PARECER ABAMF/RS SOBRE A PEC 244_2015

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pagO Chefe do Poder Executivo, dentro de seu programa de implementar  uma nova política de ajuste fiscal e controle das finanças públicas do Estado que vem afetar profundamente a estrutura salarial e previdenciária dos militares e servidores estaduais, encaminhou à Assembléia Legislativa, entre outros projetos, a PEC 244 que dá nova redação ao §1º do Art. 46 da Constituição do Estado. A redação vigente deste dispositivo constitucional é a seguinte:

 

Art. 46 – Os integrantes da Brigada Militar, inclusive do Corpo de Bombeiros, são servidores públicos militares do Estado, regidos por estatuto próprio, estabelecido em lei complementar, observando o seguinte:

 

(…..).

 

  • 1º – A transferência voluntária para a inatividade remunerada será concedida aos trinta anos de serviço, se homem, e aos vinte e cinco anos, se mulher, com proventos definidos em lei.

 

A redação da PEC 244, inclusive da sua ementa, por sua vez, é a seguinte:

 

Altera dispositivo da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, que dispõe sobre o tempo de serviço militar mínimo para os requisitos da inatividade.

 

Art. 1º – Fica alterado o §1º do art. 46 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, que dispõe sobre o tempo de serviço militar mínimo para os requisitos da inatividade, passando a ter a seguinte redação:

 

Art. 46 – (….).

 

  • 1º – A transferência voluntária para a inatividade remunerada será disciplinada na Lei Complementar a que se refere o “caput” deste artigo.

 

Art. 2º – Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

 

O Governo do Estado explana na justificativa dessa PEC 244, que dispõe sobre o tempo de serviço militar mínimo como requisito da inatividade, duas razões fundamentais pelas quais enviou a iniciativa em questão para a Assembléia Legislativa que são deveras preocupantes, sendo que a primeira é a seguinte:

 

A proposição vem na perspectiva de dar continuidade às reformas na estrutura da Administração Pública do Estado, indo ao encontro das demais medidas inovadoras que se pretende implantar.

 

Essa passagem da justificativa da PEC 244 fala por si mesmo acerca das intenções do Governo do Estado em suprimir os trinta e vinte e cinco anos – respectivamente para os homens e para as mulheres policiais e bombeiros militares – exigidos de serviço para eles se credenciarem para a aposentadoria. É sabido de todos, sobejamente, que o Chefe do Poder Executivo estadual, quer e vem agindo para estruturar a Administração Pública, dentro da sua visão de Estado, sendo que o PLC 206 que visa “estabelecer normas de finanças públicas no âmbito do Estado, voltadas para a responsabilidade da gestão fiscal” é o exemplo mais evidente da ação do Governo. Nessas medidas inovadoras, de que fala a justificativa da PEC 244, a Administração Pública deve estar encaixada na nova política de ajuste fiscal adotado pelo Governo atual que implica em cortes de direitos e a possível anulação de reajustes salariais dos militares e servidores estaduais. Portanto, a primeira razão é de ordem política e econômica, ou seja, o propósito da PEC 244 deve estar em sintonia com as diretrizes e com o ideário fiscal e administrativo do atual Governo do Estado.

 

A segunda razão, pela qual o Governo encaminhou a PEC 244, reveste-se de caráter jurídico, mas vem a ser estranho, senão tautológica e perigosa, quanto aos aspectos das condições de aposentadoria do Militar Estadual, tanto policial bem como bombeiro militar, Senão vejamos:

 

Cabe referir, também, que a alteração proposta se coaduna com o disposto no artigo 42 da Constituição Federal, em que é previsto à lei estadual e não à Constituição Estadual, dispor sobre os limites de idade e às condições de transferência do servidor militar para a inatividade.

 

Ora, a Emenda Constitucional nº 18, de 05 de fevereiro de 1998, deu nova redação ao artigo 42 da Constituição Federal, modificando profundamente a situação jurídica e constitucional dos policiais e bombeiros militares dos Estados e Distrito Federal. A EC 18/98, no que abrange os policiais e bombeiros militares tem a seguinte configuração:

EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 18, DE 5 DE FEVEREIRO DE 1998

  Dispõe sobre o regime constitucional dos militares.

Art. 2º – A seção II do Capítulo VII do Título III da Constituição passa a denominar-se “DOS SERVIDORES PÚBLICOS” e a Seção III do Capítulo VII do Título III da Constituição Federal passa a denominar-se “DOS MILITARES DOS ESTADOS, DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS”, dando-se ao art. 42 a seguinte redação:

Art. 42 – Os membros das Policias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

  • 1º – Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, §. 8º; do art. 40, §. 3º; e do art. 142, §§ 2º. e 3º., cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos Governadores.
  • 2º – Aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios e a seus pensionistas, aplica-se o disposto no art. 40, §§ 4º. e 5º; e aos militares do Distrito Federal e dos Territórios, o disposto no art. 40, § 6º.

Como podemos ver acima a EC 18/98, em primeiro plano trocou a designação “Servidor Público Militar” por ”Militar do Estado” donde podemos inferir a denominação Militar Estadual. Portanto, desde fevereiro de 1998, os policiais e bombeiros militares passaram a ser chamados, indistintamente, de Militares Estaduais, com as suas devidas conseqüências. A designação Servidor Público Militar, infelizmente ainda vigora na Seção III, do Capítulo IV, do Título II, que abrange os artigos 46, 47 e 48, da Constituição do Estado de 1989. A EC 18/98 – que deu nova redação ao artigo 42 da CF/88 – dita que os Estados passam a ter total responsabilidade pelas formas de ingresso, estabilidade, direitos, deveres e as condições de aposentadoria dos Militares Estaduais (Policiais e Bombeiros Militares). Nesse sentido, inclusive as formas de aposentadoria, devem ser tratadas em lei especifica o que deveras já foi tratado na Lei Complementar 10.990, de 18 de agosto de 1997, que dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Militares da Brigada Militar.

 

A atual redação do Art. 42 – pela EC 18/98 – remete que todas as responsabilidades que os Estados passaram a ter sobre os Militares Estaduais estão no inciso X, do §3º, do Art. 142 da CF/88, e cuja matéria deve ser regulada por lei específica. Mas isso nada impede que a matéria em questão, principalmente no que tange ao seu aspecto previdenciário, conste em texto constitucional. O Governo do Estado parece sofrer de certa deficiência hermenêutica, pois a redação atual do Art. 42 da CF/88 fala em lei específica e não de que tal matéria – no caso a aposentadoria dos Militares Estaduais – seja tratada por dispositivo infraconstitucional, mas que seja específica, ou por outra, clara e voltada para o objeto em questão. Cabe frisar que além do texto constitucional – Art. 46, §1º CE/89 – o tempo mínimo de serviço para aposentadoria dos Militares Estaduais está prevista no Art. 105 da LC 10.990/97. Desse modo quando o Art. 42 fala em lei específica refere-se matéria própria dos Militares Estaduais tal como já é tratado pela Lei Complementar 10.990/97, que estabelece o Estatuto dos “Servidores Militares da Brigada Militar”. Cabe lembrar que o adjetivo especifico, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, significa “próprio” e “exclusivo” pertencente a uma espécie e nesse sentido a lei especifica de que fala o Art. 42 da CF/88, deve contemplar a aposentadoria especial, conferida pela Emenda Constitucional 47/05 nas atividades de risco, tal como é na realidade a dos militares estaduais (policiais e bombeiros militares).

 

A exceção estabelecida no inciso XXI, do Art. 22 da CF/88, onde compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de organização, efetivos, garantias e material bélico das polícias militares e corpos bombeiros militares, cabe aos Estados legislar especificamente sobre toda a matéria prevista no inciso X, §3º do Art. 142, de acordo com o Art. 42 da Constituição Federal. Entendemos lei específica – não o sentido formal de lei ordinária ou lei complementar – mas de mérito como lei própria da categoria em questão, ou seja, contemplando os efeitos atinentes ao mesmo Art. 42 que ao se reportar ao Art. 40, §4º da CF/88, assegura sim a aposentadoria especial aos militares estaduais.

 

O fato de as condições mínimas de tempo de serviço para a aposentadoria do Militares Estaduais, constarem no referido texto da Constituição do Estado de 1989, não significa desmazelo jurídico, ao contrário, ele está dentro das condições de especificidade exigido pelo Art. 42 que como vimos acima remete ao inciso X, §3º do Art. 142 da CF/88. Daí vem a inevitável e preocupante interrogação: por que o Governo do Estado, em um preciosismo que salta aos olhos, tão somente mexe em apenas um parágrafo da Constituição do Estado, através da PEC 244, quando deveria então modificar e atualizar toda a sua Seção III, Capítulo IV, Título II, que abarca os artigos 46, 47 e 48 rebatizando os policiais e bombeiros militares de Militares do Estado conforme a exigência da nova redação do Art. 42 da CF/88 dada pela EC 18/98? Porque a supressão do tempo de aposentadoria dos Militares Estaduais – constante no §1º do Art. 46 da Constituição do Estado – é mais um dos lances que deve se coadunar com a política de ajuste fiscal e “modernizadora”, que significa entre outras coisas arrocho salarial e cortes de direitos dos servidores e militares, proposto pelo atual Governo do Estado. Portanto, torna-se infundado a supressão do tempo mínimo de aposentadoria – trinta e vinte e cinco anos – dos Militares Estaduais do texto constitucional.

 

Além disso, tendo ciência de outros projetos, tais como o PLC 206, que visa estabelecer uma nova política fiscal e de finanças pública para o Estado e o PLC 303 que pretende implantar a aposentadoria complementar, torna-se pertinente temer que no projeto de lei que o Governo encaminhará na sequencia, em caso de aprovação da PEC 244, seja o de aumentar o tempo de serviço dos Militares Estaduais e não a sua diminuição tal como está determinado no §2º do Art. 42 da CF/88. Ora, se o Governo encaminhar à Assembleia Legislativa, projeto de lei aumentando tempo de serviço para os Militares Estaduais incorrerá em grave inconstitucionalidade, pois o referido parágrafo do Art. 42 dita que aos Militares dos Estados – policiais e bombeiros militares – aplica-se o disposto do Art. 40, §4º, cuja redação foi dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 5 de julho de 2005, criando as condições para a aposentadoria especial:

 

EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 47, DE 5 DE JULHO DE 2005

  Altera os arts. 37, 40, 195 e 201 da Constituição Federal, para dispor sobre a previdência social, e dá outras providências.

Art. 1º – Os arts. 37, 40, 195 e 201 da Constituição Federal passam a vigorar com a seguinte redação:

(….).

Art. 40 – (….).

  • – É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:

I – portadores de deficiência;

II – que exerçam atividades de risco;

III – cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

(…. ).

 

A EC 18/98, que alterou a redação do Art. 42, determinou que as condições de aposentadoria dos Militares Estaduais estão configuradas no Art. 40, §4º da CF/88. Acontece que esse dispositivo constitucional ganhou nova redação dada pela Emenda Constitucional 47/2005 que vedou critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria, exceto nas três condições observadas nos incisos do §4º do Art. 40.  Com isso, abre o caminho para os Militares Estaduais do Rio Grande do Sul requisitar a sua aposentadoria nos termos do inciso II, §4º, do Art. 40 da CF/88, ou seja, como profissão com Risco de Vida, tal como já foi reconhecido aos policiais civis, através da Lei Complementar Federal 144/2014 e da Súmula Vinculante 33/2014 que infelizmente não reconheceu os policiais e bombeiros militares. É importante ressaltar que a Emenda Constitucional 47/05, assegurou a paridade completa entre os servidores ativos e inativos:

 

Nos termos do art. 2º da EC 472005, aplica-se aos proventos de aposentadorias dos servidores públicos que se aposentarem na forma do caput do art. 6º da EC nº 41/2003 (regra que consagrou o instituto da “reserva de direitos” ou dos “direitos adquiridos in fieri”) o disposto no art. 7º da mesma Emenda: paridade plena com os servidores em atividade. (LENZA: 2008, p. 786).

 

Dessa forma, não resta outra saída para o Governo, senão encaminhar à Assembleia Legislativa projeto de lei, quanto ao tempo mínimo para aposentadoria dos Militares Estaduais, nos termos do inciso II, §4º do Art. 40 da CF/88, ou seja, reconhecer que os policiais e bombeiros militares exercem Atividade de Risco e, portanto, com direito a aposentadoria especial contemplada em lei complementar. Os Militares Estaduais do Rio Grande do Sul, tal como dispõe o §2º do Art. 42 da CF/88, podem e devem buscar de ora em diante a sua aposentadoria nos termos da Emenda Constitucional 47/05 que deu nova redação ao §4º do Art. 40, ou seja, como executores de atividade de risco, estão enquadrados para aposentadoria especial, bastando para tanto Lei Estadual regulamentar tal situação.

 

APOSENTADORIA DOS MILITARES ESTADUAIS RS  
Condições Atuais Como deveria Ser  
30 Anos (Homem) e 25 Anos (Mulher) 25 Anos (Homem) e 20 Anos (Mulher)  
Art. 46, §1º da CE/89 e Art. 105 da LC 10.990/97 Art. 42, § 2º da CF/88 e Art. 40, §4º, II da CF/88  
A PEC 244 suprime da CE/89 o tempo de serviço mínimo para a aposentadoria dos Militares Estaduais remetendo para legislação infraconstitucional a regulamentação de tal disposição A EC 18/98 deu nova redação ao Art. 42, remetendo aos Estados a responsabilidade pela aposentadoria dos Militares Estaduais que devem estar nos termos do Art. 40, §4º, II da CF/88 segundo o próprio Art. 42
A atual situação dos policiais e bombeiros militares, quanto a aposentadoria, parece tranqüila e pacífica até o advento da PEC 244, que vai sim, caso aprovada, abrir caminho para modificar o tempo de serviço para a inatividade dos MEs Precedentes Jurídicos: Súmula Vinculante 33/2014 e Lei Complementar Federal 144/2014 que reconheceram a aposentadoria especial dos policiais civis nos termos da EC 47  

 

Não resta dúvida que a PEC 244, ao suprimir de texto constitucional, o tempo mínimo de serviço para aposentadoria dos Militares Estaduais, remetendo tais condições para dispositivo infraconstitucional, em uma interpretação e hermenêutica errônea, senão equivocada do Art. 42 da CF/88, é uma iniciativa temerosa e que lança muitas dúvidas quanto ao futuro da reserva remunerada dos policiais e bombeiros militares. É importante ressaltar que a EC 47/05, assegura a garantia da paridade plena entre os servidores ativos e inativos, especialmente, se a atividade for reconhecida como de risco. E nessa condição devem ser assegurados os militares estaduais (policiais e bombeiros militares), caso a PEC 244 seja aprovada na Assembleia Legislativa, substituindo, através de lei complementar, já que este é o desiderato do Governo, os 30/25 anos pelos 25/20 anos de efetivo serviço militar, somando os anos fora do serviço público. Com a hipotética promulgação da PEC 244, nada mais impedirá que o Governo, apoiado em vigoroso parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE), remeta os Militares Estaduais aos desígnios do PLC 303, que pretende criar a aposentadoria complementar para os servidores. Dessa forma, o círculo de “modernização” fiscal e da estrutura da Administração Pública estadual proposta pelo atual Governo do Estado, estará em grande parte fechado. Assim, o Governo do Estado tem o dever constitucional de regulamentar, por lei estadual, a aposentadoria dos Militares Estaduais, obedecendo disposição do Art. 42, §2º da Constituição Federal, abarcado com redação dada pela Emenda Constitucional 47/05.

 

BIBLIOGRAFIA

 

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Novo Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

 

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2008.

 

Responsável Técnico

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