A imagem dos homens do Batalhão de Operações Especiais (Bope) usando lenços para cobrir o rosto durante uma operação realizada na quinta-feira, no Complexo do Alemão, chamou a atenção. O uso do keffiyeh, tradicional lenço “palestino”, por alguns policiais militares durante operações nas comunidades do Rio, vem provocando polêmica. Feito de algodão, ele substitui a balaclava, mais conhecida como touca ninja, por ter mais proteção contra a poeira e a excessiva exposição solar. O acessório foi implementado ao uniforme da corporação, em 2015, quando o Bope passou a usar a farda verde camuflada em região de favelas cerca por mata.
O cônsul honorário de Israel, Osias Wurman, disse que tomou um susto quando viu, no jornal, uma foto dos militares com o lenço. Ele pensou que fosse uma imagem do Oriente Médio. Ao ler a legenda, notou que se trata do Rio de Janeiro, que vem vivendo uma onda de violência. Wurman classificou o uso do pano pelos PMs como um absurdo:
— Não é só no Alemão, também vi em manifestações em São Paulo. Lamento profundamente que um símbolo como o Keffiyeh esteja sendo usado em cenas de violência como conflitos em comunidades e em ações de depredações. Isso é muito danoso para o povo palestino. Isso provoca no subconsciente das pessoas aquele indesejável sentimento de Islamofobia. As pessoas ligam os palestinos à violência. Esse mesmo lenço é visto durante protestos no mundo inteiro. Esse simbolo deveria ser respeitosamente usado em causas de interesses palestinos — afirmou o cônsul de Israel.
No entanto, o cônsul diz que não é contra os policiais preservarem suas identidades:
— Mas existem outros meios para isso, como as toucas ninja, por exemplo. Não sou contra os policiais taparem os rostos, mas não podem fazer isso com objetos que representam um povo ou que está ligado a uma religião — acrescentou.
A Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro (SBMRJ), por sua vez, não considera ofensiva a adoção do keffiyeh pela polícia. A entidade explica que o lenço não é usado somente pelos muçulmanos, mas também por árabes de todas as religiões, e acrescenta que o keffiyeh foi criado pelo povo beduíno, nativo dos desertos, apenas como uma forma de proteção contra o sol.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a SBMRJ explica que, com o passar do tempo, o lenço foi incorporado à cultura árabe, mas sem ser associado a uma religião específica, e frisa que considera natural a polícia substituir a balaclave por um tecido mais apropriado para o calor do Rio.
O antropólogo e ex-capitão do Bope, Paulo Storani, concorda com a posição da SBMRJ, e reitera que o lenço não é uma representatividade de um povo específico e importante, porque tem a mesma função da balaclave, mas com um diferencial:
— O lenço tem a mesma finalidade por não permitir a identificação do policial, mas não aquece tanto como a balaclave, por causa do tecido.
Segundo Storani, o acessório é usado pelo Bope pela padronagem do tecido, para proteger as partes descobertas como cabeça e pescoço, e a balaclave, de acordo com ele, não é apropriada para a temperatura do Rio.
A Polícia Militar informou, em nota, que os lenços “palestinos” também conhecidos como “shemagh” tem uma aplicação ampla e contribuem no teatro de operação:
“Eles são utilizados para proteção do rosto do policial ao sol a estilhaços, e facilitam na locomoção em área de mata. Tem a funcionalidade de quebra de silhueta e podem ser usados para fazer o torniquete, em casos de socorro a feridos”, afirma trecho da nota da PM.
O keffiyeh ficou conhecido na década de 60, através de Yasser Arafat, ex-presidente da Organização pela Libertação da Palestina e ex-líder do Fatah, grupo extremista islâmico que governa a Cisjordânia. Depois de inspirar os seguidores de Arafat, o lenço se tornou símbolo do nacionalismo palestino. Porém, sua origem se dá aos povos nômades da Península Arábica, que usavam lenços para se proteger do sol e da areia. Os panos coloridos também serviam para identificar as tribos.
Além de ter um significado político, religioso e cultural árabe, para os palestinos o keffiyeh é um símbolo do movimento pela libertação da Palestina e de louvor a Deus.
EM 2015, O USO DE TOUCAS NINJA PROVOCOU POLÊMICAS
Em 2015, uma resolução do estado que autorizava o uso de toucas por PMs provocou polêmica entre autoridades, defensores de direitos humanos e especialistas em segurança. A peça de uso militar havia sido liberada novamente após uso indiscriminado por policiais em favelas – já que esconde o rosto dos agentes e dificulta sua identificação. Na época, as tropas especiais da Polícia Militar receberam o aval do então secretário estadual de Segurança, José Mariano Beltrame, para utilizar a balaclava em ações específicas como operações de resgate de reféns e em eventos como as manifestações populares.
A Secretaria de Segurança havia explicado que, apesar de ter o rosto coberto, os policiais com a touca seriam identificados por caracteres alfanuméricos em seus uniformes.
Na ocasião, a deputada Martha Rocha (PSD), presidente da Comissão de Segurança Pública da Alerj, afirmou que a resolução contraria o que ficou estabelecido em 2013, quando a Casa aprovou uma lei proibindo o uso de máscaras durante os protestos. Em setembro daquele ano, o Ministério Público apresentou uma medida cautelar cobrando a identificação, nas manifestações, dos policiais, que passaram a vestir coletes com caracteres alfanuméricos.
O deputado Marcelo Freixo (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, também havia considerado a medida um retrocesso na segurança do estado. Para ele, o anonimato dos policiais não contribuiria para a segurança. Segundo Freixo, como agente da lei, o PM deveria ser identificado.
*Colaborou Gabriel Oliveira