Oscar Bessi: O dever no olhar

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armas1Por Oscar Bessi

O que chama a atenção na foto de Samuel Maciel, no Correio do Povo do início desta semana, não é o elenco de fuzis que a Força Nacional doou à Brigada Militar. Ainda que a lente, acostumada a ir do artístico ao exato numa fração de instante, tenha encontrado o melhor ângulo para mostrar as armas recém-chegadas. E nenhum leitor reparou lá nas janelas de um dos tantos prédios cinzentos do centro de Porto Alegre, não era o foco, apenas outro tom invisível na notícia do reforço. Mas quem se permitir a percepção, verá o olhar altivo dos policiais militares. A postura. A disposição e a disciplina explícitas na linguagem corporal. No oceano de adversidades, o que compõe esses homens?

Muitas são as razões que levam jovens a escolherem a vida militar. As escolhas humanas são complexas, passam por histórias pessoais, necessidades, anseios mais profundos. Entretanto, quem opta pela carreira policial militar, por exemplo, escolhe também não usar roupas leves no calor do trabalho, não dormir apenas porque é tarde, não desistir, não mandar mais no próprio corte de cabelo ou barba, não acrescentar um mínimo ornamento que não seja regulamentar em suas vestes. Ao vestir a farda e se investir do cargo público militar, se aceita correr ao encontro do perigo por compromisso moral acima do profissional, por honra e preceito ético colado em sua alma. Não há mais como escolher as próprias frases, os próprios passos, do simples dizer “não” e ficar com a família a fazer greve, e se negar a atender o pedido de socorro, de qualquer um do povo, por não ter sido pago.

Na foto, homens ameaçados de não terem o seu ganha-pão, nem o décimo-terceiro salário para aliviar as contas, levar um presente aos filhos, proporcionar um final de ano digno e afetuoso aos que amam. Com direitos, já esparsos, sob mil ameaças políticas diárias, como se fossem eles, ao lado desse povo pobre, os culpados pelos desgovernos de falcatruas histórias. Sem saber do amanhã, mas dispostos. E mal sabem como ficarão suas famílias, caso morram cumprindo seu dever – e como morrem policiais neste país, cada vez mais! São pessoas comuns no desafio da lógica sem pensar em recompensa, pois nem a justa contrapartida chega. De muito poucos recebem, pelo menos, algum respeito e consideração. Entretanto, ali estão, prontos para a boa luta, com fé na missão de paz.

Os olhares nos contam a alma dos seres humanos. Dos olhos de uma criança saltam sonhos luminosos. Como o desalento salta aos olhos entre tantos ao nosso redor. Da retina política vêm incógnitas sempre apressadas, permeadas de certa incapacidade tangível em distinguir uma criança de uma arma, ou tijolos de sonhos. Importa é a foto. Já homens armados serão sempre, e apenas, homens com armas. Nada além. É da altivez, do olhar imerso em dever desses policiais militares, que vem a oportunidade de acreditar que, enfim, nem tudo que nos cerca é lixo.

CORREIO DO POVO