Extinção da Justiça Militar volta a ser discutida na Assembleia

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PROJETO QUER FIM DO TRIBUNAL MILITAR

PROPOSTA DE EMENDA à Constituição Estadual em tramitação no Legislativo defende a extinção da estrutura responsável pelo julgamento de processos envolvendo servidores da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros, inclusive os aposentados. A responsabilidade de julgar esses casos seria transferida para a Justiça comum

Pela terceira vez em sete anos, o debate sobre a extinção do Tribunal de Justiça Militar (TJM) volta à pauta da Assembleia Legislativa. Sob o argumento de redução de custos, paridade de julgamento a todos os cidadãos e fim de processos supostamente corporativos, o deputado estadual Pedro Ruas (PSOL) coletou as 18 assinaturas necessárias e protocolou a proposta de emenda à Constituição Estadual (PEC) que pretende encerrar as atividades do TJM, transferindo as suas atribuições à Justiça comum.

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As duas tentativas anteriores de fechar o tribunal que julga somente os processos envolvendo os servidores da Brigada Militar — incluindo os bombeiros — falharam. Primeiro, em 2009, o então presidente do Tribunal de Justiça, Arminio Fraga, apresentou a proposta. Mais tarde, em 2011, a defesa da PEC foi resgatada pelo então deputado estadual Raul Pont (PT). Nenhuma das duas chegou a ser votada em plenário, tendo o arquivamento como destino.

Contestada, a Justiça Militar enfrentará importante teste nos dias 2 e 3 de junho, quando julgará oito bombeiros militares que são réus no caso da boate Kiss. Entre os julgados, estarão cinco praças, sendo três soldados e dois sargentos, e três oficiais, entre um capitão e dois tenente-coronel. O processo será apreciado em primeira instância, na auditoria da Justiça Militar de Santa Maria. Depois, caberá recurso à segunda instância, o Tribunal de Justiça Militar, alvo da PEC de extinção.

No momento em que o Estado atravessa grave crise financeira, o principal argumento pelo fim do TJM é econômico. Para os críticos, trata-se de uma estrutura onerosa diante da demanda pelos seus serviços. Em 2015, o orçamento da Justiça Militar está fixado em R$ 39 milhões.

No ano de 2014, entre processos e recursos, foram quatro mil procedimentos instaurados. E o público passível de julgamento no TJM se restringe a cerca de 44,8 mil pessoas, entre 23,5 mil brigadianos e bombeiros ativos e 21,3 mil inativos.

— Na relação custo-benefício, a sociedade sai perdendo. É absurdo, uma enorme estrutura para uma função que a Justiça comum poderia assumir tranquilamente — diz Ruas, autor da PEC protocolada no último dia 12.

A ideia do parlamentar é extinguir o TJM, de segunda instância, e determinar que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul crie as varas especializadas para julgar a conduta dos policiais militares. Assim, acredita ele, haverá economia.

A Justiça Militar no Rio Grande do Sul é dividida em duas instâncias. Em primeiro grau, existem quatro estruturas chamadas de auditorias, sendo duas em Porto Alegre, uma em Santa Maria e uma em Passo Fundo. Se a PEC prosperar, elas deverão ser convertidas em varas especializadas da Justiça comum.

O segundo grau é o TJM, alvo da ação de extinção, onde são julgados os recursos decorrentes das decisões sentenciadas nas auditorias. O orçamento para as duas esferas é o mesmo. Somadas, as auditorias e o TJM contam, hoje, com 98 funcionários, incluindo juízes, servidores concursados e 22 cargos em comissão (CCs). A estrutura de segundo grau, o TJM, existe somente no Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais.

Relembre cinco casos polêmicos da Justiça Militar

O cenário leva Pont a classificar a existência do tribunal militar como um privilégio mantido ainda hoje por um “forte lobby”.

— Existem vários casos de julgamentos corporativos, o que já foi denunciado por promotores que atuam lá dentro, com uma série de prescrições de processos. O número de casos julgados é mínimo, ridículo, além do fato de que é mais um instrumento que mantém a ideia de policiamento militar no país, um resquício da ditadura — avalia Pont, que não nega que a extinção do TJM caminha junto da ideologia da desmilitarização da polícia.

Somado aos custos, à baixa demanda e ao suposto “empreguismo”, um dos pontos mais ressaltados pelos defensores da extinção é o baixo índice de condenação dos oficiais — tenente, capitão, major, tenente-coronel e coronel — da Brigada Militar: em 2014, as sentenças punitivas contra eles foram 11, ante 94 que atingiram os praças. A maioria recai sobre os soldados e sargentos.

Professor de Direito Constitucional da PUCRS, Alexandre Mariotti avalia que a discussão sobre o fim do TJM, desde o seu princípio, é mais calcada em paixões do que em fatos. Ele acredita que a decisão deveria ser baseada em dados técnicos, com ponderação de prós e contras.

— É incerto falar se existe alguma vantagem ou não na extinção e difícil tomar posição em um debate com argumentações genéricas, baseadas no princípio de ser contra ou a favor. A discussão está muito teórica e pouco empírica — avaliou Mariotti, que ainda alertou para a necessidade de os críticos “comprovarem a veracidade de acusações graves como a de que o TJM é corporativista” nas suas sentenças.

Sergio Antonio Berni de Brum diz ter medo da desmilitarização da polícia: “sem disciplina e hierarquia, o comando fica comprometido”
Foto: Lauro Alves / Agência RBS

Presidente do TJM contesta economia gerada por extinção

Em um prédio de boa localização na Avenida Praia de Belas, em Porto Alegre, o presidente do Tribunal de Justiça Militar (TJM), Sergio Antonio Berni de Brum, ingressa no seu gabinete cheio de folhas em mãos. São anotações à caneta, materiais impressos, um arcabouço para a sua argumentação contra a PEC de fechamento da corte que ele dirige.

— O canto da sereia de que extinto o TJM haverá economia imediata de R$ 39 milhões é uma inverdade — diz Brum, citando o valor do orçamento de 2015 do órgão.

Ele explica que, mesmo fechadas as portas do TJM, o salário dos juízes, servidores concursados, aposentados e pensionistas terá de continuar sendo pago. Somente em 2015, o orçamento prevê gasto de R$ 35,3 milhões em remunerações de pessoas que não podem ser dispensadas do serviço público.

Brum ainda afirma que a criação de varas especializadas para os militares na Justiça comum traria custos de manutenção. Hoje, na Justiça Militar, esses dispêndios ficam em torno de R$ 2,3 milhões ao ano. A única economia imediata, diz, poderia advir do corte dos 22 CCs empregados na Corte.

Brum assegura que o órgão exerce o controle das forças policiais, com ações “preventivas e educativas”, e rebate as acusações de que a instituição é corporativista. O presidente argumenta que as sentenças contra oficiais da Brigada Militar são numericamente inferiores porque eles representam menos de 8% do efetivo da corporação.

Por isso, as penalidades recaem mais sobre os praças, cotidianamente expostos no patrulhamento das ruas. Em 2014, as sanções aplicadas aos oficiais representaram cerca de 10% do total de condenações.

Um dos principais destaques de Brum é a “celeridade” da Justiça Militar. Levar o julgamento dos policiais para a Justiça comum, tradicionalmente morosa, seria um risco de os processos demorarem anos para serem julgados, sustenta ele.

— O TJM julga em prazo inferior a 50 dias — informa.

Brum ainda afirma que o tribunal exclusivo dos militares não aplica a lei da transação penal, usada na Justiça comum e que converte crimes em penas brandas, como o pagamento de cestas básicas.

Para o presidente, o caminho é aumentar o rol de competências do TJM, elevando também a sua produtividade. Para isso, ele defende que a Justiça Militar passe a julgar determinadas condutas dos militares que hoje são responsabilidade da Justiça comum, como os crimes contra a vida.

— Entendo que há um viés ideológico nessa proposta (PEC). Sem o TJM, há possibilidade de a Brigada Militar ser substituída por outra instituição não militar. Uma nova polícia. Eu tenho medo da desmilitarização. Sem disciplina e hierarquia, o comando fica comprometido — analisou.

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