O GLOBO: Governo quer acabar com paridade entre servidores ativos e inativos

Proposta prevê que inativos não tenham mais direito a reajuste dado a quem está na ativa

BRASÍLIA – O governo interino pretende acabar de vez com a paridade entre servidores ativos e inativos, que assegura o mesmo reajuste salarial para todos e na mesma data. A medida consta da proposta de reforma da Previdência que está sendo desenhada e afetaria todos os funcionários que ingressaram no serviço público antes de 2003 e que ainda não se aposentaram, tanto da União quanto de estados e municípios. Esses trabalhadores passariam a ter direito somente à reposição da inflação (medida pelo INPC), no momento de reajustar o benefício. O mecanismo já vigora para quem entrou depois de 2003, desde a reforma feita no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Para trabalhadores do setor privado, a ideia é desvincular o piso previdenciário da política de reajuste de salário mínimo, que permite ganhos reais e exerce forte pressão sobre as contas da Previdência. Para os aposentados que ganham acima do mínimo, o valor do benefício já é corrigido pela inflação — conforme determina a Constituição, a fim de assegurar o poder de compra.

Segundo técnicos envolvidos nas discussões, o fim da paridade dos servidores teria impacto pouco relevante a curto prazo, porque não há perspectiva de ganhos reais para esses trabalhadores. Ao contrário, o que se busca é fixar um teto para os gastos públicos. Mas, a médio e longo prazos, a medida representaria uma sinalização positiva para o mercado, além de evitar impactos de eventuais reajustes para o regime de aposentadoria. Esses técnicos lembram que, entre 2003 e 2010, o funcionalismo teve um ganho real expressivo. Segundo levantamento do consultor da Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados, Leonardo Rolim, o salário médio per capita dos servidores teve um ganho anual acima da inflação de 28,7% — valor, em tese, incorporado pelos inativos.

— Com o fim da paridade para quem entrou a partir de 2003, o problema já foi resolvido para o futuro, mas ainda precisamos resolver o passivo (referente a quem entrou antes) — disse um interlocutor, ressaltando que não necessariamente haverá prejuízos para o servidores, sobretudo na atual conjuntura.

MULHERES TERIAM TRANSIÇÃO MAIS SUAVE

A intenção do presidente interino, Michel Temer, é enviar ao Congresso Nacional, antes das eleições municipais de outubro, a proposta de reforma da Previdência, cujo ponto principal é estabelecer os 65 anos como idade mínima para aposentadoria de todos os trabalhadores, tanto do setor público como do privado. Aqueles com até 50 anos de idade serão incorporados às novas normas, mais rígidas que as atuais. Quem tiver mais de 50 anos terá uma regra de transição, com pedágio de 50% (adicional a ser aplicado sobre o tempo que falta para requerer o benefício dentro das normas atuais).

Esse mecanismo, na avaliação dos técnicos que estão formatando a proposta, já assegura a mulheres e professores uma transição mais leve, como deseja Temer. O argumento para isso é que o ponto de partida são as regras atuais, mais favoráveis a esses dois grupos, ao permitir que eles possam pedir aposentadoria cinco anos antes dos demais trabalhadores.

  • A Previdência registra rombo crescente: gastos saltaram de 0,3% do PIB em 1997 para projetados 2,7% em 2017. Em 2016, o rombo é de R$ 149,2 bi (2,3% do PIB). Os brasileiros estão vivendo mais, a população tende a ter mais idosos, e os jovens, que sustentam o regime, diminuirão.
  • Quem será afetado Todos os trabalhadores ativos. Quem tem até 50 anos terá de obedecer as novas regras integralmente; quem tem 50 anos ou mais terá regras mais suaves, mas com tempo adicional para requerer aposentadoria. Aposentados e quem completar os requisitos para pedir o benefício até a aprovação da reforma não serão afetados.
  • Quando as mudanças entrarão em vigor Vai depender da aprovação da reforma no Congresso. O governo deve enviar a proposta ainda este ano, provavelmente entre setembro e outubro.
  • Regras de transição O governo quer que a regra de transição dure 15 anos para que os efeitos da reforma sejam mais rápidos. Quem for enquadrado na regra de transição (com 50 anos ou mais) poderá se aposentar dentro das regras atuais, mas pagará pedágio de até 50% para requerer o benefício (se faltar um ano por exemplo, será preciso trabalhar 18 meses).
  • Idade mínima No setor privado, trabalhadores se aposentam com cerca de 50 anos, ao completar o tempo de contribuição (35 anos, homens e 30, mulheres). O governo quer idade mínima de 65 anos, chegando a 70 para novas gerações. No funcionalismo, já há idade mínima (60 anos, homens e 55, mulheres), mas subirá para igualar regimes.
  • Fórmula de cálculo do benefício O governo pretende mexer na fórmula de cálculo e pressionar o trabalhador a contribuir por mais tempo e, assim, melhorar o valor do benefício. Hoje, dificilmente, o segurado recebe benefício integral. A ideia é aplicar um percentual de 60% sobre a média das contribuições, acrescida de 1% sobre cada ano de contribuição.
  • Tempo mínimo de contribuição Deve subir dos atuais 15 anos para 20 anos.
  • Diferença de regras entre homens e mulheres As mulheres podem se aposentar antes dos homens (com cinco anos a menos). O governo pretende reduzir essa diferença de forma gradual. Mas, a ideia é que dentro de 15 anos, a idade seja unificada em 65 anos para todos.
  • Aposentadorias especiais A ideia é acabar com a diferença de 5 anos a menos para professores, mas de forma gradual. As regras devem ficar mais rigorosas para atividades de risco ou quem lida com agentes nocivos. PMs e bombeiros também podem se aposentar mais cedo, mas as mudanças são de competência dos estados.
  • Pensão A pensão por morte, que é integral, deve ser reduzida para 60%, mais 10% por dependente, para todos os segurados (INSS e serviço público).
  • Trabalhadores rurais Considerados segurados especiais, os trabalhadores das áreas rurais podem se aposentar por idade (60 anos homens e 55, mulheres), bastando apenas comprovação da atividade no campo. O governo quer que esse segmento também passe a contribuir para o regime, ainda que em condições mais facilitadas. A idade também vai subir.
  • Benefícios assistenciais (LOAS) Idosos ou deficientes de baixa renda têm direito a um benefício assistencial mesmo sem nunca terem contribuído, o que é considerado injusto com os demais que contribuem. A ideia é subir a idade (hoje de 65 anos) para além dos demais e pagar um benefício um pouco mais proporcional.
  • Desvinculação do piso da Previdência do salário mínimo O governo pretende desvincular o reajuste do salário mínimo (que permite ganhos reais) do piso previdenciário, o que exerce forte impacto nas contas do INSS. Mas o assunto é polêmico e não há definição se proposta de mudança será enviada ao Congresso junto à reforma da Previdência.
  • Fim da paridade entre servidores ativos e inativos A regra atual assegura o mesmo reajuste salarial para todos e na mesma data. A novidade afetaria todos que ingressaram no serviço público antes de 2003 e ainda não se aposentaram. Esses trabalhadores passariam a ter direito só à reposição da inflação no momento de reajustar o benefício. O mecanismo já vigora para quem entrou depois de 2003.
  • Militares das Forças Armadas Os militares ficarão de fora da reforma. Mas devem ser feitos ajustes na carreira, que elevariam o tempo de serviço necessário para pedir transferência para a reserva de 30 anos para 35 anos. A idade compulsória (limite para permanência na ativa) deve acabar. Também está sendo avaliado o impacto fiscal da pensão das filhas.

Os técnicos lembram que a média de idade em que os trabalhadores requerem a aposentadoria é de 53 anos para as mulheres e 55 anos para os homens. Em uma simulação, considerando que a regra de transição (o pedágio) seja aprovada, trabalhadores que hoje têm mais de 50 anos poderão requerer o benefício aos 54,5 anos, no caso das mulheres — que ficariam mais um ano e meio na ativa —, aos 57,5 anos, no caso dos homens, ou seja, apenas dois anos e meio a mais.

Outra possibilidade é fixar idade mínima de 65 anos para os homens e de 62 anos para as mulheres, por um determinado período. A decisão será do presidente da República, mas, se prevalecer a posição da equipe econômica, todos convergirão para a idade mínima de 65 anos no fim da fase de transição — que deve durar 15 anos. Para isso, mulheres e professores seguirão uma escala, em que a idade subirá periodicamente, sendo que de forma mais rápida para os mais favorecidos atualmente.

Há, ainda, sobre a mesa, os seguintes pontos: benefício proporcional para quem se aposenta por invalidez; redução do valor da pensão para 60%; e fim do fator previdenciário (fórmula progressiva 85/95), considerando idade e tempo de contribuição, o que vai exigir maior tempo na ativa para receber o benefício integral. Outra medida de impacto nas contas públicas é a restrição ao acúmulo de benefícios (pensão e aposentadoria), segundo os técnicos.

De acordo com levantamento do governo, com base em dados da Pnad, do IBGE, a proporção de pensionistas que acumulam benefícios subiu de 9,9% em 1992 para 32% em 2013, o que representa atualmente um universo de dois milhões de segurados. A tendência é que o percentual continue em alta devido ao aumento da participação da mulher no mercado de trabalho e ao fato de que há pensionistas que não recebem aposentadoria porque ainda não completaram os requisitos, mas que vão adquirir as condições no futuro.