Maior parte das ligações ao 190 é trote

BM recebe ainda, em pleno 2016, 90% de chamadas indevidas - Leandro Lopes - DP
BM recebe ainda, em pleno 2016, 90% de chamadas indevidas – Leandro Lopes – DP

Entre as ligações estão números de pizzarias, cantadas, piadas, falsos comunicados e xingamentos

Por: Giulliane Viêgas

– “Sala de Operações, Brigada Militar.
– Alô?
– Sala de Operações.
– Tem uma pessoa morta aqui perto da minha casa. Foi assassinada a tiros.
– Qual seu endereço?
– Rua X, Fragata
– Uma guarnição vai ser deslocada para o local informado.
– Tá bom.
– Boa tarde!
– Boa tarde!”

O diálogo acima é entre um policial militar e um desconhecido. A partir dessa conversa, guarnição da Brigada Militar (BM) de Pelotas que fazia patrulhamento ostensivo foi imediatamente encaminhada até o endereço informado. Ao chegar, porém, os militares perceberam que se tratava de trote. “Com a riqueza de detalhes que repassam, é difícil descobrir se a informação é falsa ou não. Só mandando uma equipe até o local para averiguar a situação”, comenta o soldado Juliano Batista, lotado há um mês na Sala de Operações (SO).

Enquanto os militares seguiam em direção à falsa ocorrência, uma outra ligação à SO ocupava uma das três linhas do setor de chamadas de emergência do 4º BPM. Do outro lado da linha, uma criança repetia palavrões ditos por um adulto que estava ao lado. “Vai se f**** seu m****”.

Trotes e ligações indevidas contabilizam 90% das chamadas ao 190 da Brigada Militar. São ligações insistentes, com falsas ocorrências, que misturam piadas, xingamentos e mentiras. Causam diferentes prejuízos, como a perturbação e o andamento das atividades, além de por em risco outros cidadãos que, podendo estar em perigo, encontram a linha telefônica ocupada. O Diário Popular esteve no Batalhão e acompanhou o trabalho dos policiais que atuam nesse setor.

LL - SALA DE OPERA??ES 01

A Sala de Operações recebe diariamente mais de 100 ligações. Cerca de 36 mil chamadas por ano. Lá, o telefone toca. Toca sem parar. Trotes e ligações indevidas são tão comuns que alguns números já são conhecidos dos policiais. “Mesmo sabendo que não é sério temos que atender”, conta o soldado Maicon Soares. A BM também recebe ligações de pessoas que por algum motivo ou até mesmo solidão querem “bater um papo” ou passar uma cantada aos PMs. “Algumas querem até marcar encontro”, disse Juliano. Outras ligam para reclamar das operadoras de celular e saber número de telefone de pizzarias da cidade.

De acordo com o chefe da Sala de Operações, sargento Bittencourt, parte dos trotes repassados à BM são crianças e adolescentes – especialmente nos horários de entrada e saída de aula. Em alguns casos, a mesma pessoa insiste na mentira e chega a telefonar 30 vezes por dia. Pessoas embriagadas também têm o hábito de acionar o 190. “Aqui a gente vê de tudo. Tudo mesmo. Tem que saber lidar com isso se não a profissão se torna ainda mais difícil”, explica. No ano passado, o 4º BPM recebeu mais de dois mil trotes. Jovens e adultos geralmente tratam de falsas ocorrências como assaltos, incêndios ou acidentes de trânsito.

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O sargento lembra de uma ligação que inicialmente tratou como possível trote. O caso aconteceu há 17 anos, em 1999. “Já era noite quando uma criança ligou e disse: meu pai matou meu irmão. Eu pedia alguns dados e ela desligava o telefone. Aquela situação me deixou nervoso. De repente a criança liga de novo e repete: meu pai matou meu irmão. Na quarta vez que ela ligou eu pensei: não pode ser trote. Acionei uma guarnição que seguiu ao local, foi numa residência localizada no Posto Branco. Ao chegar lá, os policiais encontraram a criança de cinco anos enterrada no pátio da casa. Nunca mais esqueci disso”, revela. Conforme Bittencourt, o homem foi preso dois dias após o crime.

Ocorrências
Casos de Maria da Penha são a maioria nas ocorrências sérias que chegam à sala de operações. Em seguida, assaltos e roubos a estabelecimentos comerciais, transporte coletivo e veículos são os crimes mais frequentes.

No Estado
Os trotes ainda representam 11% das ligações no Estado. O major Gilberto Viegas, que gerencia o call center, salienta a importância de conscientizar que o 190 é exclusivo para ocorrências policiais e situações de emergência. “Qualquer outro tipo de ligação, dependendo da grande procura, a pessoa ficará na fila de espera porque está sendo dada uma informação irrelevante, enquanto outra pode estar perdendo a vida ou passando por uma situação de risco”, alerta. Em 2015, mais de 1,2 milhão de ligações foram atendidas, 25% delas feitas por pessoas pedindo informações aleatórias ou trotes. Ou seja, um terço dos chamados não dizia respeito a ocorrências policiais. Em média, o call center opera com dez servidores por turno e atende 1.500 ligações por dia – pelo menos 141 por hora. O horário de pico é das 16h às 23h, com maior procura nos feriados.

Diário Popular