Meta de novo comandante dos Bombeiros é zerar alvarás

Major Claudio Ricardo Pereira, 44 anos, especialista em prevenção e controle de sinistros, assume na próxima sexta-feira o comando regional do Corpo de Bombeiros, em Santa Maria (Deivid Dutra / A Razão)
Major Claudio Ricardo Pereira, 44 anos, especialista em prevenção e controle de sinistros, assume na próxima sexta-feira o comando regional do Corpo de Bombeiros, em Santa Maria (Deivid Dutra / A Razão)

Em dois meses, seria possível zerar fila de alvarás pendentes em Santa Maria

por José Mauro Batista  A Razão

Às vésperas de assumir o Comando Regional dos Bombeiros (CRB), o major Claudio Ricardo Pereira, 44 anos, vem para Santa Maria disposto a agilizar a liberação de alvarás para empreendimentos. A meta do novo comandante, que vai substituir o tenente-coronel Luís Marcelo Gonçalves Maya, é estabelecer um prazo de 30 dias para liberar o documento prévio para a abertura de empresas, início de obras e realização de eventos. Em dois meses, se tudo der certo, será possível zerar o passivo.

Desde a tragédia da boate Kiss em Santa Maria, há uma queixa generalizada do empresariado em relação à demora para aprovação dos Planos de Prevenção e Combate a Incêndio (PPCIs). A estimativa oficial é que a fila de projetos aguardando aprovação desse documento no 4º Comando Regional dos Bombeiros (4º CRB) tem levado seis meses a um ano para a primeira análise.

O PPCI é fundamental para a obtenção do Alvará de Prevenção contra Incêndio, documento sem o qual nenhuma empresa, instituição ou evento consegue liberação. Para obter os demais alvarás (Sanitário e de Localização, emitidos pela Prefeitura), é necessário a liberação total dos bombeiros.

Major da Brigada Militar há 26 anos e meio e desde 1997 no Corpo de Bombeiros, Ricardo é especialista em prevenção e controle de sinistros pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), tem cursos de administração e MBA em gestão pública e é bacharel em Direito. O currículo o autoriza a analisar, por exemplo, a principal causa da pior tragédia da história de Santa Maria, o incêndio da boate Kiss na madrugada de 27 de janeiro de 2013, que resultou em 242 mortes e 636 pessoas feridas.

“A Kiss tinha alvará para um pub e foi transformada em boate. Não tinha condições de funcionar como boate. O incêndio resultou de uma soma de fatores”, diz. Na época, Ricardo acompanhou os desdobramentos da tragédia de longe “para ter uma visão diferenciada”. Ele elogia o trabalho do comandante Maya, reconhecendo que o coronel chegou à cidade em um momento delicado.

Em entrevista exclusiva ao Jornal A Razão, Ricardo aborda, além da Kiss, outros temas, como a aprovação dos PPCIs, alvarás e a separação do Corpo de Bombeiros da Brigada Militar. O novo comandante chegou a Santa Maria nessa sexta-feira e antes mesmo da posse, pretende de inteirar da situação do 4º CRB. Ele é casado com Gelsa Regina Fiorin Frazzon, major enfermeira do Hospital da Brigada Militar.

Seis em cada 10 empresas não têm alvará

Empresário do ramo da construção civil, o presidente da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços de Santa Maria (Cacism), Rodrigo Decimo, afirma que 60% das empresas de Santa Maria funcionam sem algum dos alvarás exigidos por lei. Ou seja, seis em cada empresas não teriam algum dos documentos necessários para funcionar.

Seriam em torno de 10,2 mil empreendimentos, dos mais diversos segmentos e tamanhos. É uma estimativa, já que não há dados precisos (em um dos levantamentos o município teria 17 mil CNPJs). “A gente não consegue filtrar, mas há um número grande”, afirma Decimo.
Conforme o empresário, aproximadamente mil projetos estariam aguardando liberação do Corpo de Bombeiros. Dados que fecham com a informação repassada pelo futuro comandante do 4º CRB. Para o presidente da maior e mais antiga entidade empresarial de Santa Maria, a legislação ficou mais rígida. No entanto, ele acredita que é possível agilizar o processo de análise dos bombeiros.

O empresário Luiz Fernando Pacheco, que presidiu a Cacism antes de Rodrigo Decimo, diz que há uma “insegurança jurídica” e muita burocracia para a liberação de projetos. “Basta mudar qualquer normativa e é preciso refazer tudo de novo. Ou em Santa Maria estão sendo muito rigorosos ou outros municípios estão muito frouxos em relação à legislação estadual. Gostaria de saber obre isso”, reclama Pacheco.

Ele confirma que 60% da empresas de Santa Maria operam sem pelo menos um dos alvarás. “São milhares”, diz, sem precisar uma estimativa devido às dificuldades de quantificar os casos pendentes. Outro empresário, que pediu para ter sua identidade preservada, revela que por conta da burocracia e da demora no Corpo de Bombeiros, há obras em andamento sem a devida liberação. “Também há entidades fazendo festa de formatura sem o devido alvará. Temos uma cidade clandestina”, afirma o empresário.

FUNREBOM

Em relação a recursos financeiros para suas atividades, os bombeiros gaúchos contam com um fundo criado por lei. Em Santa Maria, o Fundo de Reequipamento do Corpo de Bombeiros (Funrebom) é presidido pelo presidente da Cacism. Por meio de um conselho, o Funrebom repassa valores mensalmente à instituição, conforme um plano de gastos. A cada trimestre, o Corpo de Bombeiros submete as compras à análise da Controladoria Geral do Município, que avalia se os gastos estão de acordo com a finalidade do fundo, que consiste em repassar dinheiro para cobrir despesas com a parte operacional (combate a incêndio, resgate de afogados, socorro em acidentes e consertos de viaturas, por exemplo). Decimo acredita que a conta do Funrebom, em nome da Prefeitura, tenha entre R$ 700 mil e R$ 1 milhão atualmente.

A Razão – Qual a sua expectativa em vir trabalhar em Santa Maria?

Major RICARDO – Ainda não fiz uma radiografia da unidade, mas reconheço o excelente trabalho do tenente-coronel Maya (Luís Marcelo Gonçalves Maya, atual comandante do 4º Comando Regional dos Bombeiros). Ele pegou a cidade numa fase muita difícil, da tragédia da Kiss. E não há como falar em Santa Maria sem falar na Kiss. Então, ele pegou essa fase complicada e vem realizando um serviço relevante. Pretendemos levar adiante esse trabalho e implantar a nossa linha de comando. Não vou ficar restrito a Santa Maria porque o 4º CRB atende a outros municípios (são 33).

A Razão – Como o senhor acompanhou a tragédia da Kiss?

Major RICARDO – Acompanhei de longe. Fui convidado a vir e não vim, até para ter uma visão diferenciada. Depois, acompanhei o primeiro julgamento de bombeiros na Justiça. A gente compreende os familiares. Não tem como ter a percepção de cada pai na falta do filho.

A Razão – Como especialista na área de prevenção de sinistros, a que o senhor atribui o incêndio da boate Kiss?

Major RICARDO – A Kiss tinha alvará para um pub e foi transformada em boate. Não tinha condições de funcionar como boate. Foram feitas modificações estruturais sem autorização. Enfim, foi uma soma de inúmeros fatores que resultou na tragédia. Foi um somatório de eventos, algo típico do Brasil.

A Razão – Há uma queixa do setor empresarial da cidade em relação à demora para a liberação de alvarás do Corpo de Bombeiros. Há muita burocracia e a liberação está levando de seis meses a um ano. O senhor tem conhecimento dessa situação?

Major RICARDO – Temos dois momentos. Antes e depois da boate Kiss. Tínhamos uma legislação enxuta, com procedimento rápido, menos exigências. Eram 20 dias para analisar a documentação e 20 dias para a vistoria. E a empresa já tinha o alvará na mão. Com a nova lei estadual de prevenção de incêndio (Lei Kiss), houve uma mudança de procedimentos. Alguns (empreendimentos) tiveram que refazer planos de prevenção. Mas não é somente em Santa Maria que há essa demora. Em Porto são 270 dias, em Caxias do Sul leva quase um ano.

A Razão – Em Santa Maria estima-se que 60% das empresas não tenham algum tipo de alvará por falta de PPCI. Há pelo menos mil projetos a espera de análise no Corpo de Bombeiros. Essas informações procedem?

Major RICARDO – Quando veio a Lei Kiss, houve uma força-tarefa, em 2014, que criou um passivo. Foi se tentar resolver um problema e se criou outro. Eram mil e duzentos PPCIs na fila em Santa Maria, hoje temos mil PPCIs e não conseguimos baixar. Nessa força-tarefa, o pessoal vai, notifica e renotifica. Só que é custo para o Estado. E de janeiro de 2015 até hoje, onze analistas de Santa Maria foram para a reserva e se leva de oito meses a um ano para formar um analista. A recomposição leva tempo, não tem reposição de pessoal do governo, não há dinheiro para chamar concursados. O cobertor é curto: ou se cobre os pés ou a cabeça. E tem outro dado: cem por cento dos PPCIs saem com algum pedido de correção e mais de cinquenta por cento só são liberados após a terceira análise.

A Razão – Há quem diga que a demora em Santa Maria seria uma represália dos bombeiros por conta de acusações que sofreram em relação à tragédia da Kiss. Os bombeiros estão mais rigorosos?

Major ricardo – Não vejo como represália, só um cuidado maior para que não se deixe passar nada. Cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça. Em Santa Maria, há um sentimento de temor – dos analistas -, de deixar passar alguma coisa e sofrer a consequência.

A Razão – As recentes modificações na Lei Kiss facilitam ou complicam a situação?

Major ricardo – Houve alguma flexibilização. Para os antigos PPCIs, vale a lei antiga, até 2019. Isso já ajuda a desafogar. E mais modificações devem sair da Assembleia Legislativa.

A Razão – O senhor tem algum plano para reduzir a fila de espera por alvarás?

Major RICARDO – Na semana que vem vou me reunir e preparar o planejamento. Temos que baixar esse passivo. É meta. Vamos tentar recursos no orçamento do Estado para o Comando Regional. Realizar mais mutirões. Conversei com o presidente da Cacism, que esteve acertando com o coronel Maya a disponibilização de oito estagiários da área de engenharia civil em um convênio com a Universidade Federal de Santa Maria. Esses estagiários vão auxiliar e aprender.

A Razão – Qual o prazo ideal para a liberação de um PPCI?

Major RICARDO – No máximo um mês.

A Razão – A separação dos Bombeiros da Brigada Militar é positiva?

Major RICARDO – Não é uma separação, é uma independência. No Corpo de Bombeiros, 12% do efetivo são da Brigada Militar. Há um clamor social por mais investimentos para o policiamento ostensivo. E nós queremos ter a nossa autonomia financeira e administrativa, que é o que vamos conseguir.

A Razão – Mesmo separados da Brigada, os bombeiros continuarão sendo militares?

Major RICARDO – Sim. Continuaremos sendo militares. O Corpo de Bombeiros continua sendo uma organização militar.