
Policia Militar de Perícia de Santa Maria morreu após ser baleado em assalto em Porto Alegre. Caso gerou debate sobre sucateamento de armas
A morte do policial militar Marlon da Silva Corrêa, 29 anos, na noite da última segunda-feira, reativou, entre colegas da corporação e a entidade que representa os soldados no Estado, a preocupação com o sucateamento dos equipamentos utilizados pelos homens da linha de frente da Brigada Militar. A arma, o colete e o radiocomunicador que o soldado usou durante a ação em que ele foi baleado serão periciados.
A polícia quer saber se os equipamentos estavam funcionando, já que há relatos de colegas de Marlon de que a arma dele, uma pistola 940 teria travado durante o tiroteio e de que o rádio não teria funcionado. Além disso, foi levantada a suspeita de que um dos projéteis teria ultrapassado o colete do soldado.
Marlon era santa-mariense e, atualmente, atuava no 20º Batalhão da BM em Porto Alegre. Ele foi atingido com quatros tiros nas costas no dia 14 deste mês e acabou morrendo uma semana depois por causa de uma infecção generalizada (leia mais no texto ao lado).
Em Santa Maria, policiais militares também revelam temor, principalmente, em relação ao armamento.
_ Estamos com armas velhas. Essa 940 é padrão policial, mas é antiga, não é individual. O ideal era que cada um tivesse a sua. Muitas vezes, ela trava no fazer o manuseio. Fazemos um teste preventivo, mas não sabemos se ela foi utilizada ou não (pelo policial que estava com ela no serviço anterior), se a munição é velha ou nova. Pode acontecer (de travar) no horário em que mais se precisa. Já aconteceu de pegar uma pistola que não disparava. Estava ali só para bonito _ relatou um PM que pediu para não ter o nome divulgado com medo de sofrer represálias.
De forma geral, segundo o comandante regional de Polícia Ostensiva, coronel Worney Mendonça, “os materiais devem ser distribuídos aos PMs em condições de uso. O armamento, quando recebido para entrar de serviço, embora receba manutenção, deve ter o funcionamento verificado pelo PM que vai utilizar.”
_ Não ocorre manutenção. O modelo que Marlon usava era defasado. A pistola dele trancou. Não liberou o projétil que foi deflagrado e acabou alimentando outro, deixando ele empenhado. Não fosse por este fato, não teria sido morto _ comenta um policial militar de Porto Alegre que não quis ter nome divulgado com medo de sofrer represálias.
O presidente da Associação Beneficente Antônio Mendes Filho (Abamf) que representa os soldados e cabos da BM, Leonel Lucas Lima, diz que a morte de Marlon é o símbolo do sucateamento da Brigada.
_ Ele pediu socorro, o rádio não funcionou. Deu dois tiros, a pistola trancou. Segundo sabemos, um projetil teria passado pelo colete vencido. Tudo aquilo que nós vínhamos anunciando e , até hoje, não tivemos resposta do governo, aconteceu com ele. Tememos mais mortes _ disse Lima.
A Abamf diz que pediu explicações ao comando da Brigada e que, se não obtiver resposta, voltará a se manifestar no Estado.
Em entrevista à Rádio Gaúcha, na manhã desta terça-feira, o subcomandante-geral da BM, coronel Paulo Moacyr Stocker dos Santos, disse que o 20º Batalhão abriu inquérito para apurar os fatos. O coronel disse ainda que “o colete funcionou bem”. Sobre a arma, disse que não sabe em que momento ela travou, se durante os tiros ou porque teria acabado a munição do carregador.
_ A arma foi para perícia para ver a sua funcionalidade. Toda a arma semiautomática corre o risco de, em algum momento, travar. Porém, a arma estava em perfeitas condições de uso.
O subcomandante falou, ainda, que a munição que Marlon estava usando “era funcional, de excelente qualidade”. Sobre o radiocomunicador, o oficial falou que a Zona Norte é um local que possui muitas áreas sem alcance das antenas:
_ É um sistema muito ultrapassado. Estamos há muito tempo com processo de troca do sistema analógico, porque não é confiável. Temos prazo máximo até 2020 para trocar todo o sistema para digital.
Veja o que o coronel Worney Mendonça, comandante regional de Poliamento Ostensivo (CRPO) Central falou sobre a preocupação dos policiais com as condições dos equipamentos:
“Tanto armamento, coletes, munições e etc. são carga das unidades operacionais, no caso, 1º RPMon em Santa Maria, 5º RPMon em Santiago e 2º BOE (Santa Maria). Os materiais são recebidos em condições e devem ser distribuídos aos PMs em condições de uso. A responsabilidade pela guarda, manutenção e conservação é da unidade que detém a carga do material. Os coletes possuem prazos de validade e dependem do lote, mas geralmente, é de cinco anos. Não é recomendado usar colete vencido. O armamento quando recebido na arrecadação para entrar em serviço, embora receba manutenção, deve ter o funcionamento verificado pelo PM que vai utilizar. Quando o PM possui arma em cautela, ou seja, fica sempre com ela, é responsabilidade dele a limpeza e manutenção básica. Sobre o caso do PM Marlon, não posso me manifestar pois não está sob meu comando e desconheço o fato em detalhes.”
“A gravidade maior está na impunidade e na legislação que beneficia bandidos e permite que estejam soltos causando insegurança e tirando a vida das pessoas. O policial pode estar com o melhor colete e a melhor arma e, mesmo assim, pode ser morto com um tiro na cabeça. O delinquente solto ameaça a vida de pessoas desarmadas e sem colete, confronta com policiais independente das condições que possuem. A recíproca é verdadeira: quanto mais o delinquente se arma, mais a polícia precisa de equipamentos de proteção e armamento; quanto mais a polícia se arma, mais o delinquente se arma também. A solução passa por não ter concessão de liberdade.”
Soldado será sepultado nesta manhã
Marlon da Silva Corrêa começaria a ser velado ainda na noite desta terça-feira, nas capelas do Hospital de Caridade. O sepultamento estava marcado para as 11h desta quarta, no Cemitério São José. Um grupo de oito policiais do 2º Batalhão de Operações Especiais (BOE) fará a guarda fúnebre, uma honraria que inclui disparos de tiros de festim.
Marlon nasceu em Santa Maria, estudou e chegou a começar o curso de Direito, mas largou e, escondido do pai, fez o concurso da BM, em Porto Alegre, onde ingressou em 2009. Atualmente, atuava no 20º Batalhão da BM, na Zona Norte. Ele era casado e tinha uma filha de 9 anos.
“Coloco esta morte na conta deste governo e vou cobrar”, diz pai de PM santa-mariense morto na Capital
Confira abaixo um trecho da entrevista com o pai de Marlon:
Diário de Santa Maria _ Era o sonho dele, entrar para a Brigada Militar?
Cilon Régis Corrêa _ Ele parou a faculdade, fez o concurso e entrou para a Brigada. Me contou depois. Seguiu na carreira militar. Ele gostava muito da profissão dele, tinha orgulho.
Diário _ Ele comentava sobre a situação dos equipamentos?
Corrêa _ Sempre falava que armas e carros eram precários. Ouvi outros brigadianos de outros batalhões dizerem: ‘quem passa pelo 20, passa no teste da Brigada, só que tudo é precário.’ Falava que tinha pouco pessoal. E que, conforme o confronto acontecesse em uma ponta da Zona Norte, eles não tinham como chegar para dar apoio, porque a área é muito grande e tem pouca gente.
Diário _ Seu depoimento no Facebook foi um desabafo?
Corrêa _ Acho que como pai eu devia colocar a minha posição. Esse guri tinha muitos amigos, que estão entre revoltados e tristes. Escrevi lá, vou colocar na conta do Estado. Vou usar todos os meios que eu tiver para colocar para fora todas as mazelas do governo. Passamos uma semana sofrendo e ninguém foi lá, da cúpula do governo, perguntar se a jovem viúva precisava de alguma coisa. Abandonam quando mandam para a rua sem armamento e condições de trabalho e abandonam após, porque não dão apoio nenhum.
ZERO HORA