Ela é a primeira mulher a alcançar o oficialiato no 1º Batalhão de Operações Especiais da Brigada Militar, em Porto Alegre
Ela não é Nascimento como o do cinema, eternizado na telona pelo ator Wagner Moura. Mas tão capitão quanto ele. Ou melhor, capitã. Gaúcha de Santa Maria, advogada, 36 anos, dançarina de jazz, solteira, sem namorado, treinada em artes marciais combinadas, falante mas capaz se esquivar de temas nos quais boca fechada é sabedoria, Michele Maria Sagin da Silva é a primeira mulher a alcançar o oficialiato no 1º Batalhão de Operações Especiais da Brigada Militar, em Porto Alegre.
Acostumou-se a esfarelar paradigmas. Entrar para o BOE, onde é preciso combinar tirocínio, fortaleza psicológica e potência física – esta uma virtude quase nunca associada a mulheres bonitas como ela – é apenas o mais expressivo. Mas há outros, prosaicos, que a gente nem imagina. Arrumar um jeito de aprisionar as longas madeixas cacheadas dentro do capacete é um deles. Diziam que teria de cortar o cabelo. Não cortou. Segue as regras de corporação no uso de maquiagem suave para os olhos verdes amendoados. Pois a capitã agora trabalha em jogos de Inter e Grêmio.
A qualquer momento pode ser requisitada a atuar no corpo-a-corpo destas badernas de organizadas, cujas rixas já produziram mortes e depredação. “Se tiver que entrar, eu entro. Se o sujeito perceber que tu sabe, e eu sei, pode apostar que eu sei, ele recua na hora. Sou treinado. É só focar na técnica, não tem mistério”. Eu é que não vou duvidar da dona da braçadeira.
É mais difícil para uma mulher entrar no BOE?
O que eu mais ouvia era: “você vai ficar na parte física”. Eu me entreguei de corpo e alma ao Curso de Especialização em Operações de Choque. Foram 45 dias intensos. Você faz tudo de colete, capacete, o equipamento do dia-a-dia. Sem condicionamento de longa data, não entra. Mas além da força física e mental, é crucial a determinação. Trata-se de quebrar paradigmas. Era o meu sonho, desde que me formei em Direito. Lutei muito para estar onde estou, nestes 9 anos de corporação e dois na Academia de Polícia.
Você está falando de machismo?
A sociedade é machista. O Rio Grande do Sul, mais ainda. Mas já não é como antes. E tem também o lado do conformismo da própria mulher, que termina sendo levada sempre para o lado da gestão, da administração, em vez do trabalho físico que exige embate? Por que não pode? Pode, sim.
Tem vestiário feminino para você no BOE?
Não, pois sou a primeira mulher. Mas fico no alojamento das mulheres praças sem o menor problema. Somos uma equipe, e elas também são pioneiras. No futuro, com mais mulheres oficiais, certamente construirão um. É o que te falo, dos paradigmas.
E as piadinhas machistas?
Nunca ouvi na BM, mesmo no comando (Michele chefiou a terceira seção do 2º BOE de Santa Maria; o 4º Pelotão da 1ª Companhia do 7º BPM em Crissiumal e, no 15º BPM, esteve à frente da Companhia de Operações Especiais). É uma questão de postura. Sou muito profissional. A conduta no BOE é rígida e respeitosa para todos. É bem tranquilo.
E estar cara-a-cara com a violência dos barra-bravas?
Já atuei em jogos, de prontidão. Sou combatente. Se tiver de entrar no estádio para resolver alguma confusão, eu entro e não tem conversa. Se o sujeito perceber que tu sabe o que está fazendo, e eu sei, ele recua. Nunca tive problema com isso por ser mulher. É uma questão de técnica, de treinamento. Você vai lá e faz.
Não dá medo?
(Risos) Tá falando sério?
Para que time você torce?
(Mais risos) Brigada Futebol Clube.
Aonde a capitã Michele quer chegar?
O meu sonho está realizado. Já tive convites para outras funções, algumas administrativas (Michele tem especializações em direito processual civil e direito constitucional aplicado, integrou a assessoria jurídica do Comando Geral da BM e fez o curso de contra-inteligência da BM), mas não quero. Eu quero o BOE. O que vier agora é lucro, mas que venha naturalmente.
*ZHESPORTES