Novo Corpo de Bombeiros nasce com efetivo pela metade

Em Viamão, com área territorial maior do que a da Capital, único caminhão está com vazamento e foi substituído por outro menor Foto: Anderson Fetter / Agencia RBS
Em Viamão, com área territorial maior do que a da Capital, único caminhão está com vazamento e foi substituído por outro menor
Foto: Anderson Fetter / Agencia RBS

Separação da BM, que deve ocorrer até julho, expõe déficit de 50,5% no efetivo, com 2,3 mil homens para 4.644 previstos

Pobres, mas confiantes. Assim os bombeiros gaúchos se definem, às vésperas da sonhada autonomia, que deve ocorrer ainda neste semestre. A separação do Corpo de Bombeiros em relação à Brigada Militar (BM) tem como data-limite 2 de julho, mas pode ocorrer antes. O renascimento da centenária instituição de combate ao fogo, enquanto força própria, enfrenta, de saída, um problema: o efetivo de 2,3 mil servidores é 49,5% do previsto em lei (4.644) para o Rio Grande do Sul. Fosse seguida recomendação das Nações Unidas de um bombeiro para cada mil habitantes, o contingente deveria ser pelo menos quatro vezes maior.

Na BM, a separação deve provocar alteração na lei que prevê efetivo total de 37 mil homens, incluíndo bombeiros – uma vez que a Brigada perde a missão de combate ao fogo. Assim, descontados os 4,6 mil bombeiros previstos na lei, o número fixado como ideal à BM deve ficar em 32,4 mil policiais – hoje, sem bombeiros, há 19,1 mil.

Da mesma forma que para o policiamento, efetivo é vital para viabilizar segurança contra incêndios, especialmente no Interior. Das 497 cidades do Estado, só 96 têm equipes de bombeiros da BM.

– Quando ocorre incêndio em cidade pequena, resta conter para não se espalhar. É impossível salvar a residência ou o prédio, porque a ajuda tem de vir de fora – descreve Ubirajara Pereira Ramos, o Bira, presidente da Associação de Bombeiros do Estado.

Outro problema é a prevenção. Após o incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, cresceu a demanda por vistorias de prédios, mas o número de bombeiros é o mesmo. O resultado é que a espera pela visita técnica pode levar três meses.

O comandante-geral dos bombeiros, tenente-coronel Adriano Krukoski, admite a deficiência:

– Cada servidor trabalha por dois – resume o oficial.

Orçamento próprio traz esperança de melhorias

Mas o comandante está otimista: uma das regras vinculadas à separação dos bombeiros, a ser votada pelo Legislativo, prevê crescimento de 10% do contingente a cada ano, o que permitiria chegar ao número ideal de servidores na corporação em uma década.

Resta saber se essa condição será permitida pela nova Lei de Responsabilidade Fiscal Estadual. Existem 500 bombeiros aprovados em concurso, mas não há definição se serão nomeados neste ano.

Na Capital, a situação é melhor. Todas as 10 estações de combate a incêndio estão funcionando – a maioria com veículos novos ou seminovos. A frota foi renovada graças ao Fundo de Reaparelhamento do Corpo de Bombeiros (Funrebom). É o melhor momento desde 1980, reconhece Bira.

Em média, há três homens por estação a cada turno na Capital. Para driblar a falta de pessoal, dois saem com veículo e o outro fecha o quartel. Por isso, às vezes, pessoas encontram unidades fechadas.

A autonomia dos bombeiros foi reconhecida pela emenda constitucional 67/2014, que deve ser complementada pelas Leis Estruturantes da Corporação (de fixação de efetivos, de organização básica e de transição). O projeto foi encaminhado há duas semanas para o governador José Ivo Sartori, que deve enviá-lo para votação na Assembleia Legislativa. Tudo tem de estar pronto neste semestre.

A vantagem é que os bombeiros terão orçamento próprio. Krukoski diz que, durante anos, a BM deixou de repassar sobras de recursos do Tesouro Estadual. Este ano, a Lei de Diretrizes Orçamentárias prevê R$ 4,5 milhões para investimentos aos bombeiros, antecipando-se à autonomia da corporação, que também vai gerir horas extras e diárias de forma própria.

Entre o satisfatório e a carência

Existem três realidades distintas quando se fala de Corpo de Bombeiros no Estado. Uma, a de Porto Alegre, é de relativa regularidade, principalmente de equipamentos. Outra, na Região Metropolitana, é de carência – tanto de aparelhagem quanto de servidores. A terceira, na maior parte do Interior, é de miséria: não existe combate a incêndio na maioria das localidades e a ajuda tem de vir de cidades médias ou grandes. Quase sempre, tardia, para prevenir uma catástrofe maior. Confira abaixo.

Bons exemplos

Porto Alegre tem 10 guarnições de bombeiros (se contar a do aeroporto Salgado Filho) e todas têm caminhões e equipe.

Na Estação Açorianos, ZH contabilizou, 10 dias atrás, seis caminhões de combate a incêndio e nove caminhonetes usadas para serviços de vistoria e prevenção.

A Capital tem também duas autoescadas (conhecidas como Magirus) capazes de levar com segurança bombeiros até uma altura de nove andares. São mais de 30 equipamentos desses nas grandes cidades do Rio Grande do Sul.

O Corpo de Bombeiros acaba de abrir licitação para compra de uma autoplataforma. Mais moderna que a Magirus, é articulada (pode ser dobrada) e leva até seis homens ao alto de edifícios.

Problemas crônicos

Por falta de pessoal, estações na Capital têm de fechar quando o veículo sai para atender ocorrência. O setor de busca e salvamento de Porto Alegre só tem um bote inflável. Enquanto pelo Guaíba navegam grandes barcos carregados de combustível, não há lancha para combater incêndios.

O cinturão metropolitano está com parte da frota envelhecida e muitos veículos estragados. Em Guaíba, há só um caminhão funcionando.

Em Viamão, o único caminhão em funcionamento quebrou há 10 dias. O veículo, fabricado em 1998, está com o tanque furado e vaza água de forma permanente. Foi preciso conseguir outro caminhão, com metade da capacidade operacional, para combater incêndios em residências no município que tem a maior área territorial da região e cerca de 250 mil habitantes.