‘Quais são as propostas do governo Sartori para a Segurança Pública?’

17/02/2016 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Entrevista com o presidente da Ajuris, Gilberto Schäfer. | Foto: Joana Berwanger/Sul21
17/02/2016 – PORTO ALEGRE, RS, BRASIL – Entrevista com o presidente da Ajuris, Gilberto Schäfer. | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Com a crise de Segurança Pública tomando conta do noticiário gaúcho desde o ano passado, muitas alternativas e responsabilidades pela escalada da violência, ou ao menos da sensação de insegurança vivenciada pela população gaúcha, têm sido discutidas. No início do mês, uma discussão pública entre o ex-Chefe de Polícia do Estado, Guilherme Wondracek, e o presidente da Associação dos Juízes do RS (Ajuris), Gilberto Schäfer, trouxe para o debate a (in)eficiência dos sistemas de punição e investigação a criminosos.

Em entrevista ao Sul21, Schäfer volta a negar que a culpa pelo aumento da criminalidade esteja ligada a uma suposta leniência do Poder Judiciário, configurada no chamado “prende e solta” de criminosos. Para ele, o problema está muito mais ligada às precárias condições das penitenciárias do Estado, segundo ele, abandonadas para serem “administradas” por facções criminosas, e à falta de investimento público em Segurança Pública. Ele afirma que, assim como nas áreas da Saúde e da Educação, a União deveria ter uma participação maior no financiamento de políticas públicas para a área.

Por outro lado, o presidente da Ajuris critica as políticas de redução do tamanho do Estado e de cortes de investimentos do governo de José Ivo Sartori e afirma que elas têm impactado tanto na questão da Segurança Pública quanto no trabalho do Judiciário. Além disso, ele cobra que, passado o primeiro ano de gestão, o governador Sartori apresente propostas para resolver a crise de segurança, o que considera que não foi feito até o momento. Confira a entrevista na íntegra a seguir.

Sul21 – Recentemente, houve uma discussão pública entre o senhor e o ex-Chefe de Polícia do Estado, Guilherme Wondracek, sobre a responsabilidade pela crise de segurança no Estado. Ele responsabilizou o Poder Judiciário pelo chamado ‘prende e solta’. Como o senhor avalia essa questão e quais são os principais problemas enfrentados pelo Estado na área de segurança?

Gilberto Schäfer: Bom, primeiro eu acho que o problema da Segurança Pública, em si, é um problema bastante complexo. Depende de uma série de questões. Quando nós emitimos a nota (em resposta à Wondracek), fizemos isso pensando justamente na questão de esclarecer qual é a função do judiciário dentro do sistema, que é uma função de controle. E a função de controle é dar a palavra sobre a prisão, se a pessoa vai continuar presa quando há o flagrante, se ela deve ser presa quando há o pedido de preventiva.

Então, o primeiro momento foi de esclarecer e entender que nós devemos ter o cuidado, principalmente quando se trata de pessoas que têm proeminência na chefia, de evitar essas declarações públicas que criem esse constrangimento. Nós entendemos que nesse processo descabia simplesmente dar eco a essa questão do prende e solta, porque isso é uma pauta do senso comum. Evidente que existem juízes que prendem mais, que são mais rígidos, e há juízes que são um pouco mais liberais, é assim que ocorre o sistema. Por outro lado, a gente entende que vivemos numa situação muito ruim, no Estado e no Brasil de modo geral, mas no Estado isso está, digamos assim, agudizado. Uma situação de falta de serviço público. E a segurança pública é um serviço essencial e eu diria, de um ponto de vista teórico, que sem segurança pública não há sequer condições de exercício dos outros direitos fundamentais, dos outros direitos humanos.

A gente não pode pensar num estado democrático de direito sem pensar nessa situação da segurança. Como ela é uma questão fundamental e vamos dizer assim, está faltando uma estruturação por parte do próprio governo e dar condições para que isso seja exercido, nós pensamos que precisamos ao máximo ser propositivos e dialogar com os órgãos que estão envolvidos nesse sistema de justiça.

Sul21 – Com frequência se fala que o grande problema da Segurança Pública é a falta de coordenação entre os diversos órgãos. A própria Polícia Civil e Polícia Militar têm dificuldades de coordenação e também existiria entre o próprio governo, as políticas de governo e a justiça. Na sua avaliação, quais são as dificuldades e como se resolve esse problema?

GS: Eu acho que a gente resolve começando a dialogar e a diagnosticar. Por iniciativa da nossa associação e dos delegados de polícia, nós pensamos em criar um grupo de trabalho, justamente para ver quais são as questões mais imediatas. Nós somos especialistas nas duas áreas, delegados de polícia, juízes, desembargadores que podem contribuir, então nós vamos criar um grupo de trabalho justamente para ver o que nós temos em comum que possamos contribuir, seja do ponto de vista administrativo, seja do ponto de vista reivindicatório e seja do ponto de vista de reformas na legislação.

Nós precisamos de diagnóstico, mas eu acho que nós temos um problema central, que nós temos batido muito nessa questão, porque é um problema que aflige e que afeta a questão da segurança, que é a questão prisional. Grande parte dos problemas aqui do nosso Estado estão ligados à questão prisional. A superlotação do presídio central é um problema que tem que ser resolvido. E, veja, nós temos que criar as vagas, mas não basta criar novas vagas, jogar os presos nas galerias e dar a administração para as facções, onde elas articulam as suas tarefas e se organizam. Nós estamos muitos preocupados com essa questão. A falta de vagas chegou a tal ponto que pela primeira vez no estado do Rio Grande do Sul nós temos presos novamente em delegacias de polícia e isso afeta a dignidade e complica o sistema como um todo, inclusive esse sistema de persecução criminal.

17/02/2016 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Entrevista com o presidente da Ajuris, Gilberto Schäfer. | Foto: Joana Berwanger/Sul21
Schäfer critica o argumento de que a crise de segurança esteja relacionada ao ‘prende e solta’ | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Sul21 – De que maneira essa falta de vagas, o fato de ter presos nas delegacias afeta também o julgamento dos juízes. De que maneira isso não leva os juízes a pensar ‘eu não tenho como prender ele’?

GS: Talvez ele não afete o julgamento do processo, mas afeta o sistema de um modo geral, porque ele aumenta a criminalidade. Então, eu acho que essa é a principal questão. Na medida que você não tem como colocar os presos pra dentro, você tem uma afetação. Agora, o julgamento em si depende de outros fatores, inclusive de examinar pra ver se há provas da conduta, se não há provas, da interpretação da lei penal. Mas no sistema de segurança, sim, tem uma afetação, porque, se você não tem onde botar o preso, você tem um grave problema. Se aquele preso dali a pouco está reincidindo novamente por uma falta de política de ressocialização, você tem um grave problema. E aí para cada vez que você tem um caso de reincidência, você precisa ter uma instrução, um inquérito, precisa ter toda uma atividade, do ponto de vista administrativo e judicial. Nós estamos batendo nisso por quê? Se você não tem vagas nos regimes aberto e semi-aberto, o que acaba ocorrendo com o tempo? Esse preso acaba sendo liberado e aí vai para casa sem vigilância. Hoje nós temos 500 presos, e isso é importante ser exemplificado, aqui na Região Metropolitana, que se apresentam semanalmente à Susepe (Superintendência dos Serviços Penitenciários do RS) buscando vagas para cumprir pena no semiaberto e eles estão sem a devida vigilância. Nós já temos presos que deveriam estar com a tornozeleira e não tem tornozeleira eletrônica, que é uma forma que se encontrou de, digamos assim, de controlar esses presos através desse sistema. Não evita que eles reincidam, mas há um controle maior. A crise do Estado e a falta de política pública nesse sentido tem levado esses presos a ficar sem as tornozeleiras porque, por exemplo, não se pagou o fornecedor, porque tem atraso.

Sul21 – (A crise) afeta todos os regimes, não só a própria superlotação das cadeias? A questão da progressão de pena é dificultada?

GS: Exato. E isso acaba afetando o sistema. E aqui tem uma questão que, desde o começo dessa representação do presídio central, nós estamos chamando a atenção, que é o papel que a União tem que ter nesse processo. A União tem que ser mais protagonista nesse momento, porque é quase um pedido de socorro dos estados para que o ente federal dê estrutura. Se não nós não vamos ter um sistema de segurança melhor.

Sul21 – O secretário de segurança Wantuir Jacini já afirmou que uma das grandes dificuldades para a Segurança Pública e para a existência de politicas continuadas na área é o fato de não existir uma politica federal, com fluxo de recursos constantes da União. O senhor acha que a existências de políticas continuadas passa justamente por uma politica federal que vá além de disputas estaduais?

GS: Eu acho que, pela forma que como é hoje dividido o bolo orçamentário e o sistema de arrecadação, a União tem o dever de participar sim. Se fosse num sistema federativamente mais justo, eu diria o contrário, seria uma política a ser exercida pelo Estado. Mas, da forma como a União centralizou os recursos e as verbas, ela deve exercer um papel muito maior nesse sistema. E se esse sistema está afetando a cidadania de tal forma, então também a União tem que dar um apoio, a União tem o dever. Mas não basta a União exigir pequenos projetos, a União tem que ser mais propositiva nesse sistema. Então, eu volto a insistir: nesse momento, nós exigimos que a União participe mais do processo, porque ela tem arrecadado uma boa parte das verbas dos estados. E aí uma das questões que se voltam é o comprometimento que nós temos com a federalização da dívida com a União e isso também leva em parte recursos que seriam importantes para serem investidos no setor.

Por outro lado, eu acho que o desafio do governo, e a gente espera que o Executivo estadual faça isso, é ter uma política mais clara. Afinal de contas, qual é a política do executivo para a área de segurança? Nós temos um problema de caixa, um problema fiscal, isso o executivo está dizendo há um bom tempo, mas como diz o presidente do Tribunal de Justiça, Luiz Felipe Silveira Difini, isso não pode ser programa de governo. Quais são as propostas e onde efetivamente se deseja atacar? E, aí, vai de certa forma uma esperança no próprio discurso do novo Chefe de Polícia, Emerson Wendt, no sentido de apontar que, apesar da crise, ele vai apresentar algumas propostas. Nós esperamos que isso venha, que venha da Secretaria de Segurança, e que se apresente propostas para a sociedade. Aí era o nosso ponto de discordância, quando o governo se sentiu pressionado, ele começou a buscar quem não tinha responsabilidade no processo, que era o Poder Judiciário.

17/02/2016 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Entrevista com o presidente da Ajuris, Gilberto Schäfer. | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Sul21 – O senhor acha que o governo buscou culpar o judiciário porque falta a ele uma política de segurança?

GS: Olha, em algum momento nos pareceu isso, nos pareceu que isso poderia estar ocorrendo. Qual é a nossa questão: nós queremos que o governo apresente uma política de segurança que não se renda a esse discurso fácil. Então, isso nos pareceu que foi uma possibilidade. Como eu espero que essa não seja a possibilidade real, eu digo que estou esperando por parte do governo que apresente para a sociedade quais são os pontos de enfrentamento, como é que ele pretende melhorar o sistema de segurança pública.

Sul21 – O senhor acha que o governo não deveria ter feito isso lá atrás, quando assumiu no ano passado?

GS: Eu acho que quando essa proposta vier, ela tem que ser debatida. Se não foi feito naquele momento, ainda está em tempo, porque serão três anos de governo.

Sul21 – Falando das desavenças da magistratura com o governo. No final do ano passado, ex-presidente do TJ, o desembargado José Aquino Flôres de Camargo escreveu uma carta criticando o governo. Tem também a questão do reajuste dos servidores do Judiciário que não foi concedido. Essa relação está de fato atribulada?

GS: O que que nós achamos: o judiciário, há muito tempo, tem uma preocupação muito grande com o gerenciamento. O judiciário e os órgãos autônomos. O Executivo, vamos dizer assim, não fez vários temas de casa que deveriam ter sido feitos e nós entendemos que o judiciário, que é reconhecido no plano nacional pela produtividade, pela excelência, decisões vanguardistas como é o nosso caso, ele também tem que receber um tratamento que está à altura da tarefa desempenhada. Então, a gente entende que a reposição dessa inflação pelos nossos servidores, isso é o mínimo que se pode dar. Se olharmos esse retrospecto recente, nós vamos ver que o judiciário, em primeiro lugar, abriu mão de uma boa parte da taxa dos spreads dos depósitos judiciais para contribuir com o próprio governo. Então, nós achamos que sim, que diante desse contexto, se deveria ter essa atitude.

Eu acho que tem uma questão que nós, da associação, não somos adeptos do estado minimo. Nós entendemos que nesse sistema brasileiro, o estado tem uma tarefa essencial e por isso nós lutamos para que possa desempenhar tarefas que possam fornecer para os cidadãos os serviços públicos. E nós, evidentemente, achamos que, dentro desses serviços públicos, está o oficio de prestação da Justiça, que é um serviço que se coloca à disposição do cidadão.

Sul21 – O senhor acha que as políticas do atual governo são direcionadas para o Estado mínimo, para a precarização do serviço público?

GS: Eu acho que, em geral, o governo tem um direcionamento que vai sim próximo à construção de um estado menor. Sem sombra de dúvida. Isso não quer dizer que o governo não possa apresentar privatizações de setores que talvez não interessem, mas tudo isso tem que ser discutido com a sociedade.

Sul21 – E quais podem ser as consequências dessas políticas?

GS: Pegando exemplos. Tem setores que precisam de investimento, de motivação, de respeito remuneratório. As consequências podem ser muito ruins para o futuro. Vejam, hoje não há um aspecto estratégico dentro do sistema de mercado que não tenha alguma ligação com o estado de modo geral. Desde um licenciamento de uma grande obra e, às vezes, até de uma pequena obra. Desde a questão do serviço da educação, que todos nós somos unânimes que tem que ser melhorado. Desde o serviço de saúde, que é uma questão inerente ao próprio direito à vida com dignidade. Então, se você desconstrói, ou se você retrocede muito, vai demorar muitos anos para recuperar. Nós vemos com muita preocupação esse andamento e aí nós entendemos que realmente precisa haver aí uma compreensão da União com os estados membros, porque os estados membros realizam grande parte dos serviços públicos, na medida em que, eu volto frisar, a União arrecada muito no bolo tributário.

17/02/2016 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Entrevista com o presidente da Ajuris, Gilberto Schäfer. | Foto: Joana Berwanger/Sul21
Magistrado diz que Ajuris não defende políticas de estado mínimo | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Sul21 – Na questão de contingenciamento de gastos. O governo Sartori considera que um dos principais projetos aprovados ano passado na Assembleia foi a Lei de Responsabilidade Fiscal estadual. Muitos servidores dizem que esse projeto é desnecessário porque já existe uma lei federal impondo limites de gastos, o que já seria suficiente. Qual é a posição da Ajuris sobre a lei e se a entidade pensa em questionar ela na Justiça?

GS: Em primeiro lugar, eu acho que o modelo da lei não pensa em melhorar a arrecadação, isso é uma questão muito importante. Ela não pensa em melhorar a própria administração, você ter uma otimização dos serviços administrativos. Então, a própria ideologia, é uma ideologia unicamente da redução das despesas. Por outro lado, eu acho que é importante nós pensarmos que o grande fórum das discussões orçamentárias deva ser o Parlamento, porque é ele, em última palavra, que vai fazer a mediação entre os diversos setores. Quando você permite aos entes federados, como o Estado do RS, que façam leis muito mais rígidas que a lei federal, você começa a inibir o espaço de autonomia como é o espaço do Poder Judiciário. Veja, no sistema orçamentário, administrativo, por que o Judiciário tem autonomia? Porque ele, na verdade, tem a menor parte do gerenciamento. Se você não garante essa autonomia, em pouco tempo você não garantirá a independência do poder Judiciário.

Eu me recordo que há pouco tempo assisti uma palestra de uma juíza argentina e ela narrou uma situação que estava ocorrendo na Argentina. Chegava próximo do dia 20 e não havia mais papel para prolatar as sentenças e que um pouco era em decorrência de que um determinado ente político estaria insatisfeito com decisões judiciais. Evidente, esse é um caso digamos que a própria Argentina possa ter superado, mas é um caso de caricatura desse sistema. A ideia de autonomia é justamente isso. Pode não tomar a decisão, mas pode dizer: ‘bem, você não pode investir nisso, não pode investir naquilo’.

Então, essa questão de autonomia, é uma questão central, para o Poder Judiciário e, nessa medida, essa lei de responsabilidade fiscal estadual, no nosso sentir, é inconstitucional, porque ela viola justamente a autonomia do Poder Judiciário e nós pretendemos sim tomar providências. O primeiro passo foi, juntamente com outras associações que representam segmentos que têm autonomia, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o próprio Tribunal de Contas, as associações representativas desses órgãos, nós representamos ao procurador-geral de Justiça para que faça um estudo para ajuizar, se ele entender assim cabível, uma ação direta de inconstitucionalidade para buscar declarar inconstitucional essa lei. Nós achamos que, talvez antes de ferir a nossa autonomia, ela fere a própria autonomia do Poder Legislativo, que é onde essa discussão tem que ser feita. Aí a pergunta é, como fere essa autonomia do Legislativo? Fere porque tu antecipa, tu diz que sequer pode enviar uma proposta se não satisfeita aquelas condições, se o cálculo não for realizado dessa ou daquela fórmula, por isso a nossa inconformidade nesse sentido.

Sul21 – Uma questão que o senhor abordou antes foi a dívida do Estado com a União. O estado ajuizou uma ação nesta semana. O senhor acha que é possível que haja uma decisão judicial no sentido de determinar uma revisão dessa dívida? Seria por aí que o Estado deveria tentar contornar seus problemas financeiros?

GS: Eu acho que é uma possibilidade sim, mas, antes de mais nada, eu confiaria em uma atuação política. A União tem que perceber que ela não pode matar os estados membros sob pena de matar o sentido de Estado no Brasil. Eu ainda, apesar de ter sido feita essa nova lei que melhorou, diminuiu os juros, definiu outro índice de correção, entendo que é preciso um pouco mais. Vamos dizer assim, do ponto de vista da União, pode até se entender que a União queira dar respostas de ajuste fiscal para os investidores, para o mercado, para o sistema financeiro. Mas aí qual é o problema? Nós estamos matando o sentido de Estado, que é de realizar um serviço público eficiente. A questão da dívida, há uma postulação de revisão, uma postulação de alguns até pela auditoria, mas eu acho que, antes de mais nada, é preciso dar uma saída política para essa questão, uma saída política que não mate a própria função estatal.

17/02/2016 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Entrevista com o presidente da Ajuris, Gilberto Schäfer. | Foto: Joana Berwanger/Sul21
Schäfer defende o auxílio-moradia pago aos juízes do Estado  | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Sul21 – Para finalizar, o seu antecessor, Eugênio Terra, defendeu que o auxílio-moradia era essencial na questão da competitividade do Poder Judiciário entre os estados. Se o RS fosse o único que não pagasse, perderia seus melhores quadros. Qual é a sua opinião sobre o auxílio-moradia (R$ 4,3 mil mensais)? O senhor não acha que, diante do quadro de crise econômica, tanto federal quanto estadual, ele é exagerado?

GS: Desde o primeiro momento, a posição da associação tem sido uma só: no sentido da isonomia entre o Poder Judiciário. Eu disse no meu discurso de posse que nós não podemos admitir que o meu colega aqui da Justiça do Trabalho, ou o meu colega aqui da frente da Justiça Federal receba um valor maior pelo mesmo serviço que presta. Nós já temos algumas diferenças importantes, ainda ganhamos diferente, mas a questão da isonomia é essencial para nós no serviço judiciário. Desde que foi implantado, a partir de Emenda Constitucional 45, através do Conselho Nacional de Justiça – aliás, é preciso que se diga que nós aqui da associação sempre vimos com uma restrição muito grande e sempre empunhamos a bandeira da não criação desse órgão, porque ela representaria uma unificação -, foi constituído um sistema nacional unificado e a remuneração também passou por essa unificação. Nesse sentido, a nossa atuação é: nós não queremos nada diferente do que ganham os nossos colegas. Vamos lutar sempre para que isso esteja de acordo.

Mas, uma luta, uma bandeira histórica nossa, é a luta pela construção do adicional por tempo de serviço, que chamam de VTM, porque nós, diferente de outros agentes de poder, leia-se os deputados e o governador, formamos uma carreira. Não existe, por óbvio, carreira de governador, de deputado. Deputados se elegem, alguns conseguem sempre passar pelo escrutínio severo das eleições e até se eleger para mais de um mandato, mas ele não tem uma carreira. Agora, quando nós iniciamos na magistratura, vamos até a aposentadoria sendo magistrados. É importante termos a valorização desse tempo através de uma remuneração, que é justa, que muitos servidores aqui no RS recebem. Eles vão ficando experientes, vão recebendo um adicional. Essa é nossa grande reivindicação. Se, num futuro, alguma coisa tiver quer ser pensada, nós entendemos que tem que ser pensada em cima do adicional por tempo de serviço.

Sul21 – Mas não seria exagerado na comparação com outros órgãos, visto que a maioria dos servidores do Estado ganham abaixo do auxílio-moradia dos juízes?

GS: Isso demonstra como o Estado vai ter que fazer uma construção mais eficiente do serviço público, porque esses servidores realmente estão ganhando valores muito abaixo do que se esperaria. Por outro lado, a nossa compreensão é de que a gente tem responsabilidades que são só nossas e nesse sistema a remuneração é uma forma de dar essa garantia, de dar esse suporte de acordo com as nossas responsabilidades.

SUL21