Projeto que aumenta restrições nas despesas ainda não obteve o aval de 28 deputados para ser aprovado
A resistência da base aliada está fazendo com que o governo gaúcho reveja sua estratégia para aprovar ainda em 2015 o polêmico PLC 206/2015, projeto de lei complementar que cria a Lei de Responsabilidade Fiscal Estadual. Representantes do Executivo, como o líder do governo na Assembleia Legislativa, deputado Alexandre Postal (PMDB), asseguram que vão “gastar energia” com a LRF apenas depois que for aprovado o projeto de lei que diminui o teto de pagamento das requisições de pequeno valor (RPVs). Na prática, até agora, o governo não tem a garantia de que terá os 28 votos necessários para a aprovação do texto que fixa mais restrições do que a LRF federal e altera a fórmula de cálculo para a determinação da despesa.
O Executivo não quer repetir o sufoco da aprovação do aumento do ICMS, que ocorreu por um voto de diferença. Em tese, dos 55 deputados estaduais, o governo tem uma base fixa de 32 deputados, mais três de diferentes siglas que são “simpáticos” a alguns de seus projetos. No caso da LRF estadual, a estratégia é obter uma margem ligeiramente acima dos 28 para então solicitar a urgência e tentar aprovar o projeto. Por enquanto, as negociações estão complicadas. Já há no governo quem avente a possibilidade de levar o texto à votação mesmo sem a garantia da vitória. “Vota, perde e fica com um problema a menos para 2016, que é ano eleitoral”, avalia um integrante do núcleo do Executivo.
O chefe da Casa Civil, Márcio Biolchi, admite que, apesar de ser considerado importante para a gestão Sartori, o PLC 206 será mais benéfico para as próximas administrações do que para a atual e diz que, ao contrário do que afirmam os servidores, ele garante as reposições salariais. O líder da bancada do PDT, deputado Eduardo Loureiro, afirma que o partido é contra o projeto original. “O texto estrangula muito os reajustes. Nossa ideia é emendá-lo para, no mínimo, garantir ao funcionalismo a reposição da inflação.”
Base teme desgaste com eleitores
Secretários do governo do Estado garantem que a base aliada na Assembleia é firme e compacta o suficiente para votar projetos polêmicos que tramitam na Casa ou chegarão no pacote de novembro. “Temos uma base que votou a favor do aumento do ICMS e da criação da previdência complementar. Isso resume a questão”, afirma o chefe da Casa Civil, Márcio Biolchi. Na prática, a base tem se mostrado “volúvel” e resistente em dar seu aval a propostas que geram desgaste junto ao eleitorado.
A lista de propostas que geram controvérsias é longa: o projeto de diminuição do teto das RPVs, que o governo tentará votar pela quinta vez na terça-feira; o texto que institui a LRF estadual; os que criam subsidiárias para a Banrisul Cartões e a Banrisul Seguradora; e, a partir do próximo mês, projetos que promovem alterações na estrutura administrativa do Estado. “O objetivo é não ter um custo operacional muito grande. Há deformidades no serviço público e temos muitos gastos. Algumas propostas serão projetos de lei; outras, iniciativas administrativas”, diz Biolchi.
Mais embates com o funcionalismo devem ocorrer. “Os deputados já se deram conta de que o governo tem um discurso contraditório, e eles é que estão se imolando para aprovar medidas que não resolverão a situação do Estado. O mesmo governo que diz não ter dinheiro decidiu, na semana passada, aumentar incentivos fiscais para a aviação civil”, rebate o presidente da Fessergs, Sérgio Arnoud.
O caso das RPVs é apontado como exemplo das dificuldades. Biolchi minimiza os problemas com a base, mas o secretário da Fazenda, Giovani Feltes, é direto. “Até eu reconheço que as RPVs são uma situação difícil de decidir”, admitiu a servidores, na quinta-feira.
Servidores querem mais diálogo
Além de projetos com alto índice de rejeição, outros fatores explicam as resistências que o governador José Ivo Sartori começa a enfrentar na base aliada. Deputados e líderes de partidos e de entidades queixam-se da falta de diálogo. Na quinta-feira, no encontro com secretários, entidades de servidores voltaram a dar destaque à dificuldade de conseguir uma audiência com integrantes do primeiro escalão. Sartori também enfrenta dissidências em três partidos fundamentais para sua sustentação: PDT, PP e PSDB.
O PMDB é um dos maiores partidos do país e do Estado. No RS, no entanto, PDT e PP também são grandes, maiores que o PMDB em número de filiados. Na disputa que o PMDB venceu pelo Palácio Piratini, o PP tinha uma candidata considerada favorita até quase o final da eleição. O PDT também teve candidato próprio. Ambos possuem diretrizes programáticas das quais não abrem mão. Por isso, o PP não aderiu inteiramente ao aumento do ICMS e o PDT incorpora parte das reivindicações do funcionalismo. Apesar de menor representação, o PSDB é outra sigla a justificar posições divergentes com diretrizes partidárias. Também aumentou na Assembleia a fragmentação partidária e as siglas com um só parlamentar, o que requer articulações mais amplas.
Completa o cenário o fato de que, assim como a União, o governo gaúcho funciona dentro do chamado “presidencialismo de coalizão”. A expressão, cunhada no final dos anos 80, é atribuída ao cientista político Sérgio Abranches para definir um país que é presidencialista, mas no qual a fragmentação do poder parlamentar é grande. A característica acaba obrigando o Executivo a costurar, às vezes a qualquer custo, uma ampla maioria, absorvendo características de regimes parlamentaristas.
CORREIO DO POVO