Oficial da BM indigna-se diante dos índices de criminalidade

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O tenente-coronel exige ação das autoridades para derrubar os índices de criminalidade Foto: Diego Vara
O tenente-coronel exige ação das autoridades para derrubar os índices de criminalidade
Foto: Diego Vara

Entrevista: Sérgio Lemos Simões, comandante do 11° Batalhão de Polícia Militar

Morador de Porto Alegre, Sérgio Lemos Simões, 48 anos, sente-se inseguro e exige ação das autoridades para derrubar os índices de criminalidade. Seria um anseio idêntico ao de qualquer outro cidadão, não fosse ele um dos mais importantes oficiais da Brigada Militar.

O tenente-coronel, comandante do 11° Batalhão de Polícia Militar, chefia cerca de 300 PMs que atuam na Zona Norte – região onde vivem cerca de 600 mil pessoas. Diante da ingrata rotina de prender bandidos que acabam soltos em poucos dias ou em questão de horas, Simões faz um desabafo comum a civis cuja proteção fica sob sua responsabilidade: “Ninguém aguenta mais isso”.

Ele se refere a casos como o da traficante Luciana Lopes, 26 anos, presa pela quinta vez em menos de um ano. Nas outras oportunidades, por decisão judicial, acabou solta e voltou a abastecer o mercado de drogas. Há três décadas na BM, o tenente-coronel cobra mudanças de postura de deputados e do Judiciário. Confira trechos da entrevista concedida ontem a ZH:

Zero Hora – ZH mostrou ontem o caso de uma traficante presa cinco vezes em menos de um ano. As polícias prendem sempre os mesmos criminosos?

Tenente-coronel Sérgio Lemos Simões – Não mudou nada. Anteontem (terça-feira), prendemos aqueles dois vagabundos que fizeram o sequestro relâmpago do filho de um coronel. Os dois caras com uma baita ficha criminal. E a ficha criminal é uma parte mínima, é quando ele (o bandido) foi preso. Nós chamamos de cifra negra tudo o que ele fez e ninguém viu, e ele não foi preso. No mínimo, é 10 vezes mais do que a ficha verdadeira dele. Todas aquelas maldades que ele fez mas não foi preso.

ZH – Qual a sensação que isso deixa para um policial?

Sérgio – A sensação que fica é de descrédito nas instituições. Quando tu prendes um delinquente de madrugada, e este delinquente é solto na tarde do mesmo dia, isso gera um descrédito, por parte dos policiais, nas instituições. Quando um cara rouba oito vezes no bairro Petrópolis e é solto oito vezes, não tem polícia que aguente uma coisa dessas.

ZH – A que instituições o senhor se refere?

Sérgio – Todo mundo sabe que é o legislador federal que tem a capacidade de mudar as leis. Por que eu cobro dos estaduais? Porque eles podem abrir o caminho para nós. Quem é o nosso elo com o deputado federal, não é o deputado estadual? Não é a pessoa que tem conhecimento, contato, que pode nos ajudar, ajudar a sociedade? Eles podem fazer isso para nós. Nós temos recursos para construir presídios em Brasília, mas onde está o empenho para liberar essas verbas? Onde está o empenho para modificar o Código Penal, o Processo Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para regredir a maioridade penal? Onde está o empenho? A construção da segurança pública é feita a três mãos.

ZH – Quais?

Sérgio – O Executivo, que é o primo pobre, o Legislativo e o Judiciário. Essa construção da segurança pública tem de ser feita a três mãos.

ZH – Sem essas mudanças na lei que o senhor defende, qual é na prática o papel da polícia hoje?

Sérgio – Retrabalho, resserviço, dinheiro que poderia ser investido em equipamentos para a polícia, em escolas. É dinheiro posto fora, porque tu prendes o cara num dia, no mesmo dia ele vai voltar a roubar. Tu tens de tratar de maneira desigual os desiguais. Um cara que é analfabeto, sem qualificação nenhuma, que só sabe roubar, causar dor e sofrimento, tem de ficar preso. Aí tu pegas a nossa legislação penal. Um sexto da pena, tendo bom comportamento, passando nos laudos psicológicos, e o cara está solto. Isso é absurdo. Tem de cumprir no mínimo metade da pena. E, a cada reincidência, ela tem de ser agravada. Outra coisa que tem de ser modificada com urgência é o juiz passar a analisar a reincidência.

ZH – A reincidência não é levada em consideração?

Sérgio – Só depois de transitar em julgado o primeiro fato. Se tu pegas um cara que em 2009 cometeu nove crimes, enquanto ele não for julgado pelo primeiro, ele vai continuar sendo preso e solto, preso e solto. Ninguém aguenta mais isso.

ZH – Isso frustra a tropa de maneira geral?

Sérgio – Mas é claro, se eu que sou tenente-coronel fico frustrado, tu imaginas o meu soldado. É impressionante, cara, é impressionante. Não defendo que o camarada vá apodrecer na cadeia, não é isso. Não sou um reacionário, um retrógrado, um maluco. Eu defendo que o cara fique segregado. Tu preferes alguém causando dor e sofrimento para a tua família ou preso? Um cara que não sabe fazer outra coisa na vida a não ser roubar e causar sofrimento. Quer que ele fique na rua assaltando a tua mãe, teu pai, teus irmãos? É isso?

ZH – Ninguém quer isso…

Sérgio – Eu admiro o humanismo do Judiciário, o humanismo dos Direitos Humanos, admiro tudo isso, mas a minha obrigação é defender a sociedade. Todo agente público tem por dever defender a sociedade. É pró-sociedade. Nós, o soldado da Brigada Militar, o legislador e o juiz. Entre o delinquente ficar na rua, causando dano, dor e sofrimento, ou ficar preso, ele tem de ficar preso. Por isso eu cobro dos legisladores e cobro dos julgadores. O legislador tem de ser mais ágil, tem de modificar a lei, nos ajudar a modificar a lei. E o julgador tem de nos ajudar a manter esses camaradas presos.

ZH – O senhor entende que apenas o policial é cobrado?

Sérgio – Quem é que tu vês na rua? Tu vês o juiz na rua? Tu vês o legislador na rua? Quem tu vês na rua? É o policial. Então tu cobras de quem tu vês. Por isso, a ideia que eu tinha era de proibir meus policiais de irem a reuniões comunitárias. Porque eu já cansei de dar explicações. Não tem mais o que explicar. Então deixa para o legislador explicar, para o juiz explicar. Ele vai lá e explica o que é o garantismo (filosofia jurídica que prevê a garantia dos direitos do cidadão frente ao Estado), os nossos deputados explicam por que tem milhões para construir presídios em Brasília e esse dinheiro não vem, explicam por que não modificam o ECA e o processo penal.

ZH – O senhor mantém a intenção de proibir os policiais de irem a essas reuniões?

Sérgio – Proibir os oficiais e praças de irem às reuniões comunitárias só iria piorar a situação, porque mais desamparados eles (os cidadãos) ficariam. Essa minha colocação fez nada mais nada menos do que botar o bode na sala. Pô, esse cara criou um problema…

ZH – A situação na área de segurança pública está piorando?

Sérgio – Isso é importante. Por incrível que pareça, os índices de criminalidade têm baixado, mas em níveis insuportáveis. Baixou, mas continua ruim. É o cara que está com 45 graus de febre. Baixou para 40. Não é alarmismo, os índices baixaram, principalmente no mês de janeiro, mas tem de levar em conta que o pessoal está na praia. Na Zero Hora saiu uma reportagem com os índices de aprovação do governo do Estado, e o pior índice é o da segurança pública. É uma série de fatores que tem de trabalhar junto. Se ficar só com a Brigada, só com a Polícia Civil, não tem como. O cara que é preso tem de ficar preso.

ZH – E o argumento de que não há presídios em condições adequadas para receber esses presos?

Sérgio – Não é problema meu, não é problema do cidadão, não é problema do teu pai e da tua mãe que pagam impostos. O cara rouba 10 vezes num ano e 10 vezes é solto, rapaz. E o juiz entende que o crime não foi violento? Mas para aí, temos de esperar o que para ele ir realmente preso? Que mate alguém?

ZH – Hoje, dos criminosos que vocês prendem, só segue preso quem comete crime grave?

Sérgio – Só quando comete algo gravíssimo. E o patrimônio? E o dinheiro que tu ganhas todo mês para comprar um carrinho, uma TV, um rádio, aí um vagabundo leva. Isso não é grave? O cara quebrar o vidro do teu carro, levar o som do teu carro, não é grave? Onde é que nós estamos? Onde nós vamos parar? Agora vou abrir o meu coração. O nosso Poder Legislativo é descompromissado com relação aos temas da segurança pública. Três anos temos dessa legislatura. Me diz os projetos na área da segurança. Tinha um das tornozeleiras eletrônicas. Onde anda isso?

ZH – Parado?

Sérgio – Rodou outro aí sobre os desmanches. Onde anda isso aí? Qual é o empenho em relação à segurança pública? Na minha opinião, é uma Assembleia descompromissada com os assuntos da segurança pública. Em três anos, nossos deputados estiveram mais preocupados com o pufe da Yeda, a casa da Yeda e da filha da Yeda, com CPIs que não levaram a nada. E a segurança pública, e a dor das pessoas na rua?

ZH – Que medidas o senhor entende que poderiam ser tomadas?

Sérgio – O deputado estadual não legisla sobre temas penais, mas poderia fazer pressão em Brasília para nos ajudar a tentar mudar o estado de coisas. Aí entra o deputado federal, principalmente. Tu abres o jornal, e sobre o que os deputados falam? Que vão compor com tal partido. E a segurança pública? Eu, não como tenente-coronel, mas o cidadão Sérgio Lemos Simões, que paga imposto, eu exijo que o Legislativo e o Judiciário me deem segurança. Eu exijo que me deem segurança.

ZH – O senhor não se sente seguro?

Sérgio – Eu não me sinto seguro. Como eu vou me sentir seguro, cara? Tu achas que eu fico tranquilo quando um filho meu sai à noite em Porto Alegre? Pergunta para qualquer um nessa cidade se fica tranquilo quando o filho sai à noite. Nós precisamos de empenho, de compromisso, trazer verbas para construir presídios. Precisamos de pessoas com capacidade e determinação para mudar esse estado de coisas. Se ficar só nas costas do policial, não tem como.

Contrapontos

O que diz Ivar Pavan, presidente da Assembleia Legislativa

Acho estranha essa crítica. Não há legislação tramitando na Assembleia que possa melhorar a vida da segurança, mas a segurança não melhora só por leis. Quem comanda a segurança é a governadora, ela tem o orçamento e define as políticas de segurança que são aplicadas. Por isso, acho que as críticas vieram para o endereço errado. Quanto à possibilidade de intervenção para promover mudanças na legislação penal, esse é um debate que vem de muitos anos. Além disso, o governo federal tem atuado nessa área. Cerca de 20 mil policiais gaúchos recebem bolsa para formação.

O que diz Carlos Marchionatti, presidente da Ajuris

Os juízes devem cumprir a lei e interpretar os casos. Mas há situações em que os juízes mandam prender, e a polícia não prende. Outras vezes, a polícia prende, mas o juiz verifica que a prisão não pode ser mantida. Há milhares de mandados de prisão que as autoridades policiais não conseguem cumprir. Não faço essa menção como crítica, mas para ampliar a análise. A questão dos antecedentes é uma discussão jurídica polêmica, porque a Constituição estabelece que só se considera culpado após transitado em julgado. Mas os juízes levam em consideração os antecedentes criminais e, muitas vezes, determinam prisões baseados nisso. Os juízes também têm formas diferentes de pensar. Acima de tudo, têm de cumprir a lei.

Exemplos de impunidade

Repetidas prisões e crimes cometidos por reincidentes chamam a atenção. Confira alguns casos emblemáticos:

– Traficante reincidente – Na quinta-feira, uma operação do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) resultou na prisão de Luciana Lopes, 26 anos, em flagrante por tráfico de drogas em Porto Alegre. É sua quinta prisão em menos de um ano. Ela tinha 94 pedras de crack. Pequenos traficantes como Luciana representam 85% das detenções feitas pelo Denarc, e costumam ficar dois meses na cadeia.

– Jovem assassinado – Dia 7 de janeiro, aprovado para um curso superior de Engenharia e prestes a noivar, o estudante Diogo Pinheiro da Cruz, 19 anos (foto), foi morto em Caxias do Sul com dois tiros à queima-roupa. Um dos envolvidos no crime, Rodrigo Hofman Góis, 24 anos, havia sido detido anteriormente por porte ilegal de arma, mas acabou solto. Cruz, o mais velho de quatro irmãos, morreu por R$ 500.

– Ladrão preso nove vezes – Fabrício Almeida de Azevedo, 20 anos, foi pego em outubro carregando objetos de uma academia de ginástica no bairro Petrópolis, em Porto Alegre. Era sua nona prisão em um período de um ano em situações semelhantes. Nas oito vezes anteriores, acabou solto depois de passar poucos dias na prisão.

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Entrevista feita em 30/01/2010

ZERO HORA