Linchamento em Pelotas abre debate sobre justiça com as próprias mãos

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No início do mês em Porto Alegre, homem foi espancado após sequestro relâmpago na Cidade Baixa. Ele segue internado em estado grave Foto: Paulo Rocha / Rádio Gaúcha
No início do mês em Porto Alegre, homem foi espancado após sequestro relâmpago na Cidade Baixa. Ele segue internado em estado grave
Foto: Paulo Rocha / Rádio Gaúcha

Para especialistas, casos estão ligados ao sentimento de que o Estado “não resolve”

Mais recente caso de linchamento no Rio Grande do Sul, a agressão que acabou na morte de um homem nesta madrugada em Pelotas divide opiniões sobre a causa e efeito da justiça que foge do ritual tradicional: a que é feita pelas próprias mãos. Em duas semanas, o Estado teve dois casos de suspeitos agredidos por populares após crimes. Se a insegurança provoca a sensação de violação, a violência explícita coletiva e em público gera a falsa impressão de eliminar o “mal”, alertam especialistas.

O caso mais recente é investigado pela Delegacia de Homicídios de Pelotas, onde o homem ainda não identificado foi encontrado de bruços, nu, com ferimentos na cabeça e as mãos e uma perna amarradas para trás em um mesmo nó. Segundo informações iniciais levantadas pela polícia, ele teria tentado estuprar duas jovens na região portuária da cidade. Uma delas conseguiu fugir e pediu ajuda em um bar próximo, onde 20 pessoas teriam se mobilizado para deter o criminoso e linchá-lo.

Os agressores deixaram o local e ainda não foram localizados pela polícia. Como o criminoso tinha um ferimento na cabeça, não está descartada a hipótese de que ele tenha sido atingido por um tiro. Caso a perícia comprove a morte pelo disparo ou espancamento, “todos que participaram serão indiciados por homicídio doloso, quando há intenção de matar”, informou um agente da Delegacia de Homicídio de Pelotas.

Não foi o primeiro caso de 2015 no Estado. No dia 3, na Capital, um homem foi espancado na Cidade Baixa — e seguia internado nesta sexta-feira em estado grave na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Hospital de Pronto Socorro (HPS) — após um sequestro relâmpago. Com uma arma de plástico, Francisco da Silva Vargas teria abordado duas irmãs na saída de uma festa. Amigos das jovens foram avisados por um flanelinha que avistou o crime e perseguiram o veículo das vítimas — que acabou interceptado, e o criminoso, agredido a pontapés.

Responsável pela investigação, o delegado César Carrion abriu dois inquéritos: um para apurar o sequestro relâmpago, e outro para averiguar as circunstâncias da agressão.

— Se eles fizeram aquilo aquilo (a agressão) só para interceptar a ação criminosa, irão responder só pelo excesso. Ou se “bateram” só por “bater”, podem responder por lesão corporal grave ou gravíssima — aponta Carrion.

Ou seja: apesar de considerada válida por parte da população, a justiça pelas próprias mãos pode se enquadrar como um crime — assim como a tentativa de estupro ou o sequestro relâmpago, estopim da reação. Para o sociólogo Rodrigo Azevedo, pós-doutor em Criminologia e coordenador do Pós-graduação em Ciências Sociais da PUCRS, os casos refletem a dificuldade de parte da sociedade em aceitar que crimes precisam ser apurados pelo ritmo normal do processo penal.

— É preciso lidar com esse sentimento de uma forma mais equilibrada e chamar a atenção para o fato de que não podemos abrir mãos dos aspectos legítimos para que os crimes sejam apurados, e os envolvidos culpados ou não. Essa é a única forma aceitável. Caso contrário, é barbárie — aponta. — Está ligado a esse sentimento de que o Estado não resolve, então, vamos resolver por conta própria — completa Azevedo.

Professor de Criminologia da Unisinos e advogado criminalista, Alexandre Dargél acredita que a presença de policiamento ostensivo evitaria episódios de linchamento, já que o “Estado daria uma resposta imediata ao crime”:

— Vivemos em uma sociedade extremamente violenta, e as pessoas não têm aguardado a atuação do Estado. Mesmo porque, muitas vezes, há uma demora nessa atuação, então as pessoas acham que está justificada a ação de fazer justiça com as próprias mãos.

Dargél enfatiza que essa “forma de vingança privada” é coibida pela legislação criminal brasileira.

* Zero Hora