Mendes Filho (Abamf), entidade que representa os servidores de nível médio da BM.

Segundo Agra, o curso de formação da Polícia Militar tem duração mínima de nove meses. Além disso, ao longo de sua carreira, um policial militar passa por ao menos 10 cursos de especialização. “Como é que nós vamos entregar a segurança do cidadão gaúcho para pessoas que vieram do serviço militar, com experiência de guerra e não de policiamento?”, questiona Agra.

A Abamf defende que os aprovados em concursos sejam convocados e que o Estado retome o pagamento das horas extras. “Aí o problema de falta de efetivo some”, diz Agra.

Caso essa ideia de contratação de PMs temporários venha a ser transformada em projeto, a Abamf promete realizar manifestações e não descarta, inclusive, ações de aquartelamento em protesto. Desde novembro passado, a entidade já tem uma ação na Justiça em que solicita a contratação dos aprovados em concursos. “Vamos tentar barrar esse processo tanto judicialmente quanto politicamente”, diz.

Já o deputado estadual Gabriel Souza, líder da bancada do PMDB na Assembleia Legislativa, vê com bons olhos a ideia. “A gente vê com bons olhos na Assembleia. É uma ideia que vem a somar. Dá uma resposta rápida à sociedade, ajuda a atenuar frente às dificuldades financeiras do Estado”, afirmou. No entanto, ele salienta que essa informação não foi confirmada pelo Palácio Piratini.

Presidente da CCJ, deputado Gabriel Souza disse que não um estudo técnico para saber se a medida é boa ou não para o Estado|Foto: Guilherme Santos/Sul21
Gabriel Souza vê com bons olhos a ideia |Foto: Guilherme Santos/Sul21

Souza lembrou que, em razão da queda na arrecadação, do crescimento vegetativo da folha de pagamento e dos reajustes da Segurança Pública concedidos no governo Tarso Genro e pagos a partir do ano passado, os gastos do Estado com pessoal estão em 49,18% de todo o custeio do Estado, o que supera o limite de 49% imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal federal. Com isso, estaria impossibilitada a contratação dos aprovados em concursos. “Todo esse cenário faz com que essa proposta seja uma boa solução”, diz.

Pompeo de Mattos lembra ainda que o governo estaria impossibilitado de contratar novos servidores em razão de não ter regulamentado o novo regime de previdência complementar do Estado, aprovado em setembro do ano passado.

“O Estado criou uma nova lei de previdência complementar e qualquer servidor que entrar no Estado tem que se adequar a ela. Normalmente, para implementar isso leva um ano, mas o governo diz que até maio ou junho deve estar implementado. Então, depois disso pode se pensar em nomear concursados”, afirma o deputado federal. “Mas, como a questão é permanente, urgente, então em caráter de emergência podem ser contratados PMs temporários”, pondera Pompeo de Mattos.

Em relação às críticas de que os egressos do serviço militar não teriam treinamento adequado para atuar no policiamento ostensivo, o deputado Gabriel Souza sugere que eles poderiam ser alocados em funções administrativas, o que liberaria os policiais militares que exercem estas funções atualmente para o policiamento ostensivo.

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Marcos Rolim diz que problema de efetivo vai além da contratação de servidores | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Só contratar mais policiais não resolve

Por outro lado, Marcos Rolim, jornalista, sociólogo e membro fundador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que o problema da falta de efetivo nas polícias não pode ser resolvido apenas com a convocação dos aprovados em concurso. “O problema central da falta de policiais, especialmente da PM, é um problema que tem relação com a ausência de planos de carreira”, diz Rolim.

De acordo com o sociólogo, o fato de policiais civis e militares que ocupam posições subordinadas não terem a possibilidade de progredir naturalmente para postos de comando nas duas forças, precisando fazer novos concursos ou receberem indicação política, estimula muitos agentes a mudar de carreira quando oportunidades melhores aparecem. “Em todas as policias modernas do mundo, existe a carreira única. Tu entra na polícia, em geral em uma posição mais básica de patrulhamento, e, na medida que é um bom policial, vai subindo na carreira”, explica.

Rolim afirma que essa medida poderia ser adotada por qualquer Estado, uma vez que a separação entre as carreiras não está estipulada pela Constituição. No entanto, no Brasil, apenas o Estado do Acre conta com uma carreira unificada para subordinados e oficiais. “Resolver o problema de efetivo contratando policiais não resolve. Tu estás só jogando o problema com a barriga. O problema é que grande parte dos policias não ficam nas polícias por falta de carreira”, diz. “Se quiser enfrentar um problema da falta de policiais, é preciso reformar a estrutura, não fazer um puxadinho”, complementa.

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