Assaltos a ônibus e lotações viram rotina em Porto Alegre

Raquel aguarda nomeação na Polícia Civil há um ano e meio. Entrar para estatística de vítimas de roubos não demorou Foto: Adriana Franciosi / Agencia RBS
Raquel aguarda nomeação na Polícia Civil há um ano e meio. Entrar para estatística de vítimas de roubos não demorou
Foto: Adriana Franciosi / Agencia RBS

Passageiros, motoristas e cobradores convivem com o medo ao circular no transporte público

Os tiros contra um jovem de 23 anos, passageiro da linha Rápida Bento, na quarta-feira, escancaram a insegurança que amedronta usuários do transporte público da Capital. Viraram rotina os assaltos a ônibus e lotações, alvos fáceis para criminosos, que agem a qualquer momento.

Aprovada no último concurso da Polícia Civil, a fisioterapeuta Raquel Nunes Rocha, 33 anos, aguarda com ansiedade ao chamado do governo para exercer a função de escrivã. Durante a espera, que já dura mais de um ano e meio, acabou entrando para as estatísticas da criminalidade em Porto Alegre – foi vítima de um assalto à linha Chácara das Pedras.

Dois homens entraram no coletivo, sem pagar, na Praça Dom Feliciano, no Centro. O motorista seguiu o itinerário até a Avenida Cristóvão Colombo, na Zona Norte, onde foi obrigado pelos ladrões a continuar o trajeto sem parar nos pontos seguintes. Em minutos, a dupla fez um arrastão nos pertences dos passageiros e roubou o dinheiro do cobrador. Tudo à luz do dia, por volta das 16h30min.

A insegurança para andar de ônibus na Capital fez Raquel mudar de comportamento. Agora, ela esconde os objetos pessoais e usa a mochila na frente do corpo:

– Guardo meus documentos e celular fora da mochila, ou da minha bolsa. Levo na cintura, por baixo da roupa, tamanha é a insegurança que vejo diariamente. Não só no Centro, mas no próprio bairro onde moro, onde trabalho. Chego tensa em casa todos os dias.


A doméstica Vânia temeu pela duas sobrinhas que presenciaram com ela um arrastão na linha Liberal

Para quem anda com crianças, o medo é ainda maior. A doméstica Vânia Gonçalves, por exemplo, foi roubada quando estava com duas sobrinhas na linha Liberal. Na Rua Padre João Batista Reus, na Zona Sul, dois homens anunciaram o assalto. O relógio marcava 17h.

– Pertinho de casa, um pouco antes de descer, um deles foi no cobrador e o outro começou a limpar os passageiros. O motorista abriu a porta de trás e todo mundo desceu correndo – recorda.

Um simples passeio também pode se tornar trauma para quem depende dos ônibus diariamente. A segurança Edileuza de Souza já foi assaltada diversas vezes. Na última, estava levando a filha para passear no aeroporto, a bordo do T5, quando teve de entregar seus pertences aos criminosos.

– Todos armados, um com faca, outros com revólver. Fui obrigada a dar tudo – diz. – Fico com medo de qualquer pessoa que sente perto de mim (no ônibus) – completa.

Os casos descritos, por sorte, não terminaram em tragédia. Apenas bens materiais foram levados dos donos. Mas a frequência com que ocorrem preocupa usuários e trabalhadores do setor, especialmente os motoristas e cobradores, normalmente, os principais alvos.

– Foi um pouco de descuido meu. Ele (ladrão) subiu quando eu estava atendendo um passageiro, sentou no banco da frente e me encostou a tesoura no pescoço – conta o cobrador Denis Souza.

Apesar do susto, o assaltante apenas pegou o dinheiro e desceu na parada seguinte.

– A gente tenta manter a calma na hora, mas dá aquele medo. Ele não tinha nada a perder no momento. É aí que a gente cai na realidade. Às vezes, é muito rápido, um minuto, nem isso. O problema são os próximos passageiros, a próxima viagem. Fica com receio de qualquer um que passar – acrescenta o cobrador.

Há 15 anos como motorista de lotação, Edson Henrique Alves aprendeu a lidar com a situação depois de diversos ataques:

– Tem casos em que os caras não ficam contentes. Pegam pouco dinheiro. Aí, dão uma coronhada no motorista. Às vezes, as pessoas reagem. Não dá para reagir, tem de entregar tudo.

17904817“Não me custa nada dar um tiro em ti agora”

Leitores contam a ZH casos em que foram vítimas da insegurança

Conte sua história, ou a de um familiar ou conhecido. Seu relato poderá fazer parte de reportagens de Zero Hora, Diário Gaúcho, Rádio Gaúcha ou RBS TV, parceiros na série Crise na Segurança. Envie seu texto pelo e-mailseguranca@zerohora.com.br com telefone para contato ou participe pelo Facebook de ZH: facebook.com/zerohora.

Confira o relato de Lívia C. Balus, estudante de Direito da UFRGS, que foi assaltada dentro do campus central da universidade em 2015:

Sou aluna da Faculdade de Direito da UFRGS e, em maio do ano passado, estava saindo da aula e parei em frente ao prédio da faculdade (famoso Castelinho) para realizar uma ligação. Nesse momento, um sujeito mal-encarado sentou-se ao meu lado e disse que estava armado, que aquilo era um assalto e que, se eu não desse meu celular para ele, atiraria em mim. Espantada e com muito medo, senti-me totalmente impotente e entreguei meu celular. Ele disse que, se eu reagisse ou gritasse, atiraria, porque, segundo ele, “não me custa nada dar um tiro em ti agora”.

É inadmissível que nem mesmo dentro do campus de uma faculdade, em plena luz do dia, estejamos seguros. Apesar de ter sido feito um abaixo-assinado por cerca de 5 mil alunos no início do ano de 2015 reivindicando policiamento em torno do campus, nada foi feito. Quantos mais serão assaltados nessa localidade? Pensando estar segura dentro do campus, fui coagida a entregar meu celular praticamente novo a um sujeito mal-intencionado e perverso. É inaceitável que isso continue.

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