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“No RS, em briga de marido e mulher, a Brigada Militar mete a colher”

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“No RS, em briga de marido e mulher, a Brigada Militar mete a colher”
A tenente-coronel Nádia Gerhard, 47 anos, foi a primeira mulher a comandar um batalhão da Brigada Militar. Também foi idealizadora da Patrulha Maria da Penha |Foto: Filipe Castilhos/Sul21

A tenente-coronel Nádia Gerhard, 47 anos, foi a primeira mulher a comandar um batalhão da Brigada Militar. Também foi idealizadora da Patrulha Maria da Penha |Foto: Filipe Castilhos/Sul21
A tenente-coronel Nádia Gerhard, 47 anos, foi a primeira mulher a comandar um batalhão da Brigada Militar. Também foi idealizadora da Patrulha Maria da Penha |Foto: Filipe Castilhos/Sul21

Jaqueline Silveira

No domingo (8) foi celebrado o Dia Internacional da Mulher, data de reflexão sobre as conquistas feministas e os avanços ainda necessários, principalmente em postos de trabalhos ainda dominados por homens. No que diz respeito a ocupar cargos dominados pelo sexo masculino, a tenente-coronel Nádia Gerhard é uma pioneira. Ela foi a primeira mulher no Rio Grande do Sul a comandar um batalhão na Brigada Militar: em 2007, assumiu o 4º BPM sediado em Estrela, Vale do Taquari, e que atendia 11 municípios. Já em 2012, tornou-se a primeira mulher a comandar um batalhão na Capital. Assumiu o 19º Batalhão, conhecido como Tropas do Leste, responsável pela segurança de uma das regiões mais violentas de Porto Alegre: Lomba do Pinheiro, Campo da Tuca, Maria da Conceição, Morro da Cruz. Nádia também foi idealizadora da Patrulha Maria da Penha, implantada há dois anos com o objetivo de proteger as mulheres vítimas de violência doméstica. Na última quarta-feiraela lançou o livro “A Patrulha Maria da Penha: o impacto da ação da Polícia Militar no enfrentamento à violência doméstica”. Hoje, são 30 patrulhas, distribuídas em 22 cidades. Em janeiro, ela assumiu um novo desafio: diretora do Departamento de Justiça da Secretaria Estadual da Justiça e dos Direitos Humanos. Casada com um major da Brigada Militar e mãe de três meninos, Nádia, que tem 47 anos, fala um pouco da sua experiência à frente dos batalhões e da Patrulha Maria da Penha, e dos projetos no Departamento de Justiça. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

Sul 21 – Como foi a experiência de ser a primeira mulher a comandar um batalhão da Brigada Militar tanto no Interior quanto na Capital, formado predominantemente por homens?

Nádia Gehrard – Desde que eu ingressei na Brigada, em 1989, já foi uma quebra de paradigma para mim, foi uma conquista. Por que foi uma quebra de paradigma? Primeiro, são vários pontos que nós temos que observar. É uma quebra de paradigma na instituição, que a gente sabe que é conservadora, machista – nos seus quadros, até então, 100% (nos cargos de comando) eram homens. É uma inovação para a própria corporação. Eu acho que também foi importante para as mulheres gaúchas ter uma figura feminina num quadro de comando. Até então, existiam mulheres na Brigada Militar: soldados, sargentos, mas não em nível de comando. As mulheres, que iniciaram em 1986 na Brigada Militar, sempre ficaram mais na execução, no assessoramento. Quando assumi o Batalhão e aceitei esse desafio, eu sabia que ia ser muito pontual o meu trabalho. Se eu errasse qualquer coisa, iam dizer: ‘as mulheres não sabem fazer’, e se eu acertasse, ‘ah que bom!’. Aquela coisa, quando faz uma coisa errada, todo mundo cai de pau em cima e quando faz várias coisas certas, ninguém nem olha. Então, eu sabia, eu tinha esse sentimento que o desafio era grande, o compromisso que eu tinha era enorme, uma vez que tinha de mostrar o melhor de mim para que outras (mulheres) também pudessem assumir comandos, funções de mando, de administração, porque se eu falhasse, talvez a instituição dissesse ‘não dá certo’. Quando eu assumi o Batalhão, eu já tinha vários anos de Brigada, então isso te tranquiliza, porque tu acabas tendo aquilo que tu precisas, que é a tranquilidade, que é ter a certeza do que tu deves fazer, que é o profissionalismo acima de tudo, que é ter centrado em ti qual é a missão que tu deves executar, por eu ter passado por todos os cargos: de aluno, oficial, de 2º tenente, de 1º tenente, eu tive a vivência em todas as áreas que a Brigada Militar oportuniza para o oficial e isso me facilitou. Além do meu conhecimento profissional, agreguei toda aquela expertise necessária para um comandante, seja homem ou mulher, estar à frente de um batalhão.

“(…) Eu tinha esse sentimento que o desafio era grande, o compromisso que eu tinha era enorme, uma vez que tinha de mostrar o melhor de mim para que outras (mulheres) também pudessem assumir comandos (…)”

Sul 21 – Houve alguma resistência ou desconfiança dos comandados por uma mulher estar à frente de um batalhão?

Nádia – Não houve, bem pelo contrário. Seria interessante fazer o contraponto com homens que estiveram sob o meu comando. Normalmente, o que eu ouço dos homens que eu comandei: ‘que bom que é um comando feminino’, porque a mulher tem características diversas do homem, que é aquela de descentralizar a informação, de descentralizar a ordem, fazendo com que todos comunguem da mesma ideia. Então, o trabalho em equipe é muito propício para a mulher, que tem aquele olhar mais materno, de cooperação, de união. Facilita o trabalho de todas as pessoas, sejam homens e mulheres. Não teve jamais nenhum assim: ‘bah, o que essa mulher está pensando, vai mandar em mim’ ou ‘eu não vou obedecer mulher, só o que me falta’. Claro que deve ter havido em algum momento certa curiosidade, ‘e agora como é que vai ser?’.  Aquela troca de comando, de gerente que a gente tem, de patrão, aquela instabilidade de saber qual vai ser a linha que vai ser seguida por essa pessoa, que vai estar gerenciado o todo. Mas a minha linha, e eu acredito que de todas as mulheres, é aquela de cooperação, de união de esforços, de fazer um comandamento a partir do centro, em que todos se integram.

Sul 21- E houve alguma diferença entre comandar um batalhão do Interior e da Capital? O Interior é mais conservador?

Nádia – O que eu vejo de diferente não está na parte de comando. O trabalho da Brigada Militar no Interior é muitíssimo mais fácil do que na Capital, porque as pessoas colaboram mais, se conhecem mais, são mais abertas a informações, se comunicam mais umas com as outras, isso facilita o trabalho da Brigada, que é basicamente de informações. Nós trabalhamos em cima de informações, de dados para precaver alguma coisa que possa acontecer. No interior do Estado, por incrível que pareça, eu tinha 11 cidades, então, eu tinha 11 prefeitos, 11 Câmaras de Vereadores, tudo em 11. As pessoas, quando passava um carro diferente na rua, elas já ligavam para a Brigada Militar. Então, a confiança me parece maior, aquele sentimento de ‘também sou corresponsável pela segurança’. No Interior do Estado, isso está muito latente na sociedade. Na Capital, já me parece diferente. As pessoas trabalham mais, agem mais solitárias. Vizinhança solidária não existe em Porto Alegre, porque se tu estás olhando na casa está sendo enxerido, é fofoqueiro. Então, na Capital, isso dificulta muito para o comando, seja de mulheres ou de homens. As pessoas na Capital são muito impessoais, muito personificadas, personalíssimas, não veem o grupo, isso é ruim para quem é comandante.

“O trabalho da Brigada Militar no Interior é muitíssimo mais fácil do que na Capital, porque as pessoas colaboram mais, se conhecem mais, são mais abertas a informações (…).”

Sul 21 – E como foi o desafio de comandar o 19º Batalhão da Capital, responsável pela segurança de uma das regiões mais violentas e também vulneráveis de Porto Alegre, como Campo da Tuca, Lomba do Pinheiro, Vila Maria da Conceição e Morro da Cruz?

Nádia – Eu acredito muito no trabalho comunitário, o policiamento comunitário, em que o policial é conhecido pelo dono da venda, é conhecido pelo dono do mercadinho, pela manicure, pela dona Maria, pelo seu João. Então, investi muito no trabalho com o meu efetivo no trabalho comunitário, de as pessoas efetivamente saberem quem são os oficiais, os praças, os sargentos que estão trabalhando na sua área de ação, naquele bairro. E muita reunião com a comunidade. Eu sou muito de pensar que segurança pública não se faz só com as polícias, jamais tu vais conseguir. A segurança pública se faz com o auxílio de todos. Às vezes, as pessoas dizem: mas eu sou só manicure, como vou ajudar? Vai ajudar e muito, sabe como? Protegendo sua casa, não deixando a casa aberta, não deixando roupas esticadas quando a senhora sair uma semana, cuidando do vizinho do lado se ele chegou bem, se não está acontecendo nada com o vizinho, dando seu palpite, sua sugestão, sua crítica nas reuniões de fóruns que a gente sempre fez. Essa integração comunidade/polícia fazendo com que a comunidade veja o policial como mais um daquele centro, daquele bairro, daquele nicho, isso facilita muito, aí a gente vê que não tem como a criminalidade chegar a tanto. Ali, realmente, é uma área muito conflagrada, de tráfico de drogas e, por consequência, de homicídios, até porque a Lomba do Pinheiro era um Território de Paz. Mas a gente conseguiu. De todos os Territórios de Paz da Capital, o nosso foi o que melhores índices teve, ou seja, reduzimos a criminalidade, porque efetivamente a polícia estava se fazendo presente, batendo na porta, trabalhando com prevenção.

“Eu sou muito de pensar que segurança pública não se faz só com as polícias, jamais tu vais conseguir.”

Sul 21 – A senhora costumava acompanhar as operações junto com o efetivo nessas áreas conflagradas?

Nádia – Eu acompanhava tudo. Em todas as nossas grandes operações, eu estive presente: na Conceição (Maria), que foi muito veiculado por conta do tráfico, na Lomba do Pinheiro. Todas as grandes operações em que o 19º estava envolvido com a Polícia Civil, com a Polícia Federal, com a Guarda Municipal, enfim, o comandante tem de estar junto. Eu não acredito em pessoa que é o responsável pelo todo não estar junto numa grande operação, em alguma coisa que aconteça de diferente de sua normalidade, até para mostrar para seus subordinados que um batalhão se faz com todos. O comandante é o mais importante? Não, importante são todas as pessoas que fazem o batalhão ser forte. Se o soldado está errado, erra todo mundo, se o soldado está acerto, todo mundo. Não adianta um comando solitário.

Sul 21 – A senhora disse que segurança pública não se faz só com policiais. Acredita que a participação efetiva do Estado é fundamental para diminuir a criminalidade, já que, normalmente, os lugares mais violentos costumam não ter a presença do poder público?

Nádia – Eu não digo só a presença da Polícia Militar, mas o Estado presente, a partir de redes fortes. O que são essas redes que a gente fala? Segurança pública na Lomba do Pinheiro, por exemplo, é um problema de saneamento, é um problema de iluminação, é um problema de transporte, é um problema de praças. As crianças não têm onde brincar, então, quando tu não propicias para uma comunidade lazer, alguma coisa extra, o mínimo de condições para se viver com dignidade, é óbvio que a criminalidade acaba tomando conta do espaço. Acredito muito na presença do Estado, tralhando em redes: a assistência social, a Brigada Militar, a Polícia Civil, o Ministério Público, que aí a gente já puxa o Poder Judiciário também, a Defensoria Pública. O Estado como todo e o Poder Judiciário trabalhando em conjunto tende sim a diminuir os índices de criminalidade, porque aí se tem a presença do Estado fazendo a diferença no local.

“Segurança pública na Lomba do Pinheiro, por exemplo, é um problema de saneamento, é um problema de iluminação, é um problema de transporte, é um problema de praças(…).”

Sul 21 – Como foi a idealização da Patrulha Maria da Penha?

Nádia – O projeto surgiu da necessidade que se tinha da Brigada Militar de ter realmente o enfrentamento à violência doméstica. Até então, todas as polícias do Brasil apenas atendiam a violência doméstica. Atender significa o quê? A mulher liga e diz ‘me bateram’. Então, a polícia ia lá, pegava a mulher, levava na Delegacia de Polícia, por ser um crime de maior potencial ofensivo, entregava a mulher na delegacia e ia embora, lavava as mãos, era um Pôncio Pilatos. Só que aquela mesma mulher que eu entreguei na delegacia, por ela ter registrado ocorrência contra o marido, por ela ter solicitado uma medida protetiva, quando ela retornava para o lar potencializava mais ainda a violência por parte do agressor. O que acontecia?  Apanhava de novo. E ela fazia o quê? Ligava de novo para o 190, então a Brigada Militar ficava no retrabalho todas às vezes. Aí, nós começamos a ver que, mesmo as mulheres que tinham medida protetiva, que é uma ordem judicial de o agressor não se aproximar da vítima, elas estavam morrendo com o papel na mão, porque o papel, que é a medida protetiva, não é um colete à prova de balas, não ataca chute, soco e pontapé. A Brigada Militar, então, criou a patrulha que trabalha exatamente nessa área de mostrar para a Polícia Militar que ela tem de trabalhar, sim, no enfrentamento e não só no atendimento, porque ela fazia muito bem o atendimento, mas não enfrentava a violência doméstica. E enfrentar é o que? É conhecer o problema e não dar às costas para ele. É fazer atendimento completo como diz a Lei 11.340 (Lei Maria da Penha). Aí a Brigada Militar começou, efetivamente, a fiscalizar as medidas protetivas. As mulheres que, até então, não denunciavam, começaram a se sentir fortes. Outras mulheres foram estimuladas também a denunciar, e outros agressores começaram a ficar intimidados, porque a Polícia Militar ia à casa e ainda vai na casa das mulheres, que têm medidas protetivas, fiscalizar se aquilo que o juiz disse de ele não estar perto da vítima está sendo executado e, se não estiver, ele vai preso. No primeiro ano que se instalou a Patrulha Maria da Penha, 40 pessoas foram presas, porque não acreditavam no sistema e todo mundo sabe que a impunidade estimula a criminalidade, então, a partir do momento que o agressor vê que o juiz mandou não me aproximar e tem um órgão, no caso a Brigada Militar, fiscalizando e se eu não cumprir essa determinação, eu vou preso, eu vou ficar no meu lugar. A Patrulha Maria da Penha que vai na casa acaba protegendo toda a comunidade do entorno. Vizinhos que escutam gritos, veem as marcas nos rostos, o pé quebrado, a cabeça cortada começaram a testemunhar, porque também se sentiam protegidos. Então, a Patrulha Maria da Penha acabou sendo ícone aqui para o Estado, nacionalmente e internacionalmente. Hoje, há vários Estados que vieram ao Rio Grande do Sul para seguir o exemplo. Temos (Patrulha Maria da Penha) em Pernambuco, na Bahia, em Rondônia, Espírito Santo. Goiás veio há pouco para ver a expertise de como funciona e fazer. Claro que são adaptações da Patrulha Maria da Penha. Cada região tem sua peculiaridade e seu jeito de colocar dentro da sua Polícia Militar essa visão de que precisa atender o todo, não só fazer o encaminhamento.

“Elas estavam morrendo com o papel na mão, porque o papel, que é a medida protetiva, não é um colete à prova de balas, não ataca chute, soco e pontapé(…).”

Sul 21– Quão significativa foi a implantação da patrulha para o combate e fiscalização da violência contra a mulher? A intimidação do agressor e o estímulo às mulheres denunciarem foram os principais resultados?

Nádia – A patrulha desenclausura a mulher. O que faz o agressor? Ele tira a mulher da convivência dos amigos, dos vizinhos e da família, porque é fácil ter sua presa debilitada, com sua autoestima lá embaixo. Ele reduz a sua vítima, fica mais fácil de atuar. A Patrulha Maria da Penha desenclausura essa mulher, traz ela para a rua, faz encaminhamento dessa mulher para a rede, mostrando: ‘essa mulher precisa de emprego?’, então vamos encaminhar para onde precisa, ‘essa mulher precisa de entendimento médico, psicológico?’, vamos encaminhar. E mais: de todas as mulheres atendidas pela Patrulha Maria da Penha, nenhuma delas morreu. E poderia ter morrido, porque tinha casos gravíssimos, e nenhuma registrou novamente ocorrência, ou seja, eficiência e eficácia total da Patrulha Maria da Penha. Aquela mulher que era atendida tinha cinco ou seis ocorrências da mesma pessoa, o Estado estava endossando aquela violência contra aquela mulher e a Brigada Militar do Estado chegou para dizer ‘não, nós não vamos ratificar essa violência’. Eu sempre brincava, no Estado do Rio Grande do Sul, em briga de marido e mulher, a Brigada Militar mete a colher.

“De todas as mulheres atendidas pela Patrulha Maria da Penha, nenhuma delas morreu.”

Sul 21 – Em todos os municípios onde há a patrulha, o número de registros de violência contra as mulheres diminuiu?

Nádia – Até o dia em que eu estava atuando na Brigada Militar, sim.

Sul 21 – Qual é a importância de ter mulheres na patrulha? As mulheres se sentem mais à vontade ao serem atendidas por mulheres?

Nádia – Não necessariamente. Há homens e mulheres trabalhando na Patrulha Maria da Penha. O que tem de ter? Uma capacidade específica para quem vai trabalhar na Patrulha Maria da Penha. Eu não posso pegar qualquer pessoa, porque são mulheres que estão vulneráveis, que já expuseram o seu problema, elas já estão maculadas, elas já estão fragilizadas. Eu preciso pegar um policial militar que tenha facilidade para dialogar. O que tem acontecido? Os policiais são tão capazes, eles são tão bons que, ao entrarem na casa da mulher, descortinam outros tipos de agressões que existiam ali, desde abuso infantil. Então, outras coisas que a mulher não conseguiu repassar na hora da denúncia, quando está nervosa e que tem outras questões, a patrulha tem conseguido descortinar.

Sul 21 – Por quanto tempo de capacitação passam os policiais que vão trabalhar na patrulha?

Nádia – Uma semana de capacitação. Uma semana de imersão assim: por que existe a violência doméstica? Quando começa esse menos preço, menos valia da mulher? Isso remete à pré-história, desde Roma, Grécia, enfim, a mulher sempre teve menos valia, sempre foi contada como cabeças de gado, de porco. Então, o policial que faz essa imersão de uma semana, efetivamente se sensibiliza e aprende a ter um diálogo mais aproximado com as vítimas, retirando delas coisas que são importantíssimas para o inquérito policial civil e, principalmente, para o processo judicial. Às vezes, faltam detalhes naquela ocorrência, fazendo com que os processos acabam em nada, porque faltavam informações importantes. Hoje, são os brigadianos que fazem a robustez desse processo.   

Sul 21 – Como surgiu o convite para assumir o cargo de Diretora de Departamento de Justiça?

Nádia – Foi uma grata satisfação e um orgulho ser convidada pelo nosso secretário César Faccioli para compor essa equipe. Efetivamente, eu vejo que ele vai fazer a diferença porque ele quer mudar,  porque é uma pessoa simples como nós, que tem ideais. A equipe formada hoje é de sonhadores. É um orgulho enorme estar aqui na secretaria sendo da Brigada Militar. Às vezes, as pessoas perguntam ‘mas é da Brigada Militar e é da Justiça?’ A Brigada Militar faz justiça toda a hora. Só fecha mais na nossa fala, principalmente por ser mulher, estar aqui cm esse papel importante, um trabalho bem árduo.  O trabalho da Patrulha Maria da Penha estava muito linkado ao Judiciário, ao Ministério Público. Desde lá, o secretário César Faccioli conhece meu trabalho, então, acredito que o convite tenha vindo exatamente por isso, pela sensibilidade. Enfim, o trabalho desenvolvido nesse olhar com as mulheres e o Departamento de Justiça tem tudo a ver. Agora, eu estou até pensando, já que a Patrulha da Maria da Penha está com uma outra coordenadora, de aqui trabalhar também a acessibilidade das mulheres à Justiça. As mulheres não sabem seus direitos, as mulheres não sabem como acessar a Justiça. Cabe a nós, enquanto departamento, enquanto Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos, facilitarmos o acesso dessas mulheres à Justiça.

“As mulheres não sabem seus direitos, as mulheres não sabem como acessar a Justiça. Cabe a nós, enquanto departamento, enquanto Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos, facilitarmos o acesso dessas mulheres à Justiça.”

Sul 21 – E quais são seus projetos prioritários como diretora do Departamento de Justiça?

Nádia – O departamento aqui tem várias frentes. É um departamento que cuida da proteção de testemunhas, tanto de adultos do Protege, quanto do Ppcam, que protege crianças e adolescentes. São várias frentes de batalha, não tem uma mais importante, mas a proteção de adultos, crianças e adolescentes é uma bandeira do departamento. O egresso, os PODs (Programa de Oportunidades e Direitos), os programas socioeducativos, que são aqueles meninos que saem da Fase (Fundação de Atendimento Socioeducativo), também é uma bandeira importante do departamento. Dar àquele menino que ficou um ano e meio ou dois anos (na Fase) uma oportunidade de ser reincluído na sociedade, através da escola, propiciando um curso profissionalizante. Ele ganha um bolsa, tem acordos a serem cumpridos, têm psicólogos e assistentes socais que trabalham com esses meninos. É feito um termo de compromisso entre o menino que está saindo da Fase, entre o Juizado da Infância e Juventude e entre nós para que eles, efetivamente, cumpram aquilo que eles estão prometendo. Outra coisa importante também é a Jornada Estadual contra a Violência e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, que é uma pauta importante nossa. O Plano Decenal Estadual Socioeducativo, que nós temos que fazer, porque desse Plano Decenal Socioeducativo é que serão feitos os dos municípios. Então, as frentes são múltiplas. A interlocução com o Poder Judiciário é importantíssima, o departamento aqui, dentro da Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos, não vai conseguir trabalhar se ele não fizer essa interlocução com o Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública. O nosso secretário, César Faccioli, diz que a gente tem que ser nós, tem uma coisa que eu gosto bastante que ele diz: ‘aqui está proibido o eu, somos nós’. Nós vamos fazer a diferença, daqui a quatro anos, quando a gente sair, temos que deixar efetivamente uma marca, uma marca positiva para o povo gaúcho, que a igualdade foi procurada, que a Justiça foi feita, e que a gente possa fazer realmente a diferença sendo um todo.

“São várias frentes de batalha que não tem uma mais importante, mas a proteção de adultos, crianças e adolescentes é uma bandeira do departamento.”

Sul 21 – Como a senhora vê a política do governo do Estado para as mulheres, apesar da extinção da secretaria?

Nádia – Mudou o nome, as boas práticas executadas vão continuar. Vão ser aprimoradas práticas que existiam, a própria Rede Lilás vai continuar.

Sul 21 – Mas há diferenças. Agora é uma Diretoria de Políticas para Mulheres.  Não terá orçamento e estrutura própria.

Nádia – Mas o orçamento foi passado para cá (Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos), então não teve uma quebra. Todos os equipamentos e orçamento foram passados para cá.  Todos os carros foram passados para cá e estão sendo conservados para esse departamento. Tanto que há um olhar diferenciado do secretário César Faciolli, quando empossa prioritariamente e unicamente a sua diretora do departamento (diretoria) de Políticas para Mulheres, enquanto todos os outros diretores estão nomeados e empossados. Então, ele está dando sim um olhar diferenciado, um olhar de melhoria, de que não se tenha a mulher como vítima apenas, mas que ela realmente seja uma protagonista da sua história, que ela faça a diferença a partir do empoderamento dela e não aquela vitimização da mulher, da coitadinha, as mulheres também não querem isso. Então, esse olhar bem diferenciado, não vejo como menos valia, pelo contrário. Até porque se a gente vai ver o secretário César tem aqui seis diretorias e, das cinco diretorias que já têm diretores, quatro são mulheres. Com certeza, uma das coisas que ele não pode ser taxado é de que não dá importância para as mulheres. Há sim uma valorização das mulheres aqui na secretaria e há uma continuidade das boas práticas com a melhoria delas, sem buscar vitimização, mas buscando o empoderamento, mostrando a mulher com outro viés.

“Há sim uma valorização das mulheres aqui na secretaria e há uma continuidade das boas práticas com a melhoria delas, sem buscar vitimização, mas buscando o empoderamento, mostrando a mulher com outro viés.”

Sul 21 – Como a senhora avalia a pouca participação das mulheres na política e em cargos de chefia, como na própria Brigada Militar?

Nádia – Tudo é construção, é um passo atrás do outro.  As conquistas foram muitas. As mulheres mudaram o mundo e elas têm essa característica que não mudam só para si, mudam para a melhoria de todos, para homens, mulheres e idosos. Esses movimentos feministas têm um papel muito importante nessa construção do novo papel da mulher. O papel da mulher é ser humana, cidadã. Com os mesmos direitos e deveres do homem, com dignidade. O Estado só pode existir para uma coisa: para garantir a proteção de todos e todas, de cada um, dentro da sua dignidade, do seu respeito. Nós temos que pensar no que deixaremos para nossos filhos e netos.

Sul 21- Como pode se avançar na conquista de espaços?

Nádia – As políticas para as mulheres têm avançado e nós (mulheres) estamos, sim, conquistando espaço. As mulheres vão conseguir cargos mais nobres pela sua competência, pela busca do seu aprimoramento. As mulheres não querem competir com os homens, elas só querem seu espaço e tem espaço para todo mundo.

Sul 21