Instituição se aperfeiçoa aos 178anos

Batalhões em todo o Rio Grande do Sul usavam caminhonetes nos anos 1950 para patrulharem estradas e ruas. Na década seguinte, a instituição passou a usar viaturas menores no policiamento ostensivo
Batalhões em todo o Rio Grande do Sul usavam caminhonetes nos anos 1950 para patrulharem estradas e ruas. Na década seguinte, a instituição passou a usar viaturas menores no policiamento ostensivo

MAUREN XAVIER

A Brigada Militar nasceu com a missão de garantir a ordem pública no momento em que o Rio Grande do Sul enfrentava as turbulências da Guerra dos Farrapos. Após 178 anos, que serão celebrados no próximo dia 18, a corporação ainda enfrenta o mesmo desafio. Porém, o panorama e a complexidade são bem maiores. Com um número limitado de profissionais, cerca de 20 mil, e com uma defasagem estimada em quase 40%, a Brigada enfrenta uma onda de criminalidade em ascensão. Assim, busca na gestão um caminho para romper as dificuldades e conseguir atender ao volume variado de demandas, que muitas vezes nem são de responsabilidade da corporação. “Exercemos um papel essencial na sociedade. Ele é fundamental para garantir a ordem e, mais do que isso, a democracia”, afirma o comandante-geral da BM, coronel Alfeu Freitas. “Incorporamos muitas fun- ções ao longo do tempo”, afirma. Especificamente, o coronel fala de serviços como o policiamento em presídios. Atualmente, são deslocados 600 PMs para atuarem no Presídio Central e na Penitenciária do Jacuí. “Foi um trabalho temporário que se tornou permanente”, analisa. “Gostaríamos de deixar os presí- dios”, enfatiza. O desafio de gerenciar um grupo limitado diante de inúmeras demandas faz com que a gestão seja fundamental. “Buscamos estimular e aperfeiçoar boas práticas, como o monitoramento dos índices de criminalidade”, exemplifica. “Isto serve para nos mostrar onde podemos atuar mais fortemente”, afirma o oficial. Para Freitas, o presente de aniversário ideal seria a união de toda a população para reduzir a criminalidade. Criar condi- ções para evitar que crimes fossem cometidos. Que os criminosos detidos tivessem condições de ressocialização, evitando, por exemplo, o trabalho do “prende e solta”. A Brigada Militar registra por dia 4.800 ocorrências e prende 360 pessoas. “Somos os mais criticados”, comenta o comandante-geral. “Pois, estamos presentes em todos os locais”.

Pelotão, provavelmente no interior do Estado, perfilado para cerimônia
Pelotão, provavelmente no interior do Estado, perfilado para cerimônia

Uma vocação de pai para filho

A Brigada Militar também faz parte da família de muitos de seus integrantes. Não são raras as histórias de pessoas que ingressaram ainda jovens e, gradativamente, avançaram, chegando a ocupar cargos de destaque. A história de vida do coronel Alfeu Freitas, atual comandante-geral da BM, é um dos exemplos. Ele ingressou aos 17 anos, seguindo o exemplo de seu pai, que era brigadiano. Dentro da corporação, Freitas avançou até o cargo máximo. Outra história é a de José Dilamar Vieira da Luz. Ele também ingressou aos 17 anos e foi para a reserva após exercer o comando-geral da corporação, de 1996 a 1998. A sua trajetória totaliza 33 anos. “Desde pequeno quis ser militar e optei pela BM porque assim poderia ficar no Estado”, recorda Luz. A escolha, em parte, foi influenciada pelo primo, que pouco antes havia se formado aspirante. “Segui o caminho”, comenta. E a sua trajetória foi de ascensão, passando por diversos departamentos e cidades. “A BM faz parte da minha história”, resume. E, mesmo na reserva, a instituição ainda está presente em sua vida. O major Leandro, seu filho mais velho, é lotado no setor de Inteligência do Comando de Policiamento da Capital (CPC). O ex-comandante-geral recorda a mudança que promoveu na corporação na época que era o titular. A formação em Direito passou a ser obrigatória para o PM tornar-se oficial. Mas o maior desafio é combater a criminalidade sem as condições ideais. “Os crimes aumentam em uma velocidade maior do que a capacidade da Brigada Militar em dar uma resposta”, atesta o oficial da reserva.

Brigada velha de guerra

OSCAR BESSI

“ Brigada velha de guerra”. Ele se referia assim, ao falar da corporação cuja farda vestiu por 34 anos. Era o jeito como meu pai a definia. E, em suas memórias, voltava o soldado Bessi, incluído nas fileiras em 1946, ao largar a vida de cortador de mato no esquecido Vapor Velho, depois de perder o pai e quase ter o pé decepado por um machado, sem perder a vontade de fazer algo a mais na vida. Jurou defender seu povo. Na época, os jovens alemães, seus amigos de infância no Vale do Caí, que sofriam perseguições do pós-guerra. Vejo suas fotos em preto e branco que me deixou de herança, acampado em rincões do pampa como São José dos Ausentes. Um menino e seu compromisso. Como prender o desordeiro que espancava prostitutas para, anos depois, reencontrá-lo prefeito de uma cidade. Que, formado, conheceu os livros, em novembro, o mês em que nasceu, mês que seria da Feira do Livro de Porto Alegre, que me ensinou a frequentar. Mês que escolheu para deixar este mundo. Os livros o levaram a ser cabo, sargento, oficial. Quando comecei a escrever no Correio do Povo, falava com carinho e orgulho do cabo Vito, pai do nosso Juremir, que adorava ler. De sua vida ativa até a minha foram seis décadas de imersão nas entrelinhas desta força policial quase bicentenária. Força que sobreviveu às críticas, à politicagem, às forças contrárias e aos seus próprios erros históricos. Meu pai contava suas participações como cavalariano no tumulto após a morte de Getúlio (que ele idolatrava igual aos operários, mesmo com aquelas escorregadelas tirânicas), as trincheiras da Legalidade, o asco que sentia em relação ao regime militar. Contava-me sem papas na língua quem fez o quê. Só me pedia para não repetir por aí, pois “tu não sabes do que essa gente é capaz”, repetia, apavorado, no dia em que me viu com um bóton clandestino, no tempo do governo Figueiredo. Os tempos mudavam, eu sabia. Mas meu pai era gato escaldado. A Brigada Militar de hoje conta outras histórias, todos os dias, de novas guerras. De vidas que se salvam, de soldados lutando contra o caos, sempre melhor armado, mas conseguindo vitórias, mesmo que pareçam em vão ou resultem em pouco mais que nada. A farda maltratada na cultura da impunidade, mas único fio de esperança em instantes de desespero. O portal público de socorro 24h. Erros? Sim, eles existem. Humanos erram todos os dias, em todos os lugares, e os erros nos machucam. Enfim. Pobre humanidade, essa de trilhos abandonados, destruições, agressões ao semelhante. Mas recheada de heróis anônimos. A estes que peço um abra- ço. Os bons existem. E só eles são capazes de se tornarem perenes.

CORREIO DO POVO