Ingresso de 575 agentes que finalizam treinamento em abril será imediato para compensar reforço no efetivo. Sindicato da categoria afirma que medida não resolve déficit no quadro de servidores
A Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) anunciou nesta segunda-feira (30) a meta de zerar as diárias de reforço de vigilância a partir de maio. A medida integra o pacote que visa à redução de custos do governo estadual, imerso em uma profunda crise financeira, e será possível graças à entrada em operação de 575 novos agentes. O contingente, que se formará em 17 de abril, será imediatamente incorporado aos quadros do órgão.
Na edição impressa desta segunda-feira, Zero Hora noticiou o apontamento, feito pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), de R$ 11,32 milhões em diárias “desnecessárias” pagas aos servidores penitenciários entre 2010 e 2012. A Susepe informa já ter reduzido em 65% as diárias desde janeiro, quando o novo secretário de Segurança Pública, Wantuir Jacini, assumiu a pasta. Os novos agentes atuarão em unidades como o Complexo Penitenciário de Canoas, ainda sem data de inauguração, e a Penitenciária Estadual de Venâncio Aires (Peva). Entretanto, ainda não serão suficientes para proporcionar a retirada dos contingentes da Brigada Militar dos presídios.
Apesar de admitir que as diárias tenham se incorporado ao orçamento dos agentes como forma de aumento de remuneração, o presidente do Sindicato dos Servidores Penitenciários, Flávio Berneira, diz que o governo não tinha prejuízos com a medida. Pelo contrário:
– A diária era até boa para o Estado, porque o servidor trabalhava por dois, mas recebia por um e meio. Os servidores sempre fizeram duas jornadas. Cumpriam 15 dias onde estavam lotados e, na segunda quinzena, faziam diárias em outras sedes. Isso era economicamente interessante para o Estado, mas pesado para o agente.
Segundo Berneira, diferentemente do que diz a Susepe, o Estado segue com um déficit de cerca de 2 mil agentes. Por isso, afirma, o fim das diárias e horas extras teria impacto negativo nas casas prisionais:
– É impraticável. Todos os presídios já estão abaixo do necessário. Por exemplo: há um grupo de suporte tático sediado no Presídio de Santa Maria, que atua em mais de 10 cidades da região. Esses agentes trabalhavam nos seus horários em Santa Maria e, nas folgas, faziam este suporte. Com o corte das horas extras, o serviço não está mais operando.
O semestre que virou duas décadas
Criada em 25 de julho de 1995, a Operação Força-Tarefa proporcionou o uso de contingente da Brigada Militar (BM) para a segurança interna de presídios. Inicialmente, cinco unidades tiveram a coordenação administrativa e operacional atribuída, em caráter “excepcional”, aos oficiais superiores da BM. Às vésperas de completar 20 anos, a Força Tarefa segue presente no Presídio Central de Porto Alegre (PCPA) e na Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ).
Segundo auditores do TCE, a presença de brigadianos nos presídios – colocada em ação, inicialmente, pelo prazo de seis meses – gera ônus à Susepe, uma vez que os valores dispendidos com as diárias pagas aos PMs também resultam em altos custos para o órgão.
Os auditores apontam gasto médio mensal de R$ 3,28 milhões em diárias e serviços extraordinários pagos aos integrantes da Susepe e da Força-Tarefa da BM em 2012. O valor seria suficiente para remunerar 1.486 agentes penitenciários classe A, com vencimento de R$ 2,2 mil (salário básico e adicional de risco de vida).
O relatório do TCE ainda aponta que, caso o valor gasto em diárias fosse usado para a contratação de novos agentes, os brigadianos atualmente em atividade nos presídios poderiam ser alocados no policiamento ostensivo. “Além disso, (os 1.486 agentes) superariam em mais de duas vezes e meia o número médio mensal de policiais militares (587) atuando nas unidades prisionais sob a responsabilidade da Força-Tarefa em 2012, os quais estariam liberados para desempenhar as funções que lhes são legalmente peculiares em um contexto de notória carência de efetivos para o policiamento ostensivo”, diz trecho do documento.
Auditorias do TCE apontam gasto de R$ 11,3 milhões em diárias desnecessárias da Susepe
Tribunal de Contas do Estado verificou pagamentos indevidos a agentes da superintendência entre 2009 e 2012
Em meio à crise financeira do Estado, mais uma fonte de sangria de recursos públicos vem à tona. Auditorias técnicas do Tribunal de Contas do Estado (TCE) apontaram o pagamento de R$ 11,3 milhões em diárias “desnecessárias”, realizadas por agentes da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) entre 2009 e 2012.
Conforme relatórios dos auditores, as irregularidades vêm sendo detectadas desde 2006, mas apenas a partir de 2010 foi possível dimensionar o prejuízo causado ao erário. As conclusões constam em documentos obtidos por Zero Hora junto ao TCE por meio da Lei da Acesso à Informação, referentes a análises de prestações de contas da Susepe nos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012.
Os pagamentos indevidos referem-se às chamadas “diárias cruzadas” – quando um servidor lotado no presídio A é enviado como reforço de vigilância para o destino B, na mesma data em que um agente do estabelecimento B atua no destino A, ambos recebendo pagamentos extras. Os valores para diárias cumpridas em outras praças são maiores do que as realizadas no próprio município onde o servidor está lotado. Atualmente, as diárias para reforço de vigilância na Capital e no Interior são de R$ 73,37. As que incluem deslocamento e escolta são de R$ 123 (Interior) e R$ 150,33 (Capital).
Os auditores também verificaram “diárias trianguladas”, quando as permutas entre servidores envolvem três cidades diferentes. Os deslocamentos são feitos como forma de reforçar o efetivo, em razão do déficit de agentes em atividade no sistema prisional gaúcho. Com 3.909 agentes em atividade, a Susepe garante que as deficiências serão supridas com os 575 agentes concursados que se encontram atualmente em fase de treinamento. O Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado, porém, estima a falta de pelos menos 2 mil profissionais, sem considerar o contingente necessário para operar nos presídios que estão em construção.
Por meio de sua assessoria, o atual secretário de Segurança Pública, Wantuir Jacini, afirma que, desde o início da gestão do governador José Ivo Sartori (PMDB), a Susepe conseguiu reduzir em 65% o total de diárias realizadas pelos seus servidores. Informado sobre as irregularidades pelo próprio TCE assim que assumiu o cargo, em janeiro, o secretário garante que, com o ingresso em serviço dos novos agentes, previsto para maio, não haverá mais necessidade de diárias.
MP pede devolução de valores de 2010
O tribunal aponta pagamentos desnecessários de R$ 1 milhão em 2010, último ano do governo de Yeda Crusius (PSDB), e R$ 10,2 milhões no primeiro biênio da gestão de Tarso Genro (PT) – R$ 5,2 milhões em 2011 e R$ 5 milhões em 2012. Antes disso, embora não mensurados e identificados sob a forma de recebimentos “cruzados” ou “duplos”, os sucessivos pagamentos de diárias na Susepe sob a rubrica “plantão de reforço” já haviam sido objeto de apontamentos nos três exercícios anteriores – em 2006, último ano do mandato de Germano Rigotto (PMDB), e em 2007 e 2008, primeiro biênio do governo Yeda. Nos três casos, o plenário do TCE decidiu apenas pela imputação de multas aos administradores da Susepe.
Nenhum dos quatro relatórios de auditoria de gestão obtidos por ZH (2009, 2010, 2011 e 2012) foi julgado no plenário do TCE. Em todos, os apontamentos de irregularidades foram mantidos pelos técnicos. Até agora, o Ministério Público de Contas (MPC) pediu o ressarcimento aos cofres públicos dos valores pagos indevidamente em 2010. Sobre os exercícios de 2011 e 2012, ainda não há manifestação oficial por parte do MPC.
Reforço no orçamento
Entre janeiro e agosto de 2010, em 53 dias diferentes, um servidor do Presídio Regional de Santo Ângelo registrou 25 horas trabalhadas em um mesmo dia. Em outro apontamento, referente a 19 de abril, o mesmo agente anotou 29 horas trabalhadas. A irregularidade é facilitada pelo fato de o sistema de controle de entrada e saída dos servidores ainda ser manual – em 2010, relógio-ponto e ponto eletrônico estavam presentes em apenas cinco dos 103 estabelecimentos prisionais.
Na visão dos agentes, o expediente utilizado pela Susepe para reforçar seu contingente transformou-se em incremento salarial. Um agente lotado no Interior, que prefere não se identificar, menciona o fato de que alguns colegas chegam a optar por não gozar férias e seguir fazendo diárias. Com os valores atuais, um agente pode receber até R$ 2,7 mil mensais apenas em diárias:
– Além disso, muitas vezes há a vantagem de se trabalhar na parte administrativa, sem contato direto com os presos, e também o fato de o agente poder passar finais de semana em casa – afirma.
O presidente do Sindicato dos Servidores Penitenciários do RS, Flávio Berneira, admite que, “para uma parcela dos servidores, a diária acabou integrando o orçamento familiar”, mas afirma que o expediente traz prejuízos ao agente e também ao sistema prisional.
– É uma prática danosa para a saúde do servidor. Esses colegas mais do que dobram a carga horária mensal, com desgaste físico e emocional – avalia.
OS PROBLEMAS, ANO A ANO
2009
– A auditoria aponta recebimento “cruzado ou duplo” de diárias a título de “reforço de vigilância”, decorrente da permuta entre servidores lotados nos presídios de Cruz Alta e Júlio de Castilhos.
– Diz ainda que “a auditada, em autorizando a prática habitual dessas ocorrências, administra contra os preceitos insculpidos no artigo 37 da Carta Magna, em especial o da impessoalidade e da moralidade”.
Andamento do processo
Para fins de “responsabilização administrativa”, a instrução indicou Paulo Roberto Thomsen Zietlow (superintendente de 1º de janeiro a 16 de abril de 2009) e Mário Santa Maria Junior (a partir de 17 de abril). Em 2013, o procurador-geral Geraldo da Camino pediu suspensão do processo por outras irregularidades, para as quais foi solicitada inspeção extraordinária.
CONTRAPONTOS
Paulo Roberto Thomsen Zietlow
Procurado por ZH, Paulo Thomsen Zietlow não foi encontrado. Em seus esclarecimentos ao TCE, afirmou que “a utilização do efetivo de servidores da Susepe, com a adoção do pagamento de diárias para suprir carências, vem de longa data, cuja solução apontada somente se dará pela contratação de novos servidores”.
Mário Santa Maria Júnior
Procurado por ZH, não foi encontrado. Ao TCE, disse que “a simples leitura do relatório demonstra cristalinamente o grande problema da Susepe: carência de pessoal. Nesse sentido, as medidas adotadas foram aquelas viáveis. Não há que se falar em compensações financeiras desnecessárias (…) Pelo contrário, a realização do trabalho era extremamente necessária, e a compensação financeira era mera consequência”.
2010
– Conforme a auditoria, as diárias por deslocamentos motivados pelo “sistema de reforço” originaram R$ 7,2 milhões em despesas.
– A auditoria constatou permutas entre as unidades prisionais de Carazinho e Iraí, Viamão e Osório, Lagoa Vermelha e Vacaria, Porto Alegre e Caxias do Sul.
– O documento afirma que “essas compensações financeiras desnecessárias ao bom andamento do serviço público oneram os cofres públicos estaduais em pelo menos
R$ 1 milhão, cabendo responsabilização aos administradores da auditada no período”.
Andamento do processo
O Ministério Público de Contas propôs a suspensão do processo até o julgamento da inspeção extraordinária solicitada em referência ao exercício de 2009. A instrução técnica acompanhou as conclusões constantes no relatório de auditoria, com sugestão de devolução do valor de R$ 1 milhão, sendo R$ 747.023,33 de responsabilidade do gestor Mário Santa Maria Júnior e R$ 296.362,40 de responsabilidade do gestor Afonso José Cruz Auler. O processo também segue suspenso, aguardando o resultado de inspeção extraordinária referente a indícios de outras irregularidades.
CONTRAPONTO
Afonso José Cruz Auler
Por meio da assessoria, o ex-gestor afirma desconhecer o teor do levantamento do TCE e diz que nunca foi notificado a respeito da possível irregularidade. O expediente “foi utilizado, à época, de forma responsável, para cobrir a carência de efetivo”. Auler garante que está com a consciência tranquila sobre o assunto.
2011/2012
– As diárias motivadas pelo sistema de reforço totalizaram R$ 24,8 milhões. Somadas, as despesas estimadas com horas extras decorrentes do plantão e com a Operação ForçaTarefa atingiram R$ 50 milhões, com gasto médio mensal de R$ 4,168 milhões.
Andamento do processo
Conforme os auditores, “as compensações financeiras desnecessárias oneram os cofres públicos estaduais em R$ 5,23 milhões, cabendo responsabilização ao administrador da auditada no período em que ocorreram os pagamentos”. Em 2011, o superintendente da Susepe era Gelson dos Santos Treiesleben, que, no processo, não apresentou esclarecimentos ao TCE. O caso foi encaminhado para manifestação do Ministério Público de Contas, que ainda não se pronunciou.
– No relatório referente a 2012, o TCE constatou “pagamento desnecessário de diárias concedidas a agentes que optaram por prestar serviços em estabelecimento distinto de seu município de lotação, sob o argumento de suprir a carência de pessoal. Diárias pagas, nessa situação, indicam demanda fictícia, haja visto que o reforço de pessoal poderia ser suprido pelo servidor lotado no próprio município sede”.
Andamento do processo
Conforme o auditor público Ronaldo Edison Mohr, “a responsabilidade pelas falhas é atribuída a Gelson dos Santos Treiesleben, uma vez que Mário Luiz Pelz, que ocupou o cargo de superintendente em substituição ao titular, o fez em períodos limitados e insuficientes para motivar ou buscar regularização das inconformidades”. O processo aguarda manifestação do Ministério Público de Contas.
CONTRAPONTO
Gelson dos Santos Treiesleben
A ZH, o ex-gestor afirmou: “Na verdade, não são diárias. São pagamentos. O servidor cumpre a sua carga mensal em 15 dias e, depois, outra carga de mesma quantidade de horas em outro estabelecimento prisional. Isso se dá em função de o Estado não ter o número necessário de agentes para trabalhar nas casas prisionais. Isso onera o Estado em parte, porque, se fizermos um cálculo atuarial, o Estado está se locupletando com esta situação, porque faz o servidor cumprir duas cargas horárias. Ou seja, ele não supre a quantidade de servidores e faz com que os agentes cumpram uma carga horária dupla. O servidor não recebe salário, mas diárias, que resultam em um valor bem menor do que seria o de um salário dobrado. É desumano. Temos problemas com servidores que, por fazerem essas carga desumana, acabam ficando doentes”.
ZERO HORA