Correio do Povo: Diferença nos cálculos de TCE e governo é de R$ 5 bilhões

Obstáculo para adesão à Recuperação Fiscal é o comprometimento da Receita Corrente Líquida

A diferença nos cálculos do Tribunal de Contas do Estado (TCE), utilizados como base pela Secretaria do Tesouro Nacional, e os sustentados pelo governo gaúcho, que negocia a adesão ao Plano de Recuperação Fiscal, é de praticamente R$ 5 bilhões.

O principal obstáculo à assinatura do contrato continua sendo a exigência da legislação federal relativa ao Plano, da necessidade de comprometimento de, no mínimo, 70% da Receita Corrente Líquida com a folha e o serviço da dívida. Segundo o TCE, o índice de comprometimento, em 2017, foi de 60,94%. O Piratini sustenta que atingiu 72,8% no ano passado. Informações obtidas com exclusividade pelo jornalista Lucas Rivas, da Rádio Guaíba, apontam os valores considerados pelo Executivo, que há anos são excluídos, por questões técnicas, do cálculo do TCE.

Segundo os dados, apenas com o pagamento de pensões, o Estado despendeu mais de R$ 2,8 bilhões em 2017. Com o imposto retido na fonte, de servidores da ativa, foram mais R$ 1,1 bilhão, além de outros R$ 900 milhões que estão diluídos nos demais pagamentos, como os repasses de quase R$ 25 milhões para auxílio-funeral. Nenhum destes valores é considerado nos cálculos de comprometimento da Receita Corrente Líquida pela Corte de Contas.

Se conseguir convencer a Secretaria do Tesouro Nacional a considerar os recursos gastos com os itens ignorados pelo TCE, o Piratini deve garantir a adesão, mas, paralelamente, assumirá o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que acarreta uma série de sanções. Caso o cenário venha a ser confirmado, o Executivo terá de adotar iniciativas para se enquadrar na LRF, entre elas, a possibilidade de demissões para baixar o custo com a folha.

O prazo para a adequação aos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal é de dois quadrimestres, isto é, praticamente coincidirá com o fim do mandato de José Ivo Sartori no Piratini. A adesão ao Plano viabiliza a suspensão das parcelas mensais da divida, que hoje não estão sendo realizadas por meio de liminar do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo. O contrato permite também a ampliação da capacidade de endividamento do Rio Grande do Sul em pelo menos mais R$ 3 bilhões. O limite máximo é de 200% da Receita Corrente Líquida. Hoje, o Estado está em 212%.

Piratini sustenta gastos bilionários com pensões e impostos para justificar adesão a Regime Fiscal

Valores, porém, podem levar RS ao descumprimento de lei que prevê, inclusive, cassação de governador. Executivo já acionou TCE para verificar risco de penalidades

Enquanto uma diferença de quase R$ 5 bilhões permanece “separando” o Palácio Piratini do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), a Rádio Guaíba, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), obteve, com exclusividade, detalhes sobre a discrepância entre os números da Secretaria da Fazenda e do Tribunal de Contas do Estado (TCE).

Para que o Rio Grande do Sul seja contemplado no Plano de Recuperação Fiscal, o Palácio do Planalto exige, com base em legislação vigente do plano, que pelo menos 70% da Receita Corrente Líquida (RCL) seja comprometida com a folha de pessoal. O secretário da Fazenda, Giovani Feltes, garante que, em 2017, esse índice foi superior a 72%, considerando a soma de todos os Poderes mais a carência no pagamento da dívida do Rio Grande do Sul com a União, negociada ainda 2016. No entanto, a Corte de Contas sustenta que o gasto global é de apenas 60,94%, abaixo do mínimo imposto pelo Tesouro Nacional.

A Fazenda rebate dizendo que o impasse envolve despesas com pessoal que não vêm sendo levadas em conta pelo TCE para calcular os repasses totais, como gastos em pensões, imposto de Renda Retido na Fonte, auxílio-funeral, assistência médica, alimentação, transporte, creche e bolsas de estudo, por exemplo.

Por meio da LAI, a reportagem apurou que apenas com o pagamento de pensões, o Estado despendeu mais de R$ 2,8 bilhões. O valor ganha ainda mais corpo quando somados os R$ 1,1 bilhão de imposto retido na fonte de servidores da ativa. Outros R$ 900 milhões estão diluídos nos demais pagamentos, como os repasses de quase R$ 25 milhões para auxílio-funeral. A soma desse montante chega aos R$ 4,8 bilhões, valor chave para que o Piratini comprove que 72% da RCL foi comprometida, no ano passado.

Sinuca de bico

Ao demonstrar que 72,8% da Receita Corrente Líquida está empenhada, o governador José Ivo Sartori (MDB) estará descumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Os números fornecidos com base na LAI dão conta de que apenas a Assembleia Legislativa não extrapola os gastos com pessoal. Já Poder Executivo, Tribunal de Contas, Poder Judiciário, Justiça Militar e Ministério Público excedem os índices da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Com o descumprimento, Sartori poderá ficar sujeito a cassação de mandato, prisão, pagamento de multas e estará proibido de receber repasses da União, além de realizar transferências voluntárias e contratar operações de crédito.

Disposto a bancar os cálculos, o Piratini requereu, ainda em janeiro, ao TCE uma nova consulta para esclarecer as punições que Sartori pode sofrer por descumprir a LRF. A Corte de Contas ainda não emitiu parecer. Relator do caso, o conselheiro Cezar Miola deve se manifestar até fim de abril. Após elaborar parecer, Miola deve levar o caso a votação no Pleno. Nos bastidores, a pressão política por um desfecho favorável ao governo gaúcho passou a pairar sobre o Tribunal. A tendência é de que penas brandas sejam aplicadas ao Estado, uma vez que o Rio Grande do Sul vai estar amparado pelo RRF.

Em janeiro, o Palácio Piratini solicitou ao TCE os seguintes esclarecimentos:

1 – Diante da necessidade de adesão do Estado do Rio Grande do Sul ao RRF, quais as consequências da publicação de seus demonstrativos fiscais observando os critérios da STN em detrimento da interpretação dada pelo TCE aos conceitos previstos na LRF?

2 – Na fiscalização do cumprimento dos limites previstos na LRF, esta Egrégia Corte de Contas aplicará o seu posicionamento consolidado independentemente do critério utilizado para a publicação (STN ou TCE)?

3 – Caso seja efetuada a publicação pelo Estado observando os critérios da STN, haverá ressalvas no parecer prévio de análise das contas do Governo do Estado?

Adesão ao RRF sem prazo

O secretário da Fazenda, Giovani Feltes, segue sem dar prazos para conseguir a adesão do Rio Grande do Sul ao RRF. Em entrevista à Rádio Guaíba, ele afirmou que o plano financeiro do Estado está entrando em consonância com a STN. Na semana passada, a cúpula da Secretaria da Fazenda esteve reunida com integrantes do governo federal, em Brasília.

“O plano financeiro está quase que acabado em consonância com a Secretaria do Tesouro Nacional. Isso significa que aquilo que nós temos como medidas a serem tomadas, que produzirão efeitos ao longo do tempo de reduzir despesas e ampliar receitas, acaba apontando para um equilíbrio fiscal”, frisou.

Piratini mira RRF para ganhar novo fôlego

Conforme o Piratini, a adesão do Rio Grande do Sul ao RRF prevê a suspensão do pagamento das parcelas da dívida do Estado com a União pelo prazo de até 36 meses, prorrogável pelo mesmo período. De acordo com a projeção da Secretaria da Fazenda, a renegociação representa alívio financeiro de R$ 11,3 bilhões até 2020, além de permitir ao Estado a contratação de novos empréstimos, dentro e fora do Brasil. Desde de agosto de 2017, o Piratini não vêm pagando a dívida com a União ao ser amparado por liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello. Em fevereiro, mais de R$ 310 milhões deixaram de sair dos cofres públicos, por exemplo.

Assembleia aprova RRF. Oposição vai à Justiça e Sartori cogita ato

O projeto de adesão do RS ao Regime de Recuperação Fiscal foi aprovado em 8 de fevereiro por 30 votos favoráveis e 18 contrários. A oposição alegou irregularidades e acionou a Justiça para anular sessão, que culminou com aprovação da matéria. O judiciário ainda não se manifestou. Na última semana, o Parlamento aprovou o texto final do projeto. A redação final já saiu da Assembleia rumo ao Palácio do Planalto. Com prazo de 15 dias para sancionar a matéria, Sartori cogita realizar um ato com esse fim.

Fonte:Lucas Rivas/Rádio Guaíba