ZERO HORA: Queda nos indicadores de resultados de 2015 e encolhimento de efetivo desafiam a Brigada Militar e a Polícia Civil

17873136Segundo dados oficiais, número de veículos abordados é o menor da série histórica, iniciada em 2007. Prisões pela BM diminuíram 17,7% em relação a 2014

Indicadores de repressão à criminalidade registrados em 2015 revelam uma queda — brusca em alguns casos — de eficiência tanto da Brigada Militar (BM) quanto da Polícia Civil no combate à violência no Rio Grande do Sul.

A redução de 74,3% na fiscalização de veículos no ano passado em relação a 2007 e de 77,8% na comparação com 2008, por exemplo, dão contornos visíveis à sensação de insegurança percebida no Estado nos últimos anos. Afinal, os 4.318.755 veículos inspecionados em 2015 representam o menor número da série histórica disponível no site da Secretaria da Segurança Pública (SSP), com dados a partir de 2007. Essa redução das abordagens ocorreu de forma paralela ao aumento da frota e ao salto dos roubos e furtos de veículos, em ascensão desde 2010.

Somente em 2015, como mostrou a reportagem de ZH no dia 10 deste mês, 38,5 mil veículos foram levados por bandidos, quase 7 mil a mais do que os 32.722 do ano anterior — alta de 31,8%. Em contrapartida, o número de prisões feitas pela BM tem despencado desde 2014 — no ano passado, chegou ao terceiro pior índice da série, superando apenas o número de detenções em 2007 e 2008. Em relação a 2014, houve em 2015 redução de 17,72% das prisões.

Balizadora da eficiência da Polícia Civil, a quantidade de inquéritos remetidos à Justiça aumentou no ano passado frente ao ano anterior. Os 178,9 mil processos encaminhados, porém, formam o segundo pior índice de produtividade da série, 20,42% abaixo de 2010, quando houve o recorde de investigações remetidas — 224,8 mil. Quando se fala em aplicação de termos circunstanciados, nunca se teve um número tão baixo como o registrado no ano passado (140,3 mil).

Em mensagem enviada à Assembleia Legislativa por ocasião do início dos trabalhados na Casa, o governador José Ivo Sartori ressaltou números de prisões realizadas, veículos fiscalizados, termos circunstanciados e inquéritos remetidos em seu primeiro ano de governo.

Isolados, os números acima da linha dos milhares, com dados parciais de 2015 — o que não foi mencionado em momento algum no documento —, não representavam a realidade de crise na segurança, escancarada diante da comparação com os anos anteriores.

Baixa na abordagem de veículos reflete menor ação preventiva

Para Charles Kieling, cientista social e professor do curso superior de Tecnologia em Segurança Pública da Universidade Feevale, o retrocesso das ações das polícias no último ano frente à escalada da violência reflete diretamente no comportamento da sociedade, que passa a querer, ela própria, tentar fazer justiça:

— Está surgindo uma cultura de justiça com as próprias mãos, justamente porque a polícia não está conseguindo dar resposta satisfatória. A sociedade, refém e cada vez mais acuada, começa a agir.

Kieling avalia que, devido à diminuição do efetivo, do volume de horas extras concedidas às polícias e, consequentemente, das abordagens, as facções percebem o ambiente favorável e começam a atuar de forma mais agressiva.

Entre os índices em baixa, a queda brusca nas abordagens a veículos é o fator que mais causa inquietação na professora do Departamento de Sociologia da UFRGS Letícia Maria Schabbach, integrante do grupo de pesquisa Violência e Cidadania, da mesma universidade:

— A queda no número de veículos fiscalizados é um indicador preocupante, pois revela menor presença da polícia, especialmente na atuação preventiva.

O déficit na BM, responsável pelo policiamento ostensivo, atingiu recorde negativo histórico em 2015. A tropa tem hoje cerca de 19,1 mil policiais militares (PMs), quando o previsto em lei são 32,4 mil — não está incluído o número de bombeiros. O contingente total (21,4 mil somando PMs e bombeiros) é o menor desde 1982, quando era de 20.207.

A professora acredita que o aumento dos furtos e roubos de veículos não esteja atrelado apenas à redução das abordagens. Para a especialista, o combate a esses crimes necessita do aprimoramento na investigações das quadrilhas especializadas nesse tipo de delito.

SSP aposta em mudança estratégica frente ao déficit de contingente

Mudança estratégica de postura é a explicação dada pelo diretor de Gestão Estratégica da Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Estado para a diminuição dos índices de eficiência das polícias

Crise na Segurança/

Uma mudança estratégica de postura é a explicação dada pelo diretor de Gestão Estratégica da Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Estado, tenente-coronel Luiz Dulinski Porto, para a diminuição dos índices de eficiência das polícias.

— Baixaram as prisões totais, mas aumentaram aquelas feitas em flagrante (alta de 3,9% em relação a 2014), pois estamos focando menos em ocorrências de menor potencial ofensivo e mais no crime organizado. Nosso esforço está todo em investigações, operações e prisões em flagrante. Um bom exemplo é a ofensiva contra os desmanches, realizada recentemente. Não adianta abordar carros, mas, sim, acabar com o ciclo do comércio ilegal. E isso vai acontecer cada vez mais — garante Porto.

BMG

Quanto ao efetivo da BM — o menor em três décadas — a SSP, embora reconheça a defasagem, acredita estar conseguindo contornar a situação.

— A parte ordinária, essencial, de policiamento ostensivo, não tem sido afetada. Por isso, não acreditamos que a falta de policiais seja algo extremamente relevante — acrescenta Porto.

Reforçando a tese da SSP, o chefe da Polícia Civil, delegado Emerson Wendt, aposta em novas táticas de repressão ao crime. Seguindo o lema de fazer o melhor possível com o que se tem à disposição, Wendt explica que está focado na contenção dos crimes contra o patrimônio — principalmente roubo de veículos — além de reanalisar os procedimentos de combate aos homicídios e intensificar a ofensiva à lavagem de dinheiro. Com essa orientação, diz Wendt, é “plenamente possível” driblar a defasagem de policiais.

Procurado, o comandante-geral da Brigada Militar, coronel Alfeu Moreira, não quis comentar o recorde negativo na fiscalização de veículos e a queda no número de prisões realizadas pela corporação.

Como driblar o problema crônico da falta de pessoal

A redução das horas extras e o encolhimento do quadro de servidores têm sido citados exaustivamente por entidades e órgãos ligados à segurança pública na tentativa de explicar a disparada da violência no Estado.

Embora a SSP não considere a falta de policiais “extremamente relevante” para impacto negativo no policiamento, especialistas consideram essencial elevar a presença policial nas ruas para amenizar a sensação de insegurança da população. Com a Brigada Militar amargando a menor tropa em 33 anos e falta de perspectivas para convocação de 2,5 mil aprovados em concurso, a tarefa de contornar o problema crônico da falta de efetivo é complexa.

ZH ouviu especialistas e entidades que representam servidores da área de segurança em busca de soluções possíveis diante da crise atual.

Tem de colocar mais policiais na rua. Claro que a retaguarda é importante e que precisamos de pessoas fazendo serviços burocráticos, mas aumentar a quantidade de policiais na rua é necessário neste momento. Isso se faz com mapeamento dos desvios de função. Além disso, segurança pública não é só questão de polícia. As prefeituras são importantes para elaborar projetos de prevenção à criminalidade. Segurança pública envolve programas sociais e órgãos de saúde e de educação. Se faz necessário maior integração entre o Ministério Público, judiciário e polícias.”
Letícia Maria Schabbach
Professora da UFRGS

É preciso incentivar quem está na Brigada Militar. Se não houver as promoções internas previstas para abril, por exemplo, muitos policiais vão embora, arrumar outro serviço. Também é preciso planejamento, traçar boas estratégias, o que não se faz hoje. Não há material humano e nem investimento em equipamentos. Os PMs trabalham com viaturas precárias, coletes ruins, sem armamento adequado. Além disso, a BM tem 350 brigadianos em serviços internos que estão loucos e aptos para sair às ruas, e o governo não libera. Isso representa um batalhão inteiro trancado.
Leonel Lucas
Presidente da associação de cabos e soldados da BM

Não tem como aumentar o efetivo, mas tem como organizar as pessoas para entenderem a sua própria comunidade e promoverem a mudança. É preciso desenvolver ações dentro das escolas e, para isso, os órgãos de segurança têm de conversar, mapear os tipos de violência existentes naquela região. Um sistema de segurança deve integrar-se nas atividades educativas. Isso não tem custo adicional, pois se faz processo de gestão com pessoas que atuam em suas próprias atividades.
Charles Kieling
Professor do curso superior de Tecnologia em Segurança Pública da Universidade Feevale

Não tem milagre na segurança pública. Não existe isso de fazer mais com menos. Ou investe constantemente, ou o resultado é essa explosão de criminalidade que estamos vendo. Se não repor o efetivo, não tem como melhorar, não tem como trabalhar. Por mais que os policiais se doem, é preciso investir. Não tem outra saída, garanto. Hoje, se tem 5,2 mil policiais civis (o ideal seria 50% a mais) a menos do que se tinha em 1985. Em 1994, por exemplo, eram 6,4 mil.”
Isaac Delivan Lopes Ortiz
Presidente do Sindicato dos Escrivães, Inspetores e Investigadores de Polícia do RS (Ugeirm)

 

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