Segurança é movida pela insegurança no comércio em Pelotas

A cena se torna cada vez mais comum e pode ser percebida por aqueles que circulam na área central. Na frente das lojas e empresas, homens de prontidão controlam o movimento (Foto: Jô Folha - DP)
A cena se torna cada vez mais comum e pode ser percebida por aqueles que circulam na área central. Na frente das lojas e empresas, homens de prontidão controlam o movimento (Foto: Jô Folha – DP)

Criminalidade faz com que comércio aumente a proteção contra assaltos e furtos contratando trabalhadores para “vigiarem” os estabelecimentos

Se você observar, na calçada por onde passa, em frente aos mais diferentes tipos de estabelecimentos, existem homens parados, de olho em tudo e em todos. O medo de assaltos faz com que os comerciantes cada vez mais contratem pessoas para fazer a segurança do local. É um mercado de trabalho que cresce, porém em grande parte, na ilegalidade. O Sindicato dos Vigilantes de Pelotas (Sindivigipel) questiona contratações de pessoas sem treinamento específico e o Sindilojas, da mesma forma, defende que apenas profissionais habilitados para exercer a função, o façam. “Estão criando suas próprias milícias”, comenta o presidente do Sindilojas, Gilmar Bazanella.

O lojista entende como prejudicial a contratação de segurança despreparado, o que está acontecendo em função do alto número de assaltos e furtos. “Entendemos a boa intenção, que é de se proteger, mas onde vamos parar? O Estado é que tinha de incrementar a segurança”, comenta. Para Bazanella, isso é tão sério quanto a falta de segurança pública. “É assustador o número de empresas que contratam, mas quem articula essa questão, de onde vem essas pessoas? Eu não contrataria, prefiro outras medidas de proteção, como a instalação de alarmes”, acrescenta.

O presidente do Sindilojas salienta já ter participado de reunião com a Brigada Militar e o Sindicato dos Empregados no Comércio para ouvir manifestação em relação à falta de segurança. “Mas por enquanto só ouvimos desculpas. Está todo mundo trabalhando e cumprindo com suas obrigações, pagando seus impostos. O Estado também tem que cumprir”, observa. Em sua opinião, o que está acontecendo para efeitos de segurança é um desastre, uma desorganização do Estado e da sociedade. “Daqui a uns dias até os consumidores vão ter que contratar segurança para ir às ruas”, enfatiza.

O Sindilojas cobra do Estado respostas ao pedido de mais segurança para o setor (Foto: Jô Folha - DP)
O Sindilojas cobra do Estado respostas ao pedido de mais segurança para o setor (Foto: Jô Folha – DP)

A.M. é comerciante no ramo da alimentação e contratou dois seguranças para o seu estabelecimento. Cada um cumpre jornada de seis horas. Um é funcionário de empresa do ramo, o outro, o chefe. Prefere não se identificar para falar sobre o assunto e explica que a intenção é de se proteger. Pela primeira vez em 14 anos sentiu necessidade por já ter sido vítima de arrombamento e tentativa de assalto.

“Não quero reação. Ao botar um cara aqui não quero pegar vagabundo, isso é função da polícia. É só a figura para dizer que aqui tem um segurança”, explica. Confessa que a medida adotada é até uma contradição com o que pensa e também entende como milícia. Mas o fez por força das circunstâncias. “Está sendo um quebra-galho, já que a Brigada Militar não dá conta e a gente reconhece os baixos salários dos PMs”, comenta.

A contratação de trabalhadores que não passam por critérios rigorosos de avaliação, como não ter antecedentes criminais, passar por curso de formação, entre vários outros que comprovem sua idoneidade, é o grande problema, segundo o presidente do Sindivigipel, Marcelo Puccinelli. “Hoje a gente vê nas esquinas pessoas bem arrumadas fazendo a segurança. Lojas contratam sem se informarem sobre quem estão contratando. Não mantêm contato com o Sindicato para orientação e documentação necessária”, adverte.

Marcelo Puccinelli, presidente do Sindivigipel (Foto: Jô Folha - DP)
Marcelo Puccinelli, presidente do Sindivigipel (Foto: Jô Folha – DP)

O “bico” para aumentar a renda
O presidente do Sindivigipel reafirma que não se pode contratar qualquer um, mas tem conhecimento de que o profissional clandestino cresce em número. De acordo com Puccinelli, existem muitas empresas de vigilância de fachada, que não são legalizadas nem registradas na Polícia Federal. “Cada um tem que seguir sua profissão. Brigadiano tem que batalhar por um bom salário e cada vez faz mais bico de segurança, tirando a vaga do profissional do ramo”, frisa. O presidente do Sindivigipel também faz referência aos baixos salários dos policiais militares, o que os leva a se valerem de um acréscimo ao orçamento por conta dos bicos. “A gente entende que a situação deles tem que melhorar, para que possam descansar nas suas folgas”, fala.

O comandante do 4º BPM, tenente-coronel André Luís Pitan, ressalta que o policial militar não tem autorização para fazer nenhum tipo de bico e que se trata de transgressão disciplinar na área militar. Mas na prática alguns realizam esse tipo de serviço, reconhece, ao destacar que a conduta requer investigação. Informa que alguns já responderam processo administrativo e foram punidos. Outros até afastados, pelo envolvimento em horários de serviço.

De acordo com o comandante, os processos, no entanto, não são muito grandes porque a demanda de segurança pública é maior ainda e não tem pessoal para investigar tudo isso. Diz já ter ouvido falar que os comerciantes preferem contratar brigadianos para segurança de seus estabelecimentos porque são mais treinados. E os PMs por sua vez, com salários baixos, aceitam para aumentar sua renda. Mas não podem.

Postos de trabalho perdidos pelos profissionais
Com a crise econômica e o desemprego, o posto de segurança acaba sendo uma oportunidade de trabalho e isso afeta o profissional de fato. O presidente do Sindivigipel ressalta que em torno de três a quatro rescisões de vigilantes são feitas por semana. Nunca foi tão alto. “Estamos apavorados”, conta. A Universidade Federal de Pelotas (UFPel) já teve mais de 300 vigilantes e reduziu em quase cem, com previsão de cair para 135, relata o presidente do Sindivigipel. “A gente se preocupa muito, pois vão implantar câmeras e entendem que vai ser mais eficiente. Entendemos que não. O equipamento faz o registro, mas não produz uma ação imediata”, analisa.
Conforme a assessoria de comunicação da UFPel, quando a atual gestão assumiu, em 2013, havia 288 vigilantes terceirizados e foram reduzidos para 238. Em fevereiro deste ano passou para 212 e a ideia é chegar a fevereiro de 2016 com 150. No Campus Porto Anglo são quatro por turno. A diminuição do total de trabalhadores ocorreu em função da necessidade de redução de custos, pois no orçamento projetado para 2013, com quase 300 vigilantes, eram gastos R$ 15 milhões ao ano, soma reduzida à metade ao final deste ano.
A Universidade realmente investiu na aquisição de câmeras de vigilância para todas as unidades. Foram gastos R$ 2,6 milhões, mais R$ 1,5 milhões em equipamentos de informática. Duas centrais serão instaladas para monitoramento: no Porto e Capão do Leão. Em caso de ocorrências, as centrais chamam a Brigada Militar, mas também vai com suas viaturas ao local, informa a assessoria.

Alguns estão há poucos dias no serviço
Leonardo, nome fictício de um segurança de dois estabelecimentos comerciais localizados no Centro de Pelotas em horários alternados, tem 24 anos e no dia em que falou com a reportagem do Diário Popular estava recém há uma semana nessa atividade. É operador de máquinas e o desemprego o levou a aceitar a oferta de um amigo que faz segurança. Passou a trabalhar para uma empresa do ramo. Casado e pai de dois filhos, de quatro e seis anos, sendo o único responsável pela manutenção financeira da família, aceitou. Mas confessa que não pretende permanecer na função, pois pretende voltar ao setor para o qual é qualificado.

Está achando cansativo e diz que estranha muito a tarefa. Em um dos locais onde faz a segurança um cliente saiu sem pagar e ele teve de correr atrás, mas não conseguiu pegar. Confessa que tem medo, mas é necessário no momento, por se tratar de sua fonte de renda. A esposa não trabalha. “Não é o que quero para mim, é momentâneo. Estou esperando meu ramo fortalecer de novo”, afirma.

Ao contrário de Leonardo, Gustavo, 32, é vigilante e tem uma empresa especializada. Mas mesmo a firma sendo de sua propriedade, ele também atua. “A gente tem que trabalhar”, dispara. Já foi segurança de loja, depois entrou para a área de vigilância e quis ter seu próprio negócio. Hoje atende dez lojas e confirma que o segmento cresce. Casado, pai de quatro filhos, também é o único a ter fonte de renda em casa.

Gustavo diz não ter medo do serviço que presta. “Se pensar nos riscos então, ainda mais do jeito que está a criminalidade hoje em dia. Há oito anos não era assim”, lembra. Ele concluiu o Ensino Médio e tem formação de vigilante. Não pretende sair desse setor, até pelo que já havia falado anteriormente, em relação ao crescimento. Como Leonardo, atua em comércio situado na área central.

Diário Popular