Jornal do Comércio: Rotina é pouco alterada em dia de paralisações no Rio Grande do Sul

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Igor Natusch e Suzy Scarton
Devido ao constante parcelamento de salários, os servidores da segurança do Rio Grande do Sul organizaram um protesto que paralisou alguns serviços nesta quinta-feira em Porto Alegre. No entanto, a expectativa foi maior do que a realidade, uma vez que nem mesmo a Brigada Militar (BM) interrompeu totalmente os trabalhos, e inclusive reforçou o policiamento no Centro da Capital.
O subcomandante-geral da BM, coronel Andreis Dal’Lago, afirmou que o policiamento foi mantido em toda a cidade, principalmente no Centro. Além disso, helicópteros foram acionados para monitoramento preventivo na Capital e em outras regiões, como Serra e Região Metropolitana. “Foi um dia atípico, mas, com muito diálogo, mantivemos nossos policiais nas ruas”, contou Dal’Lago, que se declarou solidário às manifestações. Uma das estratégias foi antecipar o turno da manhã, para que o cidadão, ao sair de casa, se deparasse com os brigadianos.
“Sabemos que é difícil, esse último parcelamento pegou o soldado de forma muito radical”, comentou, referindo-se ao baixo valor pago na primeira parcela, de R$ 650,00. Ainda segundo Dal’Lago, 16 batalhões no Estado realizaram manifestações, que foram mais demoradas na Capital, onde apenas um enfrentou problemas para que os soldados saíssem do quartel. A reportagem do Jornal do Comércio também apurou aquartelamento no 9º Batalhão da Polícia Militar, na avenida Praia de Belas. Esposas de brigadianos e representantes de entidades da categoria atrasaram a saída.
A Associação dos Delegados de Polícia cumpriu a promessa feita na quarta-feira. Da meia-noite às 21h, somente casos graves foram atendidos. Além disso, os delegados também suspenderam a realização de operações policiais até que o salário seja integralizado.
Mesmo com diversas mobilizações espalhadas pela cidade, o governo estadual encarou com tranquilidade os atos, considerados “pacíficos e ordenados”. O chefe da Casa Civil, Márcio Biolchi, manifestou respeito àqueles servidores que, mesmo com o parcelamento, compareceram ao trabalho. “Se houvesse alternativa para revertermos o parcelamento dos salários neste momento, seríamos os primeiros a adotá-la”, comentou.
Embora o Estado tenha garantido que os serviços de educação, saúde e segurança funcionaram normalmente, houve exceções. Servidores do Hospital Sanatório Partenon, na avenida Bento Gonçalves, por exemplo, paralisaram das 9h às 17h, quando se concentraram em frente à instituição. Somente os serviços estritamente necessários foram mantidos.
Os professores estaduais foram orientados pelo Cpers/Sindicato a se unirem aos servidores da segurança na paralisação geral. Várias escolas públicas da Capital não receberam alunos ontem, como os colégios Júlio de Castilhos e Protásio Alves. Além disso, os educadores também se manifestaram em frente ao Palácio Piratini. Desde segunda-feira, os períodos de aula foram reduzidos, de 50 para 30 minutos. Segundo a presidente do Cpers, Helenir Schürer, a medida será mantida até que o salário do mês de julho seja pago na íntegra.
As agências bancárias funcionaram normalmente nesta quinta-feira. Na quarta, a Justiça do Trabalho acolheu liminar do SindBancários, permitindo que as agências ficassem fechadas. No entanto, durante a madrugada, o desembargador Marcelo D’Ambroso, plantonista da 1ª Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região autorizou a abertura dos bancos. Os estabelecimentos poderiam ser fechados caso a BM confirmasse a inexistência de policiamento nas ruas, algo que não ocorreu.
O movimento de pedestres, principalmente no Centro, diminuiu, se comparado com outros dias da semana. No entanto, lojas e restaurantes abriram. Também não houve alteração no transporte público. A Faculdade Porto-Alegrense chegou a suspender as aulas no turno da noite, e os professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul tiveram autonomia para decidir se manteriam as aulas ou não.

Presença de veículos policiais surpreende pedestres e trabalhadores no Centro da Capital

Taxista Francisco Silveira Lucas lamentou o pouco movimento nas ruas

Taxista Francisco Silveira Lucas lamentou o pouco movimento nas ruas
MARCO QUINTANA/JC
A expectativa ruim em torno do dia de paralisações do funcionalismo público estadual acabou não se confirmando, pelo menos na percepção das pessoas que mantiveram sua rotina em Porto Alegre. Apesar da menor quantidade de gente nas ruas e estabelecimentos, houve pouca dificuldade nas atividades diárias – e uma certa surpresa com o policiamento ostensivo em vários pontos.
Apesar da menor quantidade de policiais a pé nas ruas, a circulação de veículos policiais, que buscavam compensar essa ausência, chamava a atenção de muita gente. A auxiliar de serviços gerais Janete Couto da Silva não se sentiu insegura no trajeto de Guaíba, onde reside, até seu trabalho, no Centro. Ao contrário. “Tinha bem mais policiais do que costuma ter. Na (avenida) Voluntários da Pátria e ali no Mercadão (Camelódromo) estava cheio de polícia”, garantiu. Para ela, as reivindicações dos funcionários estaduais são justas: “Se estão trabalhando e não estão recebendo, têm mais é que parar. Ficar sem salário é brabo”, disse.
Geni Lemes, que trabalha há 25 anos como vendedora na região, também não percebeu mudança negativa em sua segurança diária. “Preocupada eu estou todos os dias. Para mim, não mudou nada (a presença de policiais).”
Mesmo com os carros e motos da BM fazendo o policiamento, a menor circulação de pessoas nas ruas era visível. Áreas emblemáticas da cidade, como a avenida Osvaldo Aranha e a Rua da Praia, tinham movimento típico de fim de semana, uma situação que teve especial impacto para os comerciantes. Vendedor em uma banca de revistas, Ricardo Maciel disse que a quinta-feira foi de queda “significativa” em seu negócio. “A circulação de pessoas é muito importante para nós. As pessoas, muitas vezes, estão passando, se interessam por uma revista e compram na curiosidade. Tem menos gente na rua, então as vendas caíram muito”, afirmou. Para ele, os protestos são, “infelizmente, muito justos”, já que “salário é sagrado, não pode faltar”.
Rodando pela cidade durante todo o dia, o taxista Francisco Silveira Lucas percebeu desde cedo a baixa circulação de pessoas. “Eu diria tranquilamente que, pela manhã, caiu o movimento em uns 40% pelo menos”, assegurou. À tarde, segundo ele, a situação melhorou um pouco. “Acho que as pessoas viram as viaturas na rua e tiveram menos medo”, disse. Mesmo assim, a féria do dia não foi das melhores. “É como se fosse sábado”, lamentou.
Silveira acredita que a disseminação de mensagens pelas redes sociais fez “o pânico tomar conta”, o que tirou as pessoas das ruas. “Não peguei nenhuma corrida na calçada durante o dia inteiro, só no aplicativo ou no ponto de táxi. Passei por várias ruas desertas”, destacou. De qualquer modo, Silveira também tinha suas preocupações: o plano era terminar o trabalho um pouco mais cedo, na metade da tarde, e retornar logo para sua casa, em Alvorada. “Melhor não arriscar voltar muito tarde.”