‘Se melhor caminho for o privado, iremos por ele’, afirma Schirmer

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Ex-prefeito de Santa Maria, Schirmer é secretário estadual há um mês ANTONIO PAZ/JC
Ex-prefeito de Santa Maria, Schirmer é secretário estadual há um mês
ANTONIO PAZ/JC

Isabella Sander

Secretário estadual de Segurança Pública desde o início de setembro, o ex-prefeito de Santa Maria Cezar Schirmer ainda tateia na busca por entender a complexa situação de violência e insegurança pela qual passa o Rio Grande do Sul. Emergencialmente, o governador José Ivo Sartori lhe passou três prioridades: efetivar o chamamento de 1,9 mil novos policiais, aumentar o policiamento ostensivo e qualificar o sistema prisional. Em entrevista ao Jornal do Comércio, Schirmer relata qual modelo de segurança pública deseja para o Estado. O secretário defende, ainda, a possibilidade de uso da iniciativa privada no combate à violência e a repressão ao uso de drogas, a fim de enfraquecer o tráfico.
Jornal do Comércio – Falamos muito sobre ações emergenciais na área da segurança pública, mas segurança pública não é só isso. Qual modelo de gestão o senhor tem em mente para o Rio Grande do Sul?
Cezar Schirmer – O governador me deu três tarefas imediatas e emergenciais: executar o que foi anunciado por ele (chamamento de 1,9 mil novos policiais e implantar o projeto de lei para manter quem está na ativa e quem está na reserva), aumentar o policiamento ostensivo e qualificar o sistema prisional, caótico tanto no Estado quanto no Brasil. Estamos trabalhando nessas três questões. Paralelamente, pensamos em ações no curto, médio e longo prazos. No longo, precisamos de uma estratégia que transcenda governos, porque, às vezes, muda o governo e o que um estava fazendo já não é mais feito, se perdem recursos humanos e financeiros, e o resultado para a população é negativo, tanto que os indicadores estão aí. Diante da grandeza do desafio, temos consciência de que só a Secretaria de Segurança Pública (SSP) não tem condições de resolver a insegurança. Não é sem razão que a Constituição diz que a segurança é dever do Estado e responsabilidade de todos.
JC – Quais outros entes devem participar do combate à violência?
Schirmer – Precisamos juntar Legislativo, Judiciário, Executivo, Ministério Público, Defensoria Pública… Todos os agentes públicos e poderes de Estado para trabalhar juntos, cada um na sua competência. As secretarias de Saúde, Educação, Esportes, Cultura, Assistência Social podem atuar junto com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos e com a SSP para prevenir e promover ações efetivas de tirar nossos jovens da droga, da delinquência e da criminalidade, não permitindo que entrem nessa atividade marginal que, infelizmente, é atrativa, até pelos resultados econômicos. Também precisamos de uma ação vertical. Não basta só o Estado. Há questões federais, como a fragilidade da legislação, o enfrentamento do contrabando de armas e drogas, e a política de fronteiras. Precisamos dos municípios, pois a insegurança e a violência começam, muitas vezes, com a falta de iluminação. Guardas municipais também são importantes. Devemos somar todos da área pública e também da sociedade civil organizada.
JC – Quais setores da sociedade civil?
Schirmer – As igrejas, por exemplo, ressocializam muito mais apenados do que o próprio poder público. Temos que nos somar aos que espontaneamente agem na prevenção ou na recuperação: igrejas, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), associações de bairros. Na escassez de recursos financeiros, precisamos de um pouco de cada um em favor de todos. Esse é o cenário no qual estamos trabalhando. Se tu me perguntares o que tem de diferente, é o ritmo, porque todos sabemos como enfrentar a violência, com prevenção, repressão, sistema prisional, educação. É um trabalho árduo, difícil, complexo, de longo prazo, mas devemos começar imediatamente, sob pena de, algum dia, se continuar assim, precisarmos de um policial para cada cidadão. Os que têm dinheiro vão morar no exterior, e os que continuarem vivendo no Brasil serão prisioneiros em suas casas. Se há uma prioridade hoje, no País e no Rio Grande do Sul, não tenho dúvida de que é a segurança pública.
JC – O senhor se refere a medidas que outras instâncias do governo e da sociedade civil podem tomar. O que a SSP, especificamente, pode fazer?
Schirmer – Todos temos que nos somar. Quando eu era prefeito de Santa Maria, criamos uma banda municipal em uma escola de uma zona de vulnerabilidade social. O resultado foi fantástico, porque alguns jovens que estavam tendendo à droga ou à violência e à criminalidade foram resgatados. Temos que somar Estado e município nesse sentido, de prevenção, educação, esclarecimento. A grande raiz da violência e da insegurança está na droga, e a droga começa no consumo, porque se não houver consumo não haverá tráfico. Esse setor movimenta bilhões, é uma cadeia econômica muito relevante. Por isso, temos que enfrentar a questão do consumo. Hoje, o consumo da droga no Brasil cresceu exponencialmente junto com o tráfico. Da mesma forma, aumentaram os homicídios e, junto com os homicídios, os latrocínios. Temos como atuar nessa área e já começamos, mas isso é prevenção. Temos que atuar na repressão.
JC – O senhor falou sobre a guerra ao tráfico. Qual a sua opinião a respeito da descriminalização das drogas?
Schirmer – Essa é uma questão que eu não me sinto muito à vontade de falar, entendeu? Acredito que isso exige um conhecimento técnico específico também na área da saúde, e não da segurança pública, e, portanto, não quero opinar. Há experiências que, ao que sei, são exitosas. No estado do Colorado, nos Estados Unidos, houve uma experiência que, aparentemente, deu resultados positivos, mas tem também o caso de Amsterdã, que dizem que o resultado foi negativo. Agora, vamos ver o Uruguai e sua experiência em relação à maconha. O mundo inteiro está ainda tateando nesse assunto, mas não acho que seja essa a questão mais relevante. Acredito que a droga é a origem, mas a descriminalização ou não neste momento não resolve o problema, pois o que se discute é descriminalizar a maconha, mas o crack, a heroína, a cocaína e outras tantas drogas que estão aí continuarão existindo. Então, tem que se combater o consumo e o tráfico.
JC – Como a tecnologia favorece a segurança pública?
Schirmer – A tecnologia da informação é vital na segurança pública – o cercamento eletrônico das cidades, as câmeras de videomonitoramento, a central de controle das médias e grandes cidades do Estado. Há muitas coisas que precisam ser feitas. Nós, infelizmente, e eu não me refiro só ao Rio Grande do Sul, mas de modo geral, estamos muito aquém do que deveríamos. Nossa tarefa é rapidez, agilidade, eficiência, resultado, fazer mais com menos. Eu te asseguro que é possível fazer isso, e o Rio Grande verá já nos próximos meses.
JC – O secretário estadual de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, defendeu o uso da iniciativa privada como maneira mais econômica de combater a violência. Como o senhor vê essa possibilidade?
Schirmer – Concordo plenamente com essa posição. Um governante da China, Deng Xiaoping, disse, certa vez, que não importa a cor do gato, e sim que ele cace o rato. No Brasil, infelizmente, o que importa é a cor do gato. Ficamos muitas vezes discutindo qual é o melhor caminho erroneamente. Se o melhor caminho é a iniciativa privada para resolver tal situação, vamos pela iniciativa privada. Se for uma soma público-privada, tudo bem. Se for só público, vamos por esse. No Brasil, só se discute o caminho, e não a eficácia do caminho a ser adotado. Qualquer ideia que esteja fora dos paradigmas tradicionais logo é combatida. Precisamos quebrar paradigmas, inovar. O poder público perdulário, gastador, sem resultados, com prestação de serviços deficientes e às vezes até corrupto acabou. Agora, vamos aprender a buscar as melhores alternativas para resolver os problemas da nossa população. Só assim vamos melhorar o País e enfrentar adequadamente a questão da violência e da segurança pública.
JC – Há negociações nesse sentido no Rio Grande do Sul?
Schirmer – Sim. Recentemente, foi aprovado um projeto de lei trocando a área da Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos (FDRH) com o Grupo Zaffari pela construção de quatro novos presídios. Temos um projeto de lei na Assembleia Legislativa também nessa direção. Esse é um caminho que nós não devemos rejeitar por preconceito ou razões de natureza ideológica, porque pode ser um caminho interessante. Temos que ver como fazer, de que forma controlar, fiscalizar, colher os melhores resultados, pois o preconceito e os paradigmas tradicionais não resolvem. Problemas graves precisam ser enfrentados com criatividade, imaginação e formas não tradicionais de enfrentamento, porque essas, já se viu, não deram resultado.
JC – Há possibilidade de a Força Nacional ficar mais tempo?
Schirmer – Sim. Já pedi isso ao ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. Ainda neste mês, vou a Brasília tratar desse assunto.
JC – Quando será feito o concurso para agentes penitenciários?
Schirmer – Já estamos trabalhando nisso. Há uma escassez de pessoal, e nós vamos abrir os presídios de Canoas e Guaíba nos próximos meses, por isso, obviamente, precisamos recrutar mais gente. O concurso vai sair no ano que vem, terá que sair, senão não adianta ter presídios e não ter gente para controlar os presos.
JC – Os presídios podem sair neste ano ainda?
Schirmer – Não quero estabelecer prazos, porque, se fizer, e, por alguma razão, tivermos alguma dificuldade, serei cobrado, mas o governo está fazendo todos os esforços possíveis, dentro da lei, para colocar esses presídios em operação.
Jornal do Comércio