A cada dez ligações para o 190, seis são trotes

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Na noite da última terça-feira, somente na Sala de Operações da Brigada Militar de Santa Maria foram atendidas 94 ligações falsas. Mesmo problema se repete com o 193 do Corpo de Bombeiros e com o 153 da Guarda Municipal. (Foto: Deivid Dutra / A Razão)

Bombeiros e Guarda Municipal também são vítimas de falsos comunicados

por Fabricio Minussi – Especial A RAZÃO

Os números não são absolutos, mas dão a dimensão do risco que a população corre a cada trote passado aos telefones de emergência das Salas de Operações da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros em Santa Maria.

Cerca de 60% das ligações efetuadas aos números 190 (BM) e 193 (Bombeiros) são relacionadas a ocorrências inexistentes, em que uma guarnição é deslocada para atender o chamado mas, chegando ao endereço, a informação repassada acaba não se confirmando. O resultado é que, nesse intervalo, uma ocorrência real, com risco de morte a eventuais vítimas, leva mais tempo para ser atendida devido à necessidade do deslocamento das viaturas e profissionais.

Só na noite da última terça-feira, na Sala de Operações da BM, em Santa Maria, foram 94 trotes passados às duas linhas de emergência que operam no local, mas há dias em que essas ligações chegam a triplicar. O soldado Fabricio Staudt Alves está por fechar 14 anos de serviços à BM, três anos e meio na Sala de Operações. Ele conta que a proximidade do início do ano letivo coloca os atendentes em prontidão.

“Com a volta às aulas a situação tende a piorar e os trotes aumentam”, explica Fabricio.

Os horários são os mesmos. Final da manhã e final da tarde, com a saída dos estudantes das escolas. Na maioria das vezes a ligação é feita de telefones públicos, do Centro a cidade. “Quando se trata de um estudante, até conseguimos filtrar a ligação. Mas tem os adultos que também ligam e fazem falsas comunicações de ocorrências”, comenta.

Entre as ligações que a Sala de Operações da BM já identificou como trotes estão as realizadas por um indivíduo batizado como Luva.

“Ele liga quase todos os dias perguntando se tem luva. Tem outra pessoa, uma mulher, que liga todos os dias, de manhã, perguntando se a tropa já está em ordem unida. Essa, nós batizamos de Mana. Mas como temos apenas duas linhas de emergência, ocorre que, às vezes, uma ocorrência real acaba não sendo repassada, em tempo, à Sala de Operações, pois os telefones estão ocupados. Issoexplica porque volta e meia o cidadão reclama da demora no atendimento da chamada”.

Na Guarda Municipal índice é de 50%

Metade dos telefonemas à Guarda Municipal também são trotes (Foto: Arquivo / A Razão)
O telefone 153 da Guarda Municipal (GM) de Santa Maria também não escapa das falsas comunicações de ocorrências. Segundo o assessor de Fiscalização e Operações da GM, Santo Alciomar da Silva Cordeiro, a cada 10 ligagações, metade é trote. A Guarda atende principalmente ocorrências de dano ao patrimônio, perturbação do sossego público e auxilia outros órgãos de segurança no atendimento a outras ocorrências, como no trânsito e fiscalizações.

 “Amanhã a vítima pode ser você”, alerta PM

O comandante do 1º Regimento de Polícia Montada da BM (RPMon), tenente-coronel Erivelton Ernandes Rodrigues, tem 30 anos na corporação e acampanha de perto a Sala de Operações.

“A frustração se dá pela índole das pessoas, por um ato que é tão irresponsável. O trote feito por crianças a gente até consegue identificar. Mas no caso de um adulto fica mis difícil, especialmente quando a ligação é feita por celular configurado com chamada não identificada. Nesse caso, além de congestionar a linha para um comunicado real, também demoramos mais para dar a resposta aos chamados que, de fato, necessitam de atendimento. Por isso, fica o pedido: amanhã a vítima de um trote pode ser justamente aquele que faz um falso comunicado de ocorrência”, alerta o comandante.

Prontos para temporada de falsas comunicações

O sargento Jairo Bitencourt da Silva tem 35 anos de serviços prestados ao Corpo de Bombeiros, dos quais três deles atuando no atendimento às ocorrências que chegam à Sala de Operações do grupamento.

Ele faz as contas: “Tranquilamente, a cada dez ligações, sete são trotes. Os falsos chamados vêm de todos os lugares, principalmente dos telefones públicos e a situação tende a piorar nos próximos dias. Infelizmente, as nossas crianças e adolescentes não conseguem entender que a cada trote uma vida pode ser perdida pela demora a um atendimento real, como uma ocorrência de trânsito, por exemplo”, lamenta o sargento.

O bombeiro comenta que a guarnição se prepara para a retomada da temporada de trotes ao telefone 193. A quantidade de falsas comunicações de ocorrências tende a aumentar com a volta às aulas. Ele defende que o assunto seja tratado de forma mais incisiva em sala de aula.

“Transmitir de forma mais insistente para os alunos o perigo que um trote pode gerar no atendimento a um chamado real e à vida de uma vítima de algum acidente ou incêndio, pode ajudar. E tem mais: a gente possui a lista dos telefones públicos de onde partem a maioria dos trotes e grande número deles está localizado perto de escolas”, revela Jairo.

Segundo o sargento, o que agrava a situação é que a legislação é muito branda em se tratando de punição para quem efetua trote para telefones de emergência. “Mas as vezes até as crianças são convincentes que a gente não deixa de atender o chamado. E quando chegamos ao local indicado, nos deparamos com a real situação: era trote”, conta o bombeiro.

Na Sala de Operações do Corpo de Bombeiros de Santa Maria, de cada dez ligações atendidas, sete são trotes (Foto: Deivid Dutra / A Razão)
 “Estamos sempre prontos para atender o chamado”

O major Claudio Ricardo Pereira é comandante do 4º Batalhão de Bombeiros de Santa Maria e tem 20 anos de serviços prestados à corporação. Ele atuou durante bom tempo em auxílio às ocorrências atendidas pela Sala de Operações e lembra de um episódio de trote, ocorrido em Santa Cruz do Sul.

“Tinha um senhor que ligava de diferentes locais dizendo que tinha uma bomba e que iria explodir tudo. Com tínhamos uma bina instalada, conseguimos rastrear a rota que ele estava fazendo e com auxílio da Brigada Militar efetuamos a prisão”, recorda o comandante.
No entanto, ele admite que as situações de trotes efetuados ao telefone 193 são frustrantes.

“Quando alguém liga, sempre estamos preparados para atender o chamado de uma pessoa que, em tese, necessita de socorro. Não pensamos duas vezes. Acionamos as viaturas e nosso efetivo. Nesse exato momento estou com um senhor na minha frente, que veio agradecer à corporação pelo atendimento prestado no momento em que ele estava com uma situação de parada cardíaca. Mas muitas vezes nos deparamos com falsos comunicados. Já pensou se isso tivesse acontecido no momento em que esse senhor precisava do nosso atendimento? Será que ele estaria vivo?”, pondera o major Ricardo.

Ocorrências reais, como incêndios, têm atendimento prejudicado (Foto: Arquivo / A Razão)
Ele reforça a impressão narrada pela Sala de Operações dos Bombeiros à reportagem de A Razão, de que os trotes têm horários específicos. “É no final da manhã, início e final da tarde, entrando à noite. Como temos bina, conseguimos identificar os números residenciais e ligamos para os pais para relatar o que está acontecendo”, explica o comandante dos Bombeiros, que também pede compreensão.

“As pessoas que passam trotes ao telefone 193 têm que entender que amanhã pode ser ele a pessoa a necessitar do nosso socorro”, alerta o major Ricardo

UM A TRÊS ANOS DE PRISÃO

De acordo com informações do Senado Federal, 70% das ligações feitas aos serviços públicos no Brasil são chamadas falsas. O que facilita os trotes é a gratuidade das chamadas aos telefones de emergência. O Art. 266 do Código Penal diz o seguinte: “Interromper ou perturbar o serviço telefônico é crime e o infrator poderá cumprir pena de detenção, que vai de um a três anos ou multa; e o presente artigo se enquadra em qualquer caso e vítima”.