O fim do policial

1619229Daniela Ruschel Malvasio
Delegada de Polícia
Plantonista da Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA)

Nos Estados Unidos, um conjunto de leis claras e sem lacunas rege a conduta policial. Os policiais norte-americanos não precisam usar algemas ou qualquer arma letal ou não-letal. Não precisam, a não ser que eles queiram, com o fim de proteção de sua integridade física. Portanto, a orientação de todo um sistema respaldado por policiais, juízes e promotores é no sentido de que as pessoas não devem resistir às prisões, ou será utilizado qualquer meio para detê-la. Não estou aqui querendo entrar no mérito do conteúdo da lei, nem vou iniciar discussões sobre abusos policiais. Apenas quero referir que o policial norte-americano sabe o que pode fazer, e não teme que sua conduta possa ser questionada pela corporação, mídia ou sociedade.

Aqui, não é possível fazer tal afirmação. Aliás, não se pode fazer qualquer afirmação, eis que o policial brasileiro está  totalmente desprovido de diretrizes e normativas que possam deixá-lo com a certeza de como agir em cada situação. Até mesmo quando o policial está diante de uma situação que considera perigosa, não existe um comando específico de conduta.

O problema é que o policial, quando enfrenta uma dúvida em seu trabalho, não está optando por uma corrente jurisprudencial, sentado, escrevendo uma peça processual. A hesitação do policial é sobre agredir ou ser agredido fisicamente, matar ou morrer. E essa dúvida, caro leitor, você possivelmente nunca terá na vida, então creio ser difícil opinar.

Notem, este é o maior dilema do policial hoje: a opinião acerca de seu trabalho. Pode ser que o cidadão o reprove, pode ser que a mídia o censure, pode ser que o juiz o condene. E então, a questão que surge é: prefiro arriscar ser morto pelo criminoso ou ser execrado pela sociedade? Morrer me defendendo ou viver me defendendo?

Um exemplo emblemático e recente foi a morte do policial militar Luiz Carlos Gomes da Silva Filho, em julho deste ano. Desde já peço desculpas aos colegas policiais por lembrar desse triste episódio, mas essa situação ilustra com perfeição como funciona nosso sistema numa abordagem. Em face de uma resistência de um abordado, que aparentemente não portava arma, o policial, desprovido de qualquer legislação sobre sua conduta, optou por não atirar. Nos Estados Unidos, o policial sabe que ali poderia usar uma arma letal. No Brasil, o país dos contornos legislativos, não há o que dizer a respeito, não há como se dizer o que o policial pode e deve fazer e assim perdemos mais um excelente policial. Que a lei seja clara e diga que o policial pode reagir quando houver resistência ou então que diga que não pode. Até porque se optar pela última diretriz, peço minha exoneração de vez.

Diário da Manhã