Mesmo com o fim da operação padrão, atendimento aos locais de assassinatos deve seguir enxugado. Desde o início do semestre, agentes deixaram de receber horas extras
Era 1h30min de terça quando Douglas da Silva da Conceição foi morto no Bairro Jardim Itu Sabará, Zona Norte de Porto Alegre. Dois agentes da equipe volante do Departamento de Homicídios da Capital, de plantão naquela madrugada, foram ao local. A solução do caso dependerá do relatório deles para outra equipe, que vai investigar.
Enquanto o ritmo dos homicídios acelera, a investigação retrocede ao que se fazia antes de 2013. Até aquele ano, uma equipe colhia informações no local do crime e passava para os responsáveis pela investigação. No modelo que vigorou nos últimos anos, um só grupo acompanha o caso do local até o fim do inquérito policial. A morte de Douglas só chegou à 5ª DHPP, responsável pela investigação, 12 horas depois de ocorrer.
Agora, em vez de 12 agentes para os locais de crimes em suas áreas, são só quatro que fazem o serviço. E, ainda, divididos em duas equipes volantes que repartem a cidade. A medida veio com a operação padrão pelo parcelamento de salários, que deve encerrar nesta sexta. No entanto, desde o começo do segundo semestre, os agentes não recebem horas extras. Sem a retomada disso, a orientação do Ugeirm Sindicato é seguir como estão.
O Departamento de Homicídios, por causa do parcelamento, não fala. Desde sua criação, o envio de inquéritos com solução ao judiciário havia saltado de 10% para 67% entre o começo de 2013 e o final do primeiro semestre deste ano.
Eficiência do trabalho sob risco
Em março, quando houve a confirmação de que a Polícia Civil teria cortes de
40% nas horas extras, já havia o temor de que as delegacias de homicídios teriam de enxugar a estrutura. Conforme a corporação, entre abril e junho, 323 inquéritos de homicídios foram encaminhados à Justiça da Capital. Em 64% dos casos, com elucidação. Índice superior aos 59,3% de todo o ano passado.
Até então, agentes que chegavam a receber 40 horas extras no final do mês passaram a receber, em média, dez horas. E agora, nenhuma. A perspectiva, em termos de resultados, não é boa. Conforme o levantamento do Diário Gaúcho, 77% dos mais de mil assassinatos deste ano na Região Metropolitana aconteceram fora do horário de expediente – noite e madrugada – e nos finais de semana. Nestes momentos, somente as equipes volantes estarão ativas.
Durante o período de expediente, a orientação do departamento é de que o delegado responsável pela área compareça aos locais, e acompanhe a equipe volante. A esperança de manter a atual eficiência, no entanto, está na característica das novas equipes volantes especializadas em homicídios.
Horas extras funcionavam como uma compensação
O trabalho em regime de sobreaviso de 24 horas de cada equipe do Departamento de Homicídios nunca foi regulamentado. O que havia, segundo o diretor financeiro do Ugeirm Sindicato, Cláudio Wohlfahrt, era um acordo com o governo anterior.
— Eles garantiam o pagamento de mais horas extras a esses agentes. Não era um pagamento completo, mas uma compensação — avalia.
Cada agente chegava a cumprir até 168 horas extras. Recebia, no final de 2014, quando o índice chegou ao seu auge, por até 40 horas. E isso não garantia folgas, como acontece quando um agente trabalha em regime de plantão. Com o corte de março, porém, essa compensação deixou de ser rentável.
Para um investigador de primeira classe, por exemplo, o pagamento de dez horas extras mensais equivale a cerca de R$ 200, sem folgas imediatas.
Aperto na Região Metropolitana
Se o enxugamento na Capital prejudica a solução dos homicídios, na Região Metropolitana o aperto é maior. Em vez de criar volantes de homicídios, as especializadas de Viamão, Alvorada e Gravataí mantêm a cada dia apenas um agente de sobreaviso. Ele atua sozinho nos locais por 24 horas e, sem horas extras, folga outras 24.
A criação de equipes volantes especializadas exigiria que cada uma das delegacias cedessem agentes. Algo considerado inviável pelos delegados. Em Alvorada, por exemplo, a de Homicídios chegou a ter 22 pessoas na sua criação. Depois dos cortes de horas extras, esse número caiu para 11 – sendo oito na investigação.
Investigação limitada
O que muda:
* Na Capital, todos os locais de homicídios passam a ser acompanhados por uma equipe volante com dois agentes da Polícia Civil. São duas equipes que dividem a cidade em duas áreas sob comando de um delegado de plantão.
* Somente depois desse atendimento, a ocorrência e o relatório são entregues à delegacia que ficará responsável pela investigação.
* Na Região Metropolitana, a cada dia, apenas um agente fica de sobreaviso durante 24 horas, encarregado pelo atendimento dos locais de crime na sua cidade. O delegado segue acompanhando as cenas de crimes.
* É este agente que comandará a investigação do caso, mas somente depois de cumprir 24 horas de folga.
Os riscos dos cortes
* Locais de crime – Desde a criação das delegacias de homicídios, uma equipe faz o levantamento inicial das informações do local do crime. A estimativa é de que a presença do delegado e da equipe que conduzirá o inquérito, desde o início da apuração, garante até 80% de eficácia na resolução.
* Investigação – A mesma equipe que coletava as informações iniciais conduzia os procedimentos até o fim do inquérito. O processo garante agilidade na resolução dos casos.
As condições de trabalho
* As DHPPs mantinham a cada dia uma equipe de prontidão, o chamado sobreaviso, durante 24 horas. Esse serviço nunca foi regulamentado. Como forma de compensar as horas a mais que cada agente cumpria, a Polícia Civil chegou a pagar, no final de 2014, em média, 40 horas extras mensais a cada policial. Eles cumpriam mais de 160 horas extras por mês e, com o corte de horas extras de março, passaram a receber por no máximo 10 horas.
* Na iniciativa privada, o sobreaviso é regulamentado. Recebe-se uma hora extra para cada seis horas de prontidão.
* Diário Gaúcho