Marco Weissheimer
Os cortes de horas extras, diárias e de custeio estão provocando uma situação caótica na segurança pública do Rio Grande do Sul, aumentando a criminalidade e colocando em risco o bem estar e a vida da população. O alerta é da direção do Sindicato dos Escrivães, Inspetores e Investigadores de Polícia do Rio Grande do Sul (Ugeirm), ao analisar os quatro primeiros meses do governo de José Ivo Sartori (PMDB). Em entrevista aoSul21, Isaac Ortiz e Fábio Nunes Castro, presidente e vice do sindicato, respectivamente, criticam a opção pelos cortes na segurança sem apresentar nenhuma política para o enfrentamento da criminalidade. “Estamos assistindo gradual e aceleradamente o crescimento da violência em nosso Estado, presenciando coisas que a gente não conhecia, como chacinas, ataques com incêndio de ônibus, execuções dentro de ônibus, morte de criança por bala perdida”, diz Isaac Ortiz.
“Não se conhece qual é o projeto de segurança pública deste governo para os próximos quatro anos. Não há nenhum plano para enfrentar esses tipos de crimes que o Ortiz mencionou: ônibus incendiado, execução dentro de ônibus…”, acrescenta Fábio Castro. Na avaliação do Ugeirm, essa política é insustentável e vem provocando uma grande mal estar entre os servidores da área da segurança. “Na segurança pública, assim como na saúde, estamos lidando com vidas. Então, não se economiza nestas áreas. Cabe ao governante identificar o que se precisa e ir atrás dos recursos para satisfazer essas demandas e impedir que as pessoas morram”, defende Ortiz. E adverte: “se o governo fizer esse pacote que está cogitando para a área da segurança e para o serviço público em geral, vai enfrentar uma reação parecida com a que aconteceu no Paraná. Pode ter certeza disso”.
Sul21: Qual é, na sua avaliação, a situação da segurança pública no Rio Grande do Sul e, em particular, a situação dos servidores da área, que estão trabalhando com uma nova realidade a partir das decisões do atual governo de cortar diárias e horas extras?
Isaac Ortiz: A situação da segurança pública no Rio Grande do Sul hoje é caótica. Estamos assistindo gradual e aceleradamente o crescimento da violência em nosso Estado, presenciando coisas que a gente não conhecia, como chacinas, ataques com incêndio de ônibus, execuções dentro de ônibus, morte de criança por bala perdida. Isso tudo está acontecendo hoje no Rio Grande do Sul. Em contrapartida, não se vê uma reação do governo para combater essa criminalidade crescente. O governo deveria vir a público e anunciar iniciativas para coibir essas práticas. O que vemos, porém, é o contrário. O governo vem a público, faz uma caravana nas nove cidades-polo do Estado, para dizer que não tem dinheiro e não tem o que fazer. Isso é o que se viu do governo até aqui.
Com isso, a criminalidade se organiza e cresce. Quanto mais o governo diz que não tem condições para agir, que não tem dinheiro para hospital, que não tem dinheiro para educação nem para a segurança pública, a criminalidade avança porque ela tem o seu poderio de fogo. O Estado, que deveria ser o responsável para coibir esse poder de fogo, não está fazendo nada, está achando normal. Na segurança pública, assim como na saúde, estamos lidando com vidas. Então, não se economiza nestas áreas. Cabe ao governante identificar o que se precisa e ir atrás dos recursos para satisfazer essas demandas e impedir que as pessoas morram. Na segurança pública, é preciso buscar recursos para a prevenção e para a punição posterior se o crime ocorreu.
No caso da polícia militar é um absurdo o que fizeram com o corte de horas extras, que já representavam uma miséria.
Sul21: Qual o valor dessa hora extra?
Isaac Ortiz: Vinte e poucos reais, não passa disso. Essa medida impede que os policiais, além de suas seis horas diárias, trabalhem mais algumas horas para a população. Sem as horas extras, o policial vai buscar o bico. Essa economia acaba custando a vida de pessoas. Hoje [a entrevista concedida no dia 20 de abril] eu ouvi o secretário da Segurança falando que o efetivo da Brigada é este. Mas tem dois mil concursados da Brigada aguardando para frequentar a academia. Nós, na Polícia Civil, temos 650 concursados para cursar a academia. Leva de seis a sete meses para a formação desse policial. Quanto mais você atrasa a chamada desse pessoal para começar a fazer a academia, mais tempo vai levar para ele começar a prestar serviço à população.
O governo do Estado é eleito para apresentar soluções para os problemas que a população enfrenta e não para dizer que não sabe o que fazer ou que não tem como fazer. Nós não elegemos um governante para ele nos dizer isso. Se é isso o que ele tem a dizer nem deveria ter participado das eleições. Elegermos um governador para resolver os problemas que temos na saúde, educação e segurança pública.
Sul21: Como é que esses cortes estão impactando o dia-a-dia do trabalho dos policiais e dos demais servidores da área da segurança?
Isaac Ortiz: Com o corte de custeio, daqui a pouco não vamos conseguir manter nem um serviço básico e importantíssimo para as delegacias que é a limpeza. O governo está atrasando o pagamento para terceirizadas desta área. Corte de custeio significa também não comprar mais papel, tinta para a impressora, diversos equipamentos, não ter manutenção nas viaturas. Tudo isso está impactando o dia-a-dia do trabalho dos policiais. Grandes operações estão deixando de ser feitas porque elas necessitam de planejamento e investigação. Como fazer isso sem horas extras, sem dinheiro para diárias ou para a gasolina e óleo diesel? Não tem como funcionar. O dia-a-dia dos policiais está sendo muito ruim. A gente tem conversado com o pessoal e eles têm manifestado uma sensação de impotência muito grande. O que eles podem fazer é trabalhar mais de graça para o Estado. Já estão fazendo isso, aliás.
Os policiais civis trabalham em média, especialmente nas delegacias especializadas e nas delegacias do interior que têm pouca gente, 200 horas a mais por mês do que a sua carga horária normal. E não recebem por isso. Nós estamos alertando que isso representa um risco para a população. A gente não vê o governo fazendo uma reunião com a área da segurança para definir uma política de enfrentamento à criminalidade.
Sul21: Não houve nenhuma reunião com as entidades dos servidores da área da segurança?
Isaac Ortiz: Nada. Tivemos uma conversa com a chefia de Polícia e uma conversa com o secretário, mas que não definiram nada. Quem tem a chave do cofre é o governador e o secretário Feltes. Tudo passa por eles, que não liberam nada.
Fábio Castro: Não se conhece qual é o projeto de segurança pública deste governo para os próximos quatro anos. Nenhum projeto importante na área da segurança pública foi encaminhado até agora para a Assembleia. Há apenas alguns projetos cosméticos com modificações e unificação de alguns órgãos internos. Mas não há nenhum plano para enfrentar esses tipos de crimes que o Ortiz mencionou: ônibus incendiado, execução dentro de ônibus…
Sul21: Na avaliação de vocês, esses casos estão relacionados aos cortes na segurança pública?
Fábio Castro: Com certeza. A segurança pública tem problemas históricos. Seria uma injustiça dizer que esses problemas foram criados pelo atual governo. Mas se não existe uma política de segurança, abre-se a porta para todo tipo de criminalidade. É óbvio que, com menos policiamento na rua, a criminalidade se sente estimulada.
Isaac Ortiz: Há um exemplo sobre isso. No final do governo Tarso, houve o caso daqueles chamados toques de recolher na zona norte de Porto Alegre. Na época, o governo instalou um posto móvel da Brigada e colocou policiais 24 horas por dia na área. Os brigadianos fazem o que podem, mas hoje, com os cortes, não teríamos policiamento para colocar lá. O governo precisa ter capacidade de reação diante desses casos concretos. Não pode simplesmente dizer que não tem dinheiro. Quarteis de bombeiros fecharam as portas pela falta de horas extras. Dois quarteis de bombeiros foram fechados na região carbonífera do Estado por essa razão. O governo não pode esquecer que isso coloca em risco a vida de pessoas.
A cada crime que acontece tem que haver uma reação do Estado para identificar quem cometeu esses crimes. A chacina que ocorreu recentemente em Cidreira, por exemplo, deveria ter mobilizado uma força tarefa e merecia alguma declaração do governador e do secretário de Segurança. O governador parece que não está no Rio Grande do Sul, aparenta nem saber que ocorreu uma chacina que vitimou seis jovens. Ao invés disso, fica fazendo piadas na mídia. Não tenho nada contra piadas, mas quem perde um familiar quer ouvir outra coisa, especialmente de quem chefia o governo.
Outro exemplo é o dos trabalhadores que trabalham no shopping ali no bairro Menino Deus e que não aguentam mais os assaltos naquela região. Recentemente mataram um trabalhador ali também. Qual é a providência que o governo está tomando em relação a esses problemas. Parece que está cego, surdo e mudo. A única coisa que está fazendo é percorrer o Estado dizendo que não tem dinheiro. Ao invés disso, o governo deveria estar percorrendo o estado dizendo que tem um plano, tem um projeto para resolver esses problemas.
Sul21: Vocês chamaram um dia de paralisação agora para o dia 28. Qual é o objetivo desse ato e como ele ocorrerá? E qual é a estratégia das diversas categorias de servidores da segurança diante das medidas do atual governo?
Isaac Ortiz: Há dois momentos importantes aí que devem ser destacados. No dia 21 de abril deveriam ter sido publicadas as nossas promoções, o que não ocorreu. O governo sequer indicou uma data para a publicação dessas promoções. E o 30 de maio é o último dia para o pagamento da primeira parcela do subsídio para a Polícia Civil, a Brigada Militar e a Susepe. Nós estamos nos mobilizando e já lançamos uma carta à população alertando sobre o que está acontecendo na Segurança Pública do Estado. O objetivo dessa paralisação do dia 28 é chamar a atenção da sociedade sobre isso que está ocorrendo e dizer que precisamos nos organizar. A sociedade deve ir para as Câmaras de Vereadores e prefeituras de seus municípios, e exigir de seus deputados que cobrem do governo uma reação a essa situação de total insegurança que estamos vivendo no Rio Grande do Sul.
Como o Fábio falou, não estamos dizendo que isso é culpa exclusiva desse governo, mas ele precisa reagir e fazer alguma coisa, afinal foi para isso que foi eleito. Não basta ficar parado dizendo que não tem dinheiro. A crise é muito séria. Nós que estamos dentro da área da segurança pública sabemos o que está acontecendo dia-a-dia em Porto Alegre e em outras cidades do Estado. O governo tem que vir a público e mostrar um plano para enfrentar essa situação.
Sul21: Isso nunca foi discutido nas reuniões que vocês tiveram com a Secretaria da Segurança Pública?
Isaac Ortiz: Tivemos uma reunião com o secretário da Segurança e com o chefe de Polícia, além de uma conversa com o chefe da Casa Civil. Todos disseram que estavam engessados pela questão orçamentária.
Fábio Castro: O governo alega falta de recursos para fazer qualquer coisa. O problema se agrava na medida em que, além do problema da insegurança e do aumento da criminalidade, os servidores sofrem um clima de terrorismo permanente inclusive em relação ao salário de cada mês. Todo mês há uma insegurança sobre se os salários serão pagos em dia ou não, a ponto de termos sido obrigados a ingressar na Justiça, junto com outras entidades da segurança pública para evitar o parcelamento dos salários. As ameaças de atrasos e parcelamentos, a não publicação das promoções, as notícias sobre a possibilidade de revisão dos critérios de aposentadoria, tudo isso cria um ambiente e insatisfação e insegurança para quem já tem uma profissão extremamente estressante. Nós queremos o diálogo com o governo, mas um diálogo que aponte para alguma solução e não simplesmente para a repetição do discurso de que não há dinheiro. Nós não vamos aceitar a retirada de direitos.
Isaac Ortiz: O que estamos vendo com esses cortes de recursos é que os maiores prejudicados são os setores mais carentes da população. Não que as pessoas que tenham posses estejam livres do problema da insegurança. Vão sofrer também, pois a criminalidade vem em todos os níveis. Mas quem sofre mais é quem tem menos recursos e não tem condições de contratar uma segurança particular. Não há dúvida, porém, que todos vão sofrer com esse corte brutal de recursos na segurança pública.
O que é preciso dizer também é que, se o governo fizer esse pacote que está cogitando para a área da segurança e para o serviço público em geral , vai enfrentar uma reação parecida com a que aconteceu no Paraná. Pode ter certeza disso. E nem vai depender de nós chamarmos a mobilização. A revolta vai ser natural. Infelizmente o nosso governador parece não estar dando bola para isso. Estamos muito preocupados com toda essa situação, mas essa preocupação não pode ser só dos policiais, tem que ser de toda a sociedade.
Sul21: Como será a paralisação do dia 28?
Isaac Ortiz: Toda a categoria está conclamada a participar dessa mobilização. Os policiais civis estarão paralisados das 8h30 às 18h. Neste período não deve haver circulação de viaturas. Todas devem ser mantidas paradas no órgão a que pertencem. Também não haverá cumprimento de mandados de busca e apreensão, mandados de prisão, operações policiais, serviço cartorário, entrega de intimações, oitivas, remessa de inquéritos ao Judiciário e demais procedimentos de polícia judiciária. As delegacias e plantões só atenderão os flagrantes e casos de maior gravidade tais como: homicídio, estupro, ocorrências envolvendo crianças e adolescentes e lei Maria da Penha, além daquelas ocorrências em que os plantonistas julgarem imprescindível a intervenção imediata da polícia civil.
Os agentes devem se concentrar em frente aos seus locais de trabalho, prestando o apoio necessário aos colegas que estiverem de plantão no dia da paralisação e esclarecendo a população sobre os motivos do movimento paredista. Em Porto Alegre, a direção do Sindicato vai se concentrar na Área Judiciária, no Palácio da Polícia. As direções das entidades de servidores da Brigada e da Susepe também estão apoiando o nosso movimento. Não vão paralisar neste dia, mas também estão construindo a nossa mobilização. Essa paralisação não é para prejudicar a população, mas sim para mostrar para quem ainda não se deu conta o que está acontecendo com a Segurança Pública no Rio Grande do Sul. O responsável por essa situação é o governador José Ivo Sartori, que precisa dizer a que veio.