FOLHA DE SP: Polícia gaúcha tem disparada de baixas e perde efetivo

Policiais e agentes gaúchos na paralisação de um dia nesta quinta-feira (4) em Porto Alegre
Policiais e agentes gaúchos na paralisação de um dia nesta quinta-feira (4) em Porto Alegre

FERNANDA CANOFRE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PORTO ALEGRE FOLHA DE SP

Depois de 25 anos de Brigada Militar (a PM gaúcha), Francisco (nome fictício) pediu para sair. Decidiu antecipar a aposentadoria em sete anos ao ver o efetivo de Ibirapuitã, onde estava locado, reduzir de oito para quatro policiais.

“Quem pode, está saindo. A questão é se sentir inseguro. Chegar na ocorrência, ver mais criminosos que policiais e não ter o que fazer”, diz ele, que pediu anonimato.

Histórias como essa tem se repetido no Estado e já representam um recorde. O número de policiais aposentados saltou de 768 em 2013 para 1.888 no ano passado, segundo dados do governo obtidos via Lei de Acesso à Informação. Entidades de classe estimam que serão 3.000 os aposentados neste ano.

Além da sensação de insegurança, os agentes citam também falta de estabilidade com salários parcelados, ausência de plano de carreira e cancelamento de horas extras. O Estado passa por grave crise econômica.

Nas ruas, é o menor efetivo dos últimos 33 anos, com cerca de 16 mil policiais, sem contar bombeiros, segundo a Abamf (Associação de Cabos e Soldados da Brigada Militar).

Dois anos atrás, eram 23 mil policiais, diz a entidade –o governo não informou a quantidade de agentes, alegando questões de segurança.

Por outro lado, os casos de roubo passaram de 52 mil em 2013 para 79 mil no ano passado, segundo dados da SSP (Secretaria de Estado da Segurança Pública).

Nesta quinta-feira (4), houve paralisação de um dia de policiais militares, civis, bombeiros, agentes penitenciários e peritos. Eles protestavam contra o parcelamento de salários pelo governo Ivo Sartori (PMDB), que acontece há um ano.

Com a greve, lojas fecharam mais cedo e parte dos professores da UFGRS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) dispensou os alunos por temor de insegurança. O governo afirma que a paralisação não afetou o policiamento diário.

“O parcelamento trouxe uma inquietude, que é não conseguir pagar água, luz, tirou a estabilidade”, diz o sargento Geovane da Costa, que encaminhou a aposentadoria no início do ano, após 32 anos na ativa.

TERRA DE NINGUÉM

O interior tem sofrido ainda mais os efeitos. A alternativa adotada em algumas regiões tem sido o rodízio de uma viatura entre várias cidades. Na região de Soledade (a 215 km de Porto Alegre), oito municípios dividem uma equipe de policiamento há pelo menos um ano.

“Às vezes, no sábado à tarde, a gente vê alguma viatura aqui, mas, senão, passa quatro ou três dias sem sinal de polícia”, relata Verno Müller, prefeito de Tio Hugo.

Prefeitos ouvidos pela Folha contam que assaltos na zona rural e roubo de gado dispararam no último ano e que moradores começam a buscar soluções caseiras.

“A gente nota que o pessoal tem se armado por conta, muitas vezes com armas frias [sem registro]. É difícil hoje, no interior, quem não esteja armado”, diz o prefeito de Ibirapuitã, Luciano Lago.

SEM CONTRATAÇÕES

No final de junho, o governador José Ivo Sartori (PMDB) anunciou a convocação de 530 candidatos aprovados em concurso no governo anterior, para atender Porto Alegre e a região metropolitana. A previsão é de que os candidatos sejam chamados entre agosto e fevereiro.

“Mesmo que a Brigada coloque todos esses policiais chamados agora, vai continuar faltando brigadiano. Para repor o efetivo que perdemos, vai levar o tempo de três governos”, avalia o presidente da Associação de Cabos e Soldados, Leonel Lucas.

Um levantamento de 2015, realizado pela Federação das Associações de Municípios do RS (Famurs), aponta que 60% das cidades gaúchas possuem menos de dois policiais por turno e uma em cada dez tem apenas dois policiais no efetivo total. A realidade de muitos municípios são postos de polícia fechados e nenhum policial.

“A situação está assim no Estado inteiro. Vemos tudo isso com preocupação, esse sentimento de insegurança que fica pairando entre a população”, afirma Luciano Pinto, prefeito de Arroio do Sal e presidente da Famurs.

OUTRO LADO

Procurada, a Secretaria de Estado da Segurança Pública disse que o número de aposentadorias é “condizente com o percentual de policiais aptos a requisitarem reserva remunerada”.

A SSP afirma que não há municípios sem a presença da Brigada Militar no estado, embora reconheça que patrulhas intermunicipais tem se revezado no policiamento em municípios menores.

Procurado, o Comando da Brigada Militar gaúcha não se manifestou.