Acontecimentos da Revolução Federalista de 1893
Na manhã do dia 28 de fevereiro de 1894, aconteceu o combate do arroio Sarandi – Município de Livramento – quando as tropas da Divisão do Oeste, comandada pelo general Hipólito Ribeiro atacaram as forças federalistas de David Martins e de Rafael Cabeda, composta de uns oitocentos homens. Os chefes maragatos Martins e Cabeda tendo informações trazidas por seus piquetes de que o general Hipólito avançava com suas forças na direção de Bagé, supostamente para atacar o general Joca Tavares, retiraram-se tranquilamente da cidade de Livramento. No entanto, o general Hipólito depois de avançar várias léguas na direção de Bagé, ordenou a contramarcha acelerada. Essa manobra extraordinária do general Hipólito pegou os maragatos despreparados para o combate. Havia uma crença de que esse foi um combate noturno que até teve alguma refrega entre piquetes, mas o combate deu-se na manhã do dia 28 de fevereiro. Em retirada, os federalistas praticamente ficaram de costas para a cavalaria de Hipólito. As tropas da Divisão Oeste, especialmente a sua cavalaria, dessa forma carregaram contra o inimigo (maragatos) com o mínimo de baixas. Segundo o relatório do general castilhista os maragatos tiveram mais de quinhentos mortos, cujos corpos ficaram espalhados pelos campos em torno do arroio Sarandi. Cabe observar que quase a totalidade deles foi morta quando em fuga, portanto, sem esboçar movimento de luta. Esse combate, graças ao estratagema do general Hipólito, os castilhistas obtiveram uma vitória expressiva sobre as forças federalistas de David Martins e Rafael Cabeda. Mas vamos ao próprio relatório do comandante da Divisão do Oeste para procurar entender melhor o que representou esse combate, ressaltando que o texto abaixo transcrito no jornal A Federação de 6 de abril de 1894, é uma visão unilateral – de parte dos castilhistas – sobre os acontecimentos em torno do Sarandi, na manhã de 28 de fevereiro daquele mesmo ano.
COMBATE DE SARANDY
PARTES OFICIAIS
Comando da divisão do norte e oeste, acampamento na estância de Santo Antônio, em Sarandy, 4 de março de 1894.
Ao cidadão general de divisão Francisco Antônio de Moura, muito digno ministro da guerra.
Conforme ordenastes em telegrama, vos envio a parte circunstanciada do combate de 28 de fevereiro, e com ela as partes dos comandantes das brigada e corpos, faltando a do coronel Gabriel Rodrigues Portugal, por achar-se ausente este chefe com a brigada do seu comando desde o dia 1º, em expedição no município do Quaraí. Logo que essa parte me seja remetida, farei chegar a vossa presença com a possível brevidade. Nesta ocasião remeterei a relação dos mortos e feridos, podendo, desde já, assegurar-vos que houve apenas dois mortos e vinte feridos levemente. Esqueci-me de comunicar-vos na parte que nas carroças apreendidas foram encontrados dois ferros de marca, um com a marca da propriedade de David Martins e outro com a do seu filho, que suponho serem para marcar os animais arrebanhados. – Saúde e fraternidade. – General Hyppolito Antônio Ribeiro, comandante da divisão.
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Comando da divisão em operações ao norte e oeste do Estado. Acampamento na estância de Santo Antônio, em Sarandy, 4 de março de 1894.
Ao cidadão, general de divisãoFrancisco Antônio de Moura,muito digno ministro da guerra.
PARTE
Conforme comunicação já feita a vossa excelência, a 21 do mês próximo passado (21 de fevereiro), quando acampava com a divisão do meu comando no passo de Santa Maria, vindo em perseguição da coluna Cabeda, que seguia em nossa frente a cinco léguas de distância, levado por informações, as quais julguei dever dar crédito, atendendo às pessoas informantes, de que essa coluna compunha-se apenas de quinhentos homens, havendo ficado com Silva Tavares, que seguia para Bagé, o grosso das forças inimigas, abandonei a perseguição daquela e segui em marchas forçadas em busca destas, visto como soube também por telegrama que a coluna do coronel Sampaio ainda no dia 17 achava-se em São Gabriel. Chegando ao Piraí, minhas descobertas e um prisioneiro comunicaram-me que Tavares achava-se no (rio) Camaquã e, não longe, perseguindo-o a Divisão do Sul, ao passo que Cabeda, David e Ulysses marchavam para Livramento, à frente de dois mil homens. Resolvi contramarchar, caminhando noite e dia, vindo no dia 27 sestear no Ibicuí, passo Florentino, onde recebi comunicação da vanguarda de que nossa avançada, comandada pelo capitão José Francisco Pereira, que seguia pela esquerda, havia encontrado no Serro do Chapéu um piquete inimigo, que desbaratara fazendo prisioneiros, os quais informaram estarem as infantarias inimigas acampadas na cidade de Livramento e a cavalaria no passo do Registro. Dando o indispensável descanso às praças e pasto aos animais de transporte e montaria, levantei acampamento às 4 horas da tarde, vindo acampar à noite meia légua distante da cidade, tendo feito esta marcha com as devidas precauções pela ingratidão do terreno, que por um lado oferecia emboscadas ao inimigo, dificultando pelo outro a marcha do transporte com os seus desfiladeiros. Ai chegando, tive parte de que o inimigo, logo após o desbarato do piquete, levantou precipitadamente acampamento, retirando-se da cidade, em direção ao passo do Registro, onde acampavam as suas cavalarias. Resolvi então, à meia noite, seguir com as 1ª, 2ª e 3ª brigadas de cavalaria e 4º regimento da mesma arma pertencente a 3ª brigada, comandadas aquelas pelos coronéis Felipe Aguiar, Gabriel Rodrigues Portugal e Sebastião Barreto Pereira Pinto, e este pelo capitão Zeferino Horacio Marcelino, seguindo sempre como vanguarda avançada o capitão João Francisco Pereira, com seu contingente. Fiz avançar também a artilharia, composta de três canhões Krupp, pertencentes à 4ª brigada e dirigidos pelo alferes, em comissão Luiz Gonzaga Ferreira da Rocha, atendendo a que esta arma poderia ser necessária para desalojar o inimigo, se este, aproveitando-se do acidentado do terreno e estreitos desfiladeiros, não permitisse operar com cavalaria. Para garantir a retaguarda e o transporte da munição, já desfalcado de animais de tração, ordenei aos tenentes-coronéis Lydio Purpurario dos Santos Costa com a 3ª brigada do seu comando composta do 6º batalhão de infantaria e do parque de artilharia e Francisco de Paula Castro, comandante da 4ª (brigada), composta do 18º batalhão de infantaria e do 12º regimento de cavalaria, seguissem à retaguarda, só levantando acampamento ao clarear do dia, afim de, com mais facilidade, vencerem as dificuldades impostas pelas agruras do terreno, dando o comando ao primeiro dos tenentes-coronéis, por ser o mais antigo. Ordenei também que essa mesma hora seguissem a alcançar-me as cavalhadas de remonta das brigadas que comigo marchavam. À essa hora, havendo eu já passado a cidade, comunicou-me o coronel Aguiar, que fazia a vanguarda, que a avançada comandada pelo capitão João Francisco Pereira encontrara a retaguarda do inimigo na Caneleira e com ele guerrilhava. Apesar de estar a cavalhada já bastante fatigada, entendi não dever perder tempo a esperar as remontas, e, fazendo avançar imediatamente a trote largo, cheguei ao desfiladeiro, que descamba para o Sarandy, onde já havia a vanguarda sustentando nutrido fogo com o inimigo, que se apoiavam em cercas de pedra, e nas anfractuosidades do terreno, sendo desalojados pelas guerrilhas comandadas pelo tenente-coronel Lourenço Cabello, da 1ª brigada. Desse ponto veio novamente apoiar-se o inimigo no passo do Sarandy, junto a casa de Alexandre Ribeiro, ocasião esta em que o mandei flanquear, à esquerda pelas forças ao mando do tenente-coronel Evaristo Vieira e capitão João Francisco Pereira, e à direita por um esquadrão ao mando do tenente Amaro Carvalho. Na frente avançava, sempre guerilhando, o tenente-coronel Cabello, ao passo que eu com o restante das 1ª, 2ª e 5ª brigadas e 4º regimento de cavalaria avançava no centro, sem poder aproximar-me à distância conveniente para mandar carregar, pela precipitação, com que o inimigo se distanciava, protegido pelo terreno. Mas receiando que ele tomasse a serra do arroio da Sociedade, fui obrigado a dispor as forças o melhor possível, e mandar fazer a carga, embora de muito longe, a qual felizmente produziu o efeito desejado, porque o inimigo, que formara quadrado com as suas infantarias para esperá-la, não resistiu a impetuosidade do choque dos nossos bravos soldados, estabeleceu-se logo a confusão e pronunciou-se assim a sua derrota. Desse modo foi perseguido o inimigo na distância de três a quatro léguas, em cujo trajeto, aos tiros das mannlichers e mausers (fuzis), os nossos bravos soldados respondiam com vivas à República, carregando à espada e à lança com bravura inexcedível. Cessou a perseguição, quando os cavalos completamente extenuados não conseguiam mais alcançar os fugitivos, e então começou o aprisionamento dos pequenos grupos, que haviam ficado a retaguarda ocultos nas matas e sangas. O inimigo deixou no campo 500 mortos, e em nosso poder 13 carretas com 70.000 cartuchos, 40 cargueiros, 8 carroças, 1 carro de quatro rodas, 1 ambulância com muitos instrumentos cirúrgicos, diversos estandartes, 500 armas de fogo de diversos sistemas, algumas lanças, vários instrumentos de música, 150 prisioneiros, 3.000 e tantos animais vacuns e cavalares. Terminando a exposição circunstanciada do combate, permita, vossa excelência, que em homenagem a justiça e como testemunha ocular, recomende à consideração dos seus concidadãos e chefes os nomes dos dignos coronéis Felipe Nery de Aguiar, comandante da 1ª brigada; Gabriel Rodrigues Portugal, comandante da 2ª brigada; Sebastião Barreto Pereira Pinto, comandante da 5ª brigada; capitão João Francisco Pereira, comandante do contingente da vanguarda avançada; capitão Zeferino Horacio Marcelino, comandante interino do 4º regimento de cavalaria, pela perícia, bravura e conveniente calma com que dirigiram suas hostes durante o combate dando fiel execução às minhas ordens; bem como os dos tenentes-coronéis Lydio Porpurario dos Santos Costa, comandante da 2ª brigada; Francisco de Paula Castro, comandante da 4ª brigada; tenente-coronel em comissão Ernesto Dornellas, deputado do quartel mestre-general; tenente-coronel Vital Ribeiro, comandante do transporte; major Eliserio de Campos, comandante de polícia; capitão Boaventura Palma, auxiliar do transporte, pela atividade e solicitude no desempenho das comissões que lhe foram confiadas, fazendo avançar com toda ordem, garantia e máxima rapidez a retaguarda da coluna com todo o material bélico. Faço meus, pedindo a especial atenção de vossa excelência para eles, os merecidos elogios e elevados conceitos emitidos pelos comandantes de brigadas sobre o procedimento dos seus comandantes de corpos, e destes sobre de seus oficiais e praças, constantes das partes juntas, porque sinto deveras orgulhoso diante da heroicidade revelada pelos bravos, a quem tive a honra de comandar. Recomendam-se também pelo exato cumprimento de seus deveres os oficiais de meu estado-maior: coronel Apparicio Mariense, deputado do ajudante-general, que na passagem da cidade de Livramento, ali ficou em cumprimento de minhas ordens, desempenhando importante comissão, o que fez com a maior presteza possível; coronel José Simões Pires, pelo arrojo e galhardia, com que portou-se, quando levando ordens deste comando à linha de fogo, tomou parte direta no combate, sendo nesta ocasião baleado o cavalo em que montava; tenente-coronel Ataliba José Gomes, que como general de dia, achava-se a meu lado, pelo valoroso auxílio que prestou-me; tenente-coronel Severino Antônio da Cunha Pacheco, que, achando-se doente, montou a cavalo, vindo ocupar o seu posto; capitães João Benício da Silva, Camilo de Azambuja, Antônio de Freitas, Adolpho Martins de Menezes, Hildebrando Rodrigues das Chagas, tenente em comissão José Ferreira Maia, ajudante de ordens, alferes Joaquim Felix de Vargas, ajudante de campo, ambos do 4º regimento de cavalaria, os alferes Manoel Marques Barbosa, Pedro Escobar, Juvêncio Alves de Freitas, Dorival Corrêa de Mello e alferes em comissão Luiz Netto Gomes Ferraz, pelo auxílio eficaz que prestaram a este comando, já na transmissão de ordens à linha de fogo, já no desempenho de outras comissões, doutores Agostinho da Silva Campos, João Tolentino Barreto de Albuquerque e Eduardo Ribeiro da Silva, pela solicitude e dedicação com que atenderam aos feridos, especialmente, o último, que os medicou no campo da batalha. Devo salientar o capitão Salvador Lourenço de Senna pela bravura, com que à frente de um piquete, e em obediência às minhas ordens, atacou uma força inimiga destroçando-a e tomando grande quantidade de animais vacuns e cavalares, seguindo no flanco esquerdo em tenaz e proveitosa perseguição pela mortandade produzida no inimigo; o tenente Fioravante Teixeira da Silva, que indo à linha de fogo levar ordem deste comando, tomou parte na luta sendo ferido na face; o major Celso Saldanha, que fazia parte da vanguarda pelo valor demonstrado no correr da ação. Recomendo também a vossa excelência, o nome do 2º sargento de meu piquete Adriano de Roza. Permiti, sr. ministro, que, encerrando a parte do combate de 28 de fevereiro, saúde na pessoa do ínclito marechal Floriano Peixoto, a República Brasileira. –General Hyppolito AntônioRibeiro, comandante da divisão.A FEDERAÇÃO – Porto Alegre: Sexta-feira, 6 de abril de 1894.
Romeu Karnikowski
Pesquisador PNPD PUC/RS