Déficit na segurança pública, um desafio

Entidades representativas das forças de segurança do Rio Grande do Sul reivindicam mais efetivo nas instituições, pedem o chamamento de concursados e execução de novos processos seletivos para diminuir defasagem histórica

Por Christian Bueller Correio do Povo

Ainda que policiais militares tenham sido vistos com frequência durante eventos de Carnaval e acontecimentos de grande porte, como partidas de futebol, por exemplo, não é incomum se ouvir frases do tipo “faltam brigadianos nas ruas” ou “onde estão as viaturas da Brigada?” em diversas cidades gaúchas. Também é possível receber relatos de que delegacias estavam fechadas porque não há servidores da Polícia Civil suficientes para que a unidade funcione por 24 horas. Informações que chegam por entidades representativas de classes significam um dos desafios da segunda gestão de Eduardo Leite à frente do Palácio Piratini: o déficit, histórico e estrutural, na segurança pública do Rio Grande do Sul, que dura décadas e perpassa mandatos das mais diversas ideologias. A demanda está entre as tantas adversidades que o secretário da Pasta no Estado, Sandro Caron, tem desde que assumiu o cargo, em janeiro, um problema, inclusive, que não é “privilégio” dos gaúchos. 

Segundo o mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no ano passado, documento publicado pelo Fórum de Segurança Pública e que se baseia em dados fornecidos pelos próprios órgãos públicos da área, a média do Brasil é de um policial militar para cada 511 habitantes (406.384 servidores da corporação para uma população de 208 milhões de pessoas). A recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU) é que haja um policial para cada 250 cidadãos, embora não especifique as características distintas de cada país. A média gaúcha está aquém da nacional, com um policial militar para cada 635 moradores do Estado. 

Por motivos estratégicos, a Brigada Militar não divulga seu efetivo na totalidade, mas conforme dados do Anuário, são 17.437 servidores da instituição para atender a pouco mais de 11 milhões de gaúchos. Incluindo Corpo de Bombeiros, que se desvinculou da BM, Polícia Civil, Instituto-Geral de Perícias (IGP) e Polícia Penal, o número chega a 31.294 servidores – que resultaria em um trabalhador de segurança pública para cada 351 pessoas. No RS, a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) é subordinada à Secretaria de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo (SJSPS) e não à Secretaria de Segurança Pública (SSP). 

Em 2015, primeiro ano da gestão do ex-governador José Ivo Sartori, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou um estudo sobre a realidade e as carências da área no Estado. O Rio Grande do Sul apresentou, à época, o sexto pior índice de policiais militares na proporção ao número de habitantes, 20.405 brigadianos, o que representava um servidor militar da Corporação para cada 547 pessoas – situação melhor do que a atual. Ainda assim, a Federação de Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) realizou um levantamento em que 60% de 238 cidades pesquisadas tinham apenas um policial trabalhando em algum momento em determinado turno do dia. O mesmo estudo mostrou que um entre dez municípios possuía até dois policiais no efetivo total. 

No ano inaugural do primeiro mandato de Eduardo Leite, em 2019, o governador anunciou que, a partir da utilização de 2 mil novos policiais aprovados em concurso no ano anterior, nenhuma das 497 cidades gaúchas teria menos que cinco servidores em seu efetivo, além de confirmar policiamento por 24 horas em todas as estradas estaduais abrangidas pelo Comando Rodoviário. No entanto, segundo entidades que representam servidores que trabalham nas forças de segurança pública do Rio Grande do Sul, tanto militares quanto policiais civis, a teoria não se sustentou na prática. 

O menor efetivo da história da Polícia Civil, diz Ugeirm

O presidente da Ugeirm Sindicato, que defende os interesses de escrivães, inspetores e investigadores de polícia do Rio Grande do Sul, é taxativo: “A situação é caótica”. A frase é de Isaac Delivan Lopes Ortiz, que se diz preocupado com a falta de efetivo em meio ao recente aumento na criminalidade em dois pontos, homicídios e feminicídios, segundo dados da SSP-RS de 2022. “O déficit de profissionais na nossa Polícia Civil é um dos maiores na história da nossa instituição. Tem cidades em que só há um servidor em uma delegacia de Polícia”, lamenta. Ortiz avança na análise do cenário atual e diz que, em determinados municípios gaúchos, não há colegas para registrar ocorrências ou investigar crimes. “Tem policial atendendo uma ou duas delegacias de cidades diferentes, além da sua”, diz o presidente da entidade. Uma das pautas da Ugeirm é a chamada de aprovados em concursos. “Hoje, temos 260 novos colegas na Academia (de Polícia Civil do RS, a Acadepol) e estamos pressionando o governo do Estado para que chame o restante. Há informações de que o Piratini vai chamar mais 400, o que é reconfortante para nós. Que ocorra o mais rápido possível”, ressalta Ortiz. O sindicato destaca que, além destes novos nomes, há outros 300 aguardando serem chamados para futuras turmas. 

O representante dos policiais civis ressalta a dificuldade de se promover uma segurança plena à população com um quadro reduzido de servidores. “Há uma defasagem em regiões importantes como Caxias de Sul, Uruguaiana, Erechim. Precisamos que chamem os aprovados e que se abra um novo concurso para a instituição”, salienta Ortiz. 
“O nosso Estado e a nossa categoria não podem mais conviver com uma Polícia Civil com menos de 5 mil policiais na ativa”, acrescentou. No início do mês de fevereiro, integrantes da diretoria da Ugeirm tiveram uma amistosa reunião com o atual Chefe de Polícia, delegado Fernando Sodré, para expor as reivindicações da categoria. Entre as demandas, além de reposição salarial e publicação das promoções, está a convocação dos aprovados no concurso mais recente. “O baixo efetivo tem causado sérios problemas na categoria, com sobrecarga de trabalho que tem gerado sérios problemas de saúde entre os policiais, tanto homens quanto mulheres”, frisou Ortiz. 

Conforme dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Rio Grande do Sul dispõe, atualmente, de 5.454 policiais civis, incluindo 487 delegados, 2 mil escrivães e 2.967 investigadores. Primeiro negro a assumir o comando da Polícia Civil em 181 anos de instituição, o delegado Sodré destacou, em seu discurso de posse, o compromisso que assume em realizar uma gestão cada vez mais integrada com as demais forças de segurança do Estado nos níveis operacionais, de gestão e de inteligência. Quando foi titular da 13ª Delegacia de Polícia Regional do Interior, em Santo Ângelo, Sodré se destacou justamente pelo aumento do efetivo na região, além de melhorias de infraestrutura das delegacias da região, a aquisição de armamento e equipamentos de inteligência e vigilância, o que a Ugeirm espera que aconteça em nível estadual. 

Associação defende criação de política de Estado para reposição

O quadro previsto de efetivo mínimo pela Associação Beneficente Antônio Mendes Filho (Abamf), entidade que representa servidores em nível médio da Brigada Militar, é de 31 mil homens e mulheres, após a desvinculação do Corpo de Bombeiros. Mas, segundo o presidente do sindicato no Rio Grande do Sul, José Clemente da Silva Corrêa, o número atual de brigadianos, incluindo os de cargos administrativos, conta com um déficit de 14 mil. “Isso que, na linha de frente, na ponta, fazendo o policiamento ostensivo, temos bem menos”, afirma. Clemente lembra que a determinação do governador Eduardo Leite, anunciada em 2019, para que nenhuma cidade gaúcha tivesse menos que cinco militares na ativa, não é uma realidade hoje em dia, no Estado. “Há municípios que são cuidados com efetivos menores que um GPM (Grupamento de Polícia Militar), que devem contar com oito servidores em uma cidade inteira, de pequeno e, até médio porte. Sabemos de cidade menores que não têm mais do que dois militares estaduais”, explica o presidente da Abamf. 

Clemente enfatiza que Forças Táticas de um município precisam se deslocar para localidades vizinhas para reforço de policiamento em determinados momentos. “Acontece o mesmo com os Batalhões de Choque, que são seis em torno do Estado, a exemplo do que ocorre no litoral em época de praia”, recorda. O jargão “tapar a cabeça e destapar os pés” é trazido pelo representante sindical para sintetizar a situação. “Mesmo que se faça concursos e tente se repor efetivo, como foi o caso dos últimos aprovados chamados recentemente, faltam ainda 700 concursados que devem fazer o curso de formação, e o Comando da Brigada Militar, que demonstrou ter esta intenção, depende da autorização exclusiva do governador”, diz Clemente, pontuando que, além da execução do concurso em si, é necessário, também, fazer a nomeação dos aprovados para que possam exercer suas funções. 

Além da demora na chegada de novos colegas, o presidente da Abamf acredita que a saída dos mais antigos também influenciou para a manutenção do déficit. “Em determinado ano, foram para a reserva 800, seja por tempo de serviço ou por afastamento por doenças e acidentados. Por isso, o efetivo da BM, lamentavelmente, não é suficiente para atender a comunidade com aquela satisfação, por mais que o Comando queira e, de fato, tenha esta intenção”, ressalva. Para Clemente, a solução é uma política de Estado. “Deve se instituir em lei a reposição anual de militares com um percentual acima daquilo que as estatísticas nos demonstram a cada ano”, destaca. Ele critica Leite quanto às prioridades na área. “A atual gestão do Estado se preocupa claramente com o saneamento das finanças, mas acaba sucateando o serviço público. Com estes incêndios em vegetações que temos visto, os bombeiros nas cidades não são suficientes para atender a todas as ocorrências”, exemplifica. 

Presidente da regional da Abamf em Caxias do Sul, o soldado Júlio Haito confirma um déficit no efetivo na Serra Gaúcha. “Em Caxias do Sul, onde precisamos de 530 servidores, temos 310. Em toda a região deveríamos ter 2.170 policiais e contamos, atualmente, com 1.210, dados que não são fáceis de lidar”, informa. Nas 35 cidades abrangidas pela unidade regional do sindicato, o formato “um cobre o outro” é uma tônica, segundo Haito. “Imagina, percorrer quilômetros para cobrir um colega que está em outra cidade, ainda mais quando são distâncias longas. É peculiar da nossa profissão, mas podemos diminuir os riscos”, diz.

Categorias à espera de novos concursos

O verão tem dado trabalho para o Corpo de Bombeiros Militar do RS (CBMRS). Segundo um levantamento, houve um aumento de 95% no número de ocorrências em residências de Porto Alegre em comparação ao ano passado (43 contra 22 em 2022). As causas são das mais diversas: vandalismo, descuido com crianças, velas, fogueiras, queima de lixos, além de causas acidentais, como fagulhas de máquinas ou rompimento de cabos de eletricidade. As casas nas periferias são as que mais sofrem. 
Ao ligar para o 193, a expectativa é de solução para casos assim. Mas nem sempre é possível, como acontece com os incêndios em vegetação, que tiveram um aumento de 139% no número de ocorrências entre 17 de dezembro de 2022 e 13 de janeiro deste ano em relação ao mesmo período do verão passado. 

Neste mês de fevereiro, na localidade de Sarandi, interior do município de Sant’Ana do Livramento, próximo à divisa com Quaraí, na região da Campanha, as chamas duraram três dias, potencializadas pela estiagem que castiga o Estado. Foram necessárias corporações de Sant’Ana do Livramento, Quaraí e Alegrete para trabalharem juntas na área de pampa de cerca de mil hectares. Já no município de Pedras Altas, no sul do Estado, outra queimada, desta vez em uma floresta de eucaliptos, precisou contar com uma guarnição de Bagé, além de maquinário dos próprios produtores da região, para amainar o fogo. Segundo os Bombeiros, nos primeiros dias de fevereiro, foram contabilizadas 144 ocorrências de queimadas em todo o Estado.

Conforme o Anuário, o efetivo de servidores da Corporação em terras gaúchas é de 3 mil pessoas. Um dos temas do encontro, neste mês de fevereiro, entre a Associação de Bombeiros do Estado do RS (Abergs) e o secretário da SSP-RS, Sandro Caron, e o Comandante-Geral da CBMRS, coronel Eduardo Estevam Rodrigues, foi justamente o efetivo. O chamamento de todos os aprovados em concursos anteriores e a inclusão de servidores em quadros temporários pela falta de pessoal para determinadas funções, estiveram na pauta. Em dezembro de 2022, 116 novos bombeiros se formaram, 97 homens e 19 mulheres. 

A mesma sorte não tiveram os candidatos aprovados e ainda não chamados no concurso para o Instituto-Geral de Perícias (IGP). Iniciado em 2017, o processo já chamou um pouco mais de 200 servidores, mas há 867 aptos que aguardam ser convocados. O problema é que o prazo para o chamamento expirou em 2 de janeiro e um novo processo deverá ser realizado. Às vésperas do encerramento do prazo, a SSP-RS argumentou que os aprovados seriam chamados de acordo com a necessidade e a disponibilidade de caixa do Estado. 

Em um encontro com o secretário Caron, representantes do Sindicato dos Servidores do IGP do Estado do Rio Grande do Sul (Sindiperícias), neste mês, tiveram a confirmação do titular da SSP-RS de que havia vício de origem no certame. Na reunião, os representantes da categoria pediram pela realização de novo concurso que contemple todas as categorias do IGP-RS. Pelo Anuário, o Instituto-Geral tem 524 profissionais, mas a SSP-RS contabiliza 826 servidores. 

Intensificação do diálogo e planejamento a longo prazo

Delegado da Polícia Federal, o secretário de Segurança Pública do RS, Sandro Caron, tem um planejamento estratégico para reduzir o déficit de pessoal em suas áreas de atuação e evitar a aposentadoria de um grande número de servidores ao mesmo tempo. “Estamos fazendo um levantamento com a previsão de saída dos profissionais por aposentadoria ou reserva nos próximos quatro anos para que se possa dialogar com o governo a respeito de concursos públicos que permitam a reposição, sem esquecer, ainda, no aumento de efetivo existente hoje em dia, lavando em conta a capacidade financeira do Estado”, garantiu. Caron ressalta que a Brigada Militar está presente em todos os municípios do Estado. “A gestão dos mais diversos níveis da Corporação acompanha as demandas de segurança pública, avaliando a necessidade de envio de reforços”, garante. O titular da SSP-RS desde o início do ano acrescenta que o mesmo acontece com os órgãos vinculados à Pasta. 

Segundo informações da secretaria, há um cronograma de chamamento dos aprovados em concursos e o Piratini estabeleceu como política de governo o ingresso de servidores de segurança pública. Entre as medidas de médio prazo, a Pasta informa que, em 2021, foi realizado concurso público para o provimento 4 mil soldados. 

Ao longo dos quatro anos, a SSP-RS considera que o saldo foi positivo, com mais entradas que saídas, nas quatro corporações: Brigada Militar, Corpo de Bombeiros Militar, Instituto-Geral de Perícias (IGP) e Polícia Civil. Somados, esses saldos representaram aumento real de 1.013 servidores em relação ao efetivo do final de 2018. Ao todo, 5.562 novos servidores foram admitidos entre os anos de 2019 e 2022, nas gestões de Eduardo Leite e Ranolfo Vieira Júnior. 

Regulamentar a profissão é o objetivo

Em agosto de 2022, foi aprovada pela Assembleia Legislativa a criação da Polícia Penal do RS, que torna os agentes penitenciários em policiais penais. Apesar de se transformar, na teoria, em uma instituição de segurança pública responsável por vigilância, custódia e segurança de presos e estabelecimentos penais no Estado, o tema é ainda tratado fora da SSP-RS, já que a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) se reporta à Secretaria de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo (SJSPS). Por enquanto, mesmo com a aprovação do Legislativo gaúcho, o novo cargo ainda não foi regulamentado, pois não foi sancionado pelo Executivo. No início da segunda gestão de Leite à frente do Piratini, a direção do Sindicato da Polícia Penal do RS (Sindppen/RS), antiga Amapergs, esteve reunida com o secretário Luiz Henrique Viana para tratar das demandas da categoria. Entre as pautas, o chamamento do último concurso, de 2022. “Cobramos encaminhamentos efetivos em relação às principais pautas que já protocolamos na Superintendência da Susepe. Uma das mais importantes é a ampliação de vagas nas classes. Precisamos avançar nessas pautas o quanto antes”, destacou o presidente do Sindppen, Saulo Basso dos Santos. 

Conforme dados do Anuário, o efetivo da polícia penal gaúcha é de 4.788. O déficit de servidores, aliado à superlotação das casas prisionais do Rio Grande do Sul preocupa o sindicato da categoria, que teme pela segurança e estabilidade do sistema prisional. Para o Sindppen/RS, uma medida urgente que poderia ser tomada é a nomeação de 3.212 policiais penais aprovados em concurso e aptos a ingressarem no sistema. Segundo dados da entidade, o sistema penitenciário do RS trabalha com praticamente a metade do número de policiais penais recomendado pelo Ministério da Justiça e Conselho Nacional de Políticas Criminais e Penitenciárias. Atualmente, há, ao todo, 5.789 servidores penitenciários na ativa (incluindo, 549 agentes penitenciários administrativos e 502 técnicos superiores penitenciários) para 41,5 mil apenados no Estado. De acordo com norma do Ministério da Justiça, deveria haver um agente para cada cinco presos. No entanto, a proporção no cenário atual é de um servidor para quase nove detentos. 

O superintendente dos Serviços Penitenciários, Mateus Schwartz, recebeu representantes da Comissão de Aprovados no concurso da Susepe e destacou a necessidade do chamamento de servidores, com a abertura de novas casas prisionais previstas para este ano. 

Por mais estudos sobre a segurança pública 

ara o doutor em Sociologia e diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que produz o Anuário, Renato Sérgio de Lima, a segurança, por se tratar de um direito, deveria, de um modo geral, se traduzir em políticas públicas baseadas em transparência, participação social e de governança democrática, mas não é o que enxerga em boa parte do país. “A despeito das mudanças incrementais verificadas nas últimas décadas, que aumentaram a eficiência operacional e tecnológica das forças de segurança do país, a persistência de opções político-institucionais que valorizam um modelo de segurança reativo impede que o tema seja tratado como uma política social universal e que atinja toda a população brasileira”, versou. Ao todo, o Brasil conta com 86 organizações policiais efetivamente funcionando. Conforme o Mapa das Polícias, uma das seções do Anuário, o Rio Grande do Sul é destaque quanto à utilidade operacional e estratégica. Além do estado gaúcho, apenas Bahia, Paraná e São Paulo apresentaram mais de cinco soldados e cabos para cada sargento. “As outras unidades federativas têm, proporcionalmente, o inverso, um enorme desvio de função. Ou seja, muitos estados promovem soldados e cabos como forma de política de progressão salarial, sem nenhum lastro na lógica de estruturas de carreiras”, afirmou. 

No caso do RS, a função de cabo foi extinta. Na Brigada Militar, são 14.157 soldados e 2.062 sargentos. No Corpo de Bombeiros, 2.089 soldados e 797 sargentos. Na soma das duas corporações, 16.246 soldados e 2859 sargentos (5,6 servidores do posto mais baixo para cada militar da linha hierárquica seguinte). 

Segundo Lima, o governo federal anterior, que poderia induzir novos modelos de governança e financiamento, abriu mão de assumir uma liderança mais ativa sobre tema e tratou do assunto de forma secundária. “Antes de Jair Bolsonaro, todos os ex-presidentes da República desde 1989 buscaram não se envolver diretamente com a área e deixaram as polícias estaduais isoladas ou apenas deram suporte financeiro às Unidades da Federação”, explica o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que defende a realização de mais pesquisas como o Anuário. “É mais do que urgente que estudos profissiográficos sejam produzidos”, afirmou. Na opinião do especialista, os Estados assumiram uma “função mais de gerência dos recursos humanos e salários” de suas forças de segurança pública. Renato Sérgio de Lima elogia programas como o RS Seguro e iniciativas similares com o Pacto pela Vida, em Pernambuco, Pacto por um Ceará Mais Pacífico, no Ceará, e Usinas da Paz, no Pará. “Há uma fixação de metas orientadas por problemas/resultados, se aproxima da população e faz uso do aperfeiçoamento da inteligência”, elenca. Mas, o sociólogo pondera que tais ações podem resultar em uma desvantagem estrutural com o passar do tempo.