ZERO HORA: Número de assassinatos na Região Metropolitana aumenta 41% em cinco anos

Levantamento do jornal Diário Gaúcho aponta 6.408 mortes de 2011 a 2015 

Por: Eduardo Torres e Renato Dornelles

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DE 2011 A 2015, número de assassinatos na Região Metropolitana aumentou 41,3%. No mesmo período, população cresceu apenas 5%. Levantamento ainda traz dado alarmante: taxa de homicídios alcança 33,8 mortes para cada 100 mil habitantes, o que representa três vezes mais do que o considerado como epidemia pela ONU

Em cinco anos, 6.408 pessoas foram assassinadas em 19 municípios da Região Metropolitana e do Vale do Sinos. É como se a população de uma cidade do porte de Glorinha, a 44 quilômetros de Porto Alegre, tivesse desaparecido entre 2011 e 2015. Os dados integram levantamento inédito e exclusivo do Diário Gaúcho.

Vive-se uma epidemia de homicídios, com 33,8 assassinatos para cada 100 mil habitantes por ano. É três vezes mais mortes que o índice considerado aceitável pela ONU. Proporcionalmente, mata-se mais aqui do que nas cidades do Rio de Janeiro (18,6 para 100 mil) e de São Paulo (10,1). O ritmo dos assassinatos é oito vezes maior do que o do crescimento da população.

Em 2015, ao menos 1.539 pessoas foram mortas na região que a planilha abrange. Número 41,3% superior aos 1.089 mortos em 2011. Nesse período, a população cresceu 5%, segundo o IBGE. O tráfico de drogas explica muito. Com acertos de contas, foi o pano de fundo em seis de cada 10 mortes.

Em plena vigência do Estatuto do Desarmamento, 82,9% das vítimas foram atingidas por armas de fogo. O “grupo de risco” da epidemia está entre 18 e os 24 anos: um em cada quatro homicídios atinge pessoas dessa faixa etária.

Aqui, o discurso de que “são criminosos se matando” é frágil. Pelo menos uma em cada cinco vítimas não tinha antecedente criminal. Quando os crimes são motivados pelo tráfico, uma em cada quatro vítimas não tinha ficha na polícia.

Ao longo desses cinco anos, a média é de uma pessoa morta por semana vítima de assaltantes – muitas vezes, tendo justamente o tráfico de drogas como mola propulsora para cometer os latrocínios.

Até agora, os remédios para frear essa epidemia foram ineficazes. Autoridades criaram, e desfizeram, os Territórios da Paz. Estabeleceram o homicídio como prioridade, com a criação de delegacias especializadas. Mas diante de cortes de investimentos, o ritmo e a qualidade das apurações diminuíram.

Logo, a falta de respostas para o surto violento não surpreende. Conforme a Corregedoria do Ministério Público, apenas 5,5% dos inquéritos de homicídios chegam ao Tribunal do Júri na Região Metropolitana. Pior: 82% são devolvidos à Polícia Civil para novas diligências.

Por ora, a pergunta de uma mãe que perdeu a filha parece longe da resposta:

– Até quando?

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SERVIÇO
Os números alarmantes da violência são a partida do Debates Metropolitanos – O Crescimento da Violência na Capital e Grande Porto Alegre. O evento é o primeiro de uma série de encontros, organizados pelo Diário Gaúcho, que visam a discutir temas relevantes para a região. Será amanhã, a partir das 9h, no Centro Histórico Cultural Santa Casa (Avenida Independência, 75), no Centro. A entrada é gratuita, mas é preciso confirmar pelo e-mail promocoes@diariogaucho.com.br

Quatro em cada 10 mulheres são mortas por ciúme

A relação entre Priscila Dornelles, 23 anos, e o noivo já não existia. Ela tentava escapar do comportamento violento dele, que só se revelou depois do noivado. Após um registro policial feito por ela sobre as ameaças que sofria, André Luís Martins Figueiredo a levou até um morro isolado na Capital e sentenciou:

– Se tu me abandonar ou me denunciar, juro que te mato e picoto todinha. Ninguém vai encontrar o corpo.

Apavorada, a jovem retirou a queixa. O episódio aconteceu em 2011. Depois disso, Priscila deixou a casa onde morava com André, fez outras ocorrências e o risco seguiu existindo.

A mãe dela, Sheila Dornelles, 51 anos, só soube daquela ameaça muito depois da história terminar em tragédia, no domingo 29 de janeiro de 2012. Eram 22h30min, um dos horários mais críticos na região – quase 40% dos assassinatos foram registrados à noite. Priscila divertia-se em um ensaio de escola de samba na Vila Cerne, em Canoas, quando um homem se aproximou e executou a jovem com dois tiros. Para a polícia, o crime foi ordenado por André.

– Havia muita coisa que a gente não imaginava que acontecia. Depois da morte, começamos a ver o quanto ele era um monstro – desabafa a mãe.

Assim como Priscila, 39,5% das 472 mulheres foram vítimas de crimes passionais.

– Na teoria, a Lei Maria da Penha é maravilhosa, mas ainda é pouco. Está muito longe de resolver o problema quando uma mulher está ameaçada. A minha filha já andava com o (número do) telefone do delegado na bolsa, evitava ir a alguns lugares, teve de mudar de emprego. E, mesmo assim, aconteceu isso – desabafa a mãe.
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ALERTA DE MÃE PARA INTERPRETAR SINAIS

Na noite em que foi morta, Priscila saía com algumas amigas depois de muito tempo. O ex-noivo não estava lá, mas um amigo dele sim. Ela não desconfiava mas, segundo a polícia, o rapaz seguia ordens de André Luís. Seis meses depois do crime, o ex-noivo, àquela altura já denunciado como mandante do crime, foi assassinado em Porto Alegre. Era taxista e foi vítima de um acerto de contas.

Bruno dos Santos Reck, acusado de ser o atirador, já foi pronunciado. Atualmente, está em liberdade e deve ser julgado em 2017. Enquanto isso, a mãe tenta encontrar respostas racionais para a dor. Já refez mentalmente milhares de vezes o que poderia ter evitado o final trágico da filha.

– Se pudesse mudar algo, e que hoje aconselho às mães, é prestar muita atenção a tudo o que acontece com as suas filhas. Era um rapaz muito bom quando começou a namorar ela, frequentava a minha casa. E quando nos demos conta, não era nada daquilo – diz.

A cada 18 inquéritos, só um é julgado

FFEJá se passaram três anos desde que Júlia dos Santos Granella foi executada, em novembro de 2012, aos 16 anos. Seu “crime” foi ter chorado desesperadamente ao presenciar a execução do namorado, Giovanni de Souza, 20 anos, na Vila Elza, em Viamão.

E a cada mês que passa, a esperança da família de ver a justiça ser feita diminui ainda mais. Conforme a Corregedoria do Ministério Público, na Região Metropolitana, em média, somente um em cada 18 inquéritos de homicídio ou tentativa de homicídio concluído pela polícia chega ao Tribunal do Júri. Um funil que deixa pelo caminho o medo e a desesperança.

– Me sinto impotente. Sinto falta da minha filha todos os dias e não vejo forma de aliviar isso – resume a mãe, Patrícia Santos Carvalho.

Ela tem receio de falar sobre o crime. Pudera. A Delegacia de Homicídios de Viamão levou um ano e meio para concluir o inquérito. Indiciou os dois suspeitos e, até hoje, nenhum deles foi denunciado pelo Ministério Público.

Em Viamão, desde 2011 o volume de inquéritos sobre homicídios remetidos à Justiça pela Polícia Civil é crescente, como em praticamente toda a região. O município foi um dos que, em 2012, inaugurou uma delegacia especializada em homicídios. Ainda assim, apenas 12,6% dos casos resultaram em denúncia do MP. Mais de 30% dos inquéritos foram devolvidos à polícia para novas diligências.

Aos 16 anos, o sonho de Júlia era corrigir o namorado, envolvido no tráfico. Acabou levada ao mesmo destino dele. Foi morta de forma cruel, com as mãos amarradas, de joelhos e atingida por tiros no rosto.

Por semana, uma vítima de assalto

Aos 78 anos, Pedro dos Santos nunca se envolveu com drogas. Em 2011, completava 44 anos como motorista de táxi em Alvorada. Morreu durante um assalto, como aconteceu com outras 259 pessoas na Região Metropolitana entre 2011 e 2015. A média é de uma vítima a cada semana.

Amigo, como era conhecido pelos colegas, foi vítima de um latrocínio motivado por uma pedra de crack. Seu provável executor, reconhecido por testemunhas, foi morto na manhã seguinte, no que a polícia acredita ter sido um julgamento sumário do “tribunal do tráfico”, mas nunca se chegou aos autores da morte de Rithieli Bittencourt de Abreu, 20 anos.

A tarde de 21 de novembro de 2011 ainda está bem viva na memória do taxista Adão dos Santos Melo, 72 anos. Ele aprendia os macetes da profissão com Amigo. Acabou herdando também o medo.

– Ele tomava todos os cuidados, não trabalhava à noite, mas agora sabemos que não tem mais hora. Podemos ser vítimas a qualquer momento – desabafa.

A precaução do taxista não foi suficiente para livrá-lo do “grupo de risco” para latrocínios. Mais da metade das vítimas de assaltos que terminam em mortes tinha 40 anos ou mais. Significa que há quatro vezes mais chances de uma pessoa nessa faixa etária ser morta em um assalto do que em um homicídio motivado pelo tráfico.

Naquele dia, perto das 17h quando Pedro aceitou o passageiro no ponto de táxi com o seu jeito habitual:

– Amigo, não precisa entrar por aí, entra aqui pela frente mesmo – pediu.

Minutos depois, ele apareceu ferido fatalmente por uma facada na Rua Marupã, no bairro Rubem Berta, na zona norte de Porto Alegre. O uso de facas como armas para assaltos que resultam em mortes é proporcionalmente maior do que em outros assassinatos. Esse tipo de arma foi usado em 10,3% dos latrocínios, enquanto no volume geral de assassinatos, 6,5% das mortes foram causadas por facadas.

Policiais matam mais e também morrem mais

Homicídios cometidos por policiais representam 3,4% do total de mortes. Foram 222 casos em cinco anos. Significa que, a cada 30 homicídios, um é cometido por agentes de segurança. Em 61,7%, as mortes aconteceram durante ações policiais. Em um terço, em reações a assaltos.

Ano passado foi o recordista, com 62 casos, chegando a 4% do total de crimes de 2015. Um dado em alta desde 2014, quando 54 pessoas foram mortas.

Ronaldo de Lima, 18 anos, foi uma dessas vítimas na manhã de 3 de setembro de 2015. Porto Alegre viveu um dia de fúria depois que o jovem foi morto com um tiro pelas costas disparado por um PM durante abordagem. Em 2015, 67,7% das mortes foram em serviço, o que representa metade dos casos registrados em 2011.

No Buraco Quente, no bairro Santa Tereza, policiais precisaram de reforço para sair do local e, durante todo aquele dia, a Vila Cruzeiro viveu um dia de terror, com ônibus e lotações incendiados. Os moradores denunciavam o que diziam ser uma execução.

Conforme o inquérito concluído pela Polícia Civil, ainda em análise pelo Ministério Público, apesar de forjarem provas, os PMs agiram em legítima defesa.

O aumento também é resultado da ousadia de criminosos. O ano passado foi o recordista de policiais mortos, com sete vítimas. É mais do que o dobro dos três que haviam sido mortos em 2011. Ao todo, 21 perderam a vida em cinco anos. A cada 10 pessoas mortas por policiais, um agente tomba. A ação policial também se verifica em reações a assaltos. Foram 72 casos de suspeitos de roubos mortos por agentes da segurança. É a metade de todos as mortes em reações a assaltos entre 2011 e 2015.

Adolescentes executados

Os bairros Lomba do Pinheiro, Restinga, Rubem Berta e Santa Tereza concentram 20% dos assassinatos de jovens e adolescentes na Regiâo Metropolitana.

Se na Capital 7,9% das vítimas não chegam aos 18 anos, nos quatro bairros, 10,9% das vítimas morreram nessa faixa etária. Juarez Fernando Oliveira Weber foi uma dessas vítimas. Ele completaria 20 anos em abril deste ano. Mas não teve festa, só saudade. Uma dor que a mãe, a vendedora ambulante Cleonice Oliveira Weber, 40 anos, carrega desde agosto de 2011, quando perdeu o filho executado aos 15 anos, dentro de uma lan house no bairro Restinga, em Porto Alegre.

Um mês depois o crime, o governo estadual lançou ali um Território da Paz, bandeira na área da segurança pública para combater os homicídios de jovens nos quatro bairros que até aquele ano respondiam a um terço dos assassinatos da Capital.

Com a troca de governo, os Territórios da Paz terminaram sem efetividade e sem um projeto que os substituísse. Morador da Quinta Unidade, Juarez contrariava essa realidade.

– Ele sempre dizia que iria trabalhar para nos ajudar e ser alguém na vida. O que mais me dói é sentir que os sonhos dele foram cortados assim – diz a mãe.

O garoto foi vítima do tráfico sem que tivesse qualquer envolvimento com a criminalidade. Isso não é raro. Mesmo que em 70,4% dos assassinatos de adolescentes na Região Metropolitana o tráfico de drogas tenha sido o pano de fundo, mais da metade das vítimas não tinha antecedentes.

Pare e pense nessas almas, governador

Levantamento do jornal Diário Gaúcho conclui que, nos últimos cinco anos, 6.408 pessoas foram mortas em 19 municípios do Estado

Em um dia do mês de março, à hora do almoço, o comando da Brigada Militar comemorava uma conquista modesta: fazia 24 horas que não ocorria um homicídio no Rio Grande do Sul. Vinte e quatro horas sem crime pode parecer irrelevante para merecer registro, mas as forças encarregadas de combater a violência sabem o quanto isso é raro. Nos últimos cinco anos, 6.408 pessoas foram mortas em 19 municípios da Região Metropolitana e do Vale do Sinos. Estão fora dessa conta os homicídios registrados nos outros 478 municípios.

O minucioso levantamento da evolução da violência nessas regiões, que o Diário Gaúcho publica hoje em um caderno especial, é um recorte da criminalidade no Estado. Anestesiados pelas notícias diárias sobre homicídios, os gaúchos só se chocam quando os crimes ocorrem em circunstâncias especiais ou se envolvem algum parente ou amigo. É como se a morte nas periferias fosse uma fatalidade.

Mas o que são 6.408 assassinatos em cinco anos? O Diário Gaúcho comparou à população de uma cidade, o que talvez não faça sentido para quem não conhece o local. Talvez seja mais didático comparar à queda de um avião, desastre que choca o planeta, onde quer que ocorra. Um Airbus A-380, por exemplo, o maior avião de passageiros em operação no mundo. Pois o assassinato de 6.408 pessoas seria equivalente à queda de 12 A-380 lotados em cinco anos.

Pense nessas almas, governador José Ivo Sartori, e nas famílias de cada vítima, antes de responder à pergunta que interessa: o que será feito nos próximos meses para conter a criminalidade? Não é consolo dizer, como o secretário Wantuir Jacini gosta de destacar, que a maioria das vítimas tinha antecedentes criminais ou que a estatística é vitaminada pelas brigas de gangues.

Nesses hipotéticos aviões da morte, estão as vítimas de latrocínio, os policiais que tombam em serviço (oficial ou no bico), as mulheres vítimas da violência doméstica, os traficantes graúdos e os adolescentes franzinos cooptados pelos barões da droga para atender a clientela de classe média e alta. Em 2011, foram 1.089 homicídios nos 19 municípios acompanhados pelo DG. Em 2015, esse número macabro bateu em 1.539.

É verdade que a curva vinha subindo desde 2013 e que em 2014 os assassinatos na região somaram 1.442. Mas a situação se agravou, aumentando a sensação de insegurança que atormenta os gaúchos.

Sem dinheiro para nomear policiais ou pagar horas extras, o Estado não consegue oferecer à sociedade um sinal de esperança futura. A Lei dos Desmanches, concebida para inibir a receptação de veículos e peças, ainda engatinha. As operações da Brigada Militar e da Polícia Civil prendem criminosos – alguns várias vezes no mesmo ano –, mas o sistema, repleto de furos, não resulta em redução efetiva da criminalidade.

Para virar o jogo, será preciso investir em presídios. Nesse quesito, surge uma luz no horizonte: a permuta de imóveis inservíveis pela construção de cadeias.

Confira reportagem especial clicando na imagem abaixo:

Foto: Arte / Diário Gaúcho