Policiais civis e militares garantem que não há ordem para matar criminosos


Gabinete de Operações da Brigada Militar, na Capital, tem central de monitoramento dos dados de crimes do EstadoBrigada Militar / Divulgação

Em 16 dias de dezembro, 19 assaltantes morreram em confrontos com a Brigada Militar

GaúchaZH

que fez crescer o número de criminosos mortos em confronto com a Brigada Militar (BM): orientação superior, efeito Bolsonaro ou o agravamento dos embates? Entre policiais civis e militares ouvidos por GaúchaZH, a resposta está na terceira opção.

Conforme o subcomandante-geral da BM, coronel Eduardo Biacchi, o que mudou e tem se refletido nos últimos episódios de assaltos é o fato de policiais e criminosos se encontrarem mais.

— O que ocorria eram revides momentâneos, em que dois PMs locais enfrentavam mais de seis ou oito criminosos no momento dos ataques. Depois, até a BM se mobilizar e fazer cerco, eles já tinham fugido. Agora, levamos minutos para formar o cerco e ficamos ativos enquanto houver indício de que estão escondidos na região atacada. Então, policiais e criminosos estão se encontrando mais. E se não se entregam, haverá o confronto — diz o coronel.

Conforme Biacchi, as ações de inteligência estão baseadas em estudos dos últimos 10 anos de crimes e ocorrências em regiões que possam ser alvo de novos ataques. Os casos de cangaço, ataques em que são feitos cordões humanos usando reféns, são mais recentes, e se tornaram prioridade para a BM:

— Queremos evitar o cangaço, pois gera muitos riscos. Estamos posicionados em estradas para que os criminosos nos vejam e desistam. Se não conseguirmos evitar, vamos estar perto para agir. Não gostamos do confronto, pois traz risco ao policial e nos faz perder equipamento, as armas ficam apreendidas para investigação se houver morte, vai ter processo. Queremos que os criminosos se entreguem.

Líder da entidade que representa soldados e cabos da BM, Leonel Lucas afirma que procurou oficiais e praças da corporação para saber o que está acontecendo, se haveria, por exemplo, ordem para matar criminosos. Afirma que o aumento dos confrontos, e, por consequência, de mortes, é fruto da maior audácia dos assaltantes, cada vez melhor armados.

— Tempos atrás, quadrilhas com cinco homens, tinham uma submetralhadora. A BM fazia o cerco, e eles se entregavam. Hoje, cada assaltante tem duas submetralhadora ou fuzil, um nas mãos e outro a tiracolo, estão vindo para cima, para o confronto — avalia Lucas.

Um experiente agente da Polícia Civil, instrutor de cursos e analista de assuntos estratégicos em segurança, lembra que os ladrões de bancos praticamente abandonaram a tática de arrombamento, preferindo o roubo com armas pesadas.

— O mais comum era abrir caixa-eletrônico com maçarico ou explodir terminais durante a madrugada. Agora, intensificaram-se ataques de dia claro, com reféns. E a ordem entre eles é matar ou morrer.

Lucas diz estar preocupado com a situação e que tem viajado pelo Interior, desencorajando PMs a aderirem ao chamado efeito Bolsonaro (o presidente eleito defende que policiais atirem em quem estiver armado com fuzil), pois considera prejudicial à tropa.

— Costumo dizer aos colegas: se acontecer alguma coisa, não é o Bolsonaro que vai sentar no banco dos réus. Ele nem nos conhece. Quem vai ser julgado são vocês.

Sobre a possibilidade de orientação para matar, Lucas é categórico:

— Se existisse isso, quando o policial for processado, ele vai dizer que estava obedecendo ordens. Aí, o comandante dele também vai ser responsabilizado.

Para um delegado da Polícia Civil que já participou de confrontos com ladrões de bancos, se houvesse ordem para matar, seria ilegal.

— A BM adquiriu conhecimento, mapeou regiões e insiste nas barreiras. E, nesses momentos, a técnica e o conhecimento pesam a favor da polícia. E esses criminosos já demonstraram grande poder de fogo. Nessas situações, o confronto é inevitável. O policial atua em legítima defesa e no estrito cumprimento do dever legal. Se houvesse ordem para matar, seria ilegal. Mas o policial, ao ser enfrentado, tem respaldo — avalia.

Outro delegado, que já chefiou a Polícia Civil, vê nas palavras do comandante-geral da BM, coronel Mário Ikeda, uma boa explicação para os confrontos com morte. Ikeda disse a GaúchaZH no final de semana que quem escolhe “se haverá confronto é o criminoso, não o PM”.

— Isso eu sempre disse para minhas equipes: nós dispensamos aos criminosos a mesma força com a qual eles nos recebem. Se atirarem, nós atiramos — afirma um ex-chefe de polícia.

De uma forma geral, policiais avaliam que o fator surpresa, amparado por serviço de inteligência, tem papel fundamental no que vem ocorrendo. Com mais de 40 anos de atuação na Polícia Civil, o delegado Alexandre Vieira avalia que o trabalho de inteligência está permitindo que a polícia chegue aos locais com os criminosos. E destaca uma diferença:


Tempos atrás, quadrilhas com cinco homens, tinham uma submetralhadora. A BM fazia o cerco, e se entregavam. Hoje, cada assaltante tem duas submetralhadora ou fuzil, um nas mãos e outro a tiracolo, estão vindo para cima, para o confronto.
LEONEL LUCAS
Presidente da associação de cabos e soldados da BM

— Antes, a polícia estava sempre atrasada. Dependia de investigação posterior, identificação, pedido de prisão. E prender criminoso em casa, cumprindo mandado de prisão preventiva, é muito diferente. São vários policiais contra um criminoso. É mais difícil a reação. Basta ver a operação de hoje (nesta segunda-feira, 17) da polícia. Foram presos bandidos perigosos, que roubam, mas 10 foram capturados sem tiro, sem morte. Mas nos cercos, os bandidos têm avaliado mal a reação. A lei nos autoriza a revidar na medida da agressão. Nestes casos, o evento morte é  imprevisível para ambos os lados.

Questionado sobre as recentes ações da BM, o secretário da Segurança Pública, Cezar Schirmer, tem repetido que a BM está com melhor pontaria que os criminosos.