PEC da segurança: avanço democrático ou retrocesso institucional?

Alberto Koppittke
Alberto Koppittke

Assunto que tem passado quase desapercebido ou sem o devido debate, a PEC da Segurança, pode significar um dos maiores retrocessos institucionais do país desde a Constituinte.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 33/2014, chamada PEC da Segurança Pública, aprovada recentemente pelo Senado Federal e que é referida como a prioridade do Governo Dilma, efetivamente abre uma nova etapa da Segurança Pública brasileira. No entanto, se essa nova etapa será boa ou ruim, é algo indefinido. Ela tanto pode caminhar na direção de um importante salto de qualidade democrático, como num forte retrocesso institucional.

A PEC, que inclui no texto da Constituição a Segurança Pública como uma das obrigações de competência comum entre a União, os Estados e os municípios, na prática permite à União voltar a atuar diretamente em Segurança Pública. O que é preciso ter atenção é que ao longo da história brasileira isso sempre foi feito através do empoderamento das Forças Armadas e não em prol da modernização, valorização e democratização das polícias.

A experiência das demais políticas públicas brasileiras, desde a Constituinte, demonstram que ocorrem ganhos de qualidade quando se formam Sistemas Nacionais, mas onde a operacionalização das políticas públicas foi descentralizada e a União se qualificou para atuar como indutora da melhoria da qualidade da gestão e não na execução direta.

Porém, para conseguir induzir melhorias de qualidade, a União deve primeiro se dotar de pessoal especializado no tema, o que hoje não ocorre. Atualmente, os recursos humanos que a União dispõem na Segurança Pública (fora a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal que tem atribuições específicas), são basicamente os Policiais Militares das unidades da federação, através da Força Nacional. Isso faz com que a sua atuação, em momentos de crise, seja uma mera reprodução dos mesmos padrões organizacionais e operacionais que os Estados já executam.

Para um novo caminho, seria necessário primeiro dotar a Secretaria Nacional de Segurança Pública de capacidade de gestão, seguindo as melhores experiências internacionais. Para realmente impulsionar um salto de qualidade da Segurança, o Governo Federal poderia tomar inúmeras iniciativas como: criar uma Academia Nacional de Gestão em Segurança Pública, reunindo os melhores pesquisadores e gestores do país; um Instituto de gestão de dados, com pessoal especializado no tema; uma Ouvidoria Nacional com efetiva capacidade de melhorar o controle da atuação, em especial contra grupos de extermínio e milícias; um sistema nacional de Transparência, voltado a qualificar o ciclo de gestão das políticas de segurança, através de indicadores de qualidade; e ainda uma Comissão Nacional de Evidências para sistematizar e disseminar métodos e práticas sobre o que funciona para reduzir a violência, baseada em grandes pesquisas nacionais.

Isso tudo, sem falar na estruturação e financiamento de políticas sociais de prevenção à violência, em parcerias com os municípios, nos territórios mais vulneráveis, como começou a fazer durante os quatro anos de existência do Pronasci.

Entretanto, nada indica que esse será o caminho a ser trilhado.

Infelizmente, nos últimos anos e especialmente após o início do Governo Dilma, a forma como a União tem atuado na Segurança Pública é através do empoderamento das Forças Armadas na execução de tarefas de segurança.

Esse processo aliás, que sequer teve uma efetiva ruptura na Constituinte, onde as Forças Armadas mantiveram o comando hierárquico sobre o policiamento ostensivo do país, teve sequência no período democrático com um conjunto de Leis Complementares. Com as LCs 97/1999 e 117/2004, as Forças Armadas retomaram a possibilidade de agir em questões de segurança pública, em apoio as forças policiais, em situações específicas. Depois, pela LC 136/2010, elas ganharam pleno poder de polícia nas áreas de fronteira, o que representa 27% do território brasileiro. E mais recentemente, receberam delegação para assumir o controle pleno em ações de Segurança Pública, em qualquer território do país, nas chamadas Operações de Garantia de Lei e Ordem (Portaria Normativa nº. 3.461 do Ministério da Defesa), mediante autorização do(a) Presidente(a) da República, sem avaliação do Congresso nem dos Governadores.

Agora, conforme venha a ser utilizado o novo dispositivo constitucional criado pela PEC, as Forças Armadas, conforme a interpretação que se dê, poderão atuar livremente em todo território e assunto de segurança, sem a necessidade de autorização seja necessária.

Portanto, o que essa PEC na verdade parece criar é uma autorização constitucional para as Forças Armadas atuarem na Segurança Pública atendendo os clamores das vozes mais conservadoras que crescem a cada dia no Brasil.

A tendência é que esse novo desenho federativo não sirva para qualificar a governança da Segurança Pública brasileira, mas sim novamente fortalecer a sua militarização e o seu fechamento. Historicamente, isso resultou numa atuação cada vez mais reativa, distante das comunidades, com grande volume de abusos de autoridade e no fortalecimento de uma cultura de desrespeito aos direitos humanos. Exatamente o inverso do que se espera da Segurança Pública numa democracia.

Alberto Kopittke Winogron,

Pesquisador em segurança pública e Vereador (PT) em Porto Alegre.